O vocalista do Queen faleceu em 1991, mas deixou um legado que sobreviveu ao tempo

“O show deve continuar. Por dentro, meu coração está se partindo. Minha maquiagem pode estar dissolvendo, mas meu sorriso continua”. A letra de “Show must go on”, faixa lançada pelo Queen em  fevereiro de 1991, no álbum “Innuendo”, soava claramente como uma despedida do seu vocalista.

Nove meses depois, no dia 24 de novembro, Freddie Mercury seria vencido pela AIDS, após uma longa e corajosa batalha contra a doença.

Inigualável

Talento em estado puro. Foi com esse dom que o vocalista do Queen, Freddie Mercury, conduziu toda a sua carreira. Hoje, 25 anos após a sua morte, o mundo celebra a arte daquele que foi, sem sombra de dúvidas, um dos maiores cantores da história do Rock.

Freddie nasceu na longínqua ilha de Zanzibar, que fica na costa da Tanzânia. Ainda na adolescência, ele se mudou para Londres com seus pais (Bomi e Jer Bulsara). Sua mãe, Jer, faleceu no último dia 13, aos 94 anos de idade.

Na capital inglesa, Freddie conheceu os três fiéis escudeiros (igualmente talentosíssimos) que o acompanhariam até o final de sua vida e o ajudariam a materializar suas ideias.

Ao lado de Brian May (guitarra e vocais), John Deacon (baixo) e Roger Taylor (bateria e vocais), Freddie construiu um legado indestrutível. Com o Queen, foram 15 álbuns de estúdio lançados e dezenas de músicas que fizeram sucesso no mundo todo.

Música sem barreiras

A visão que Freddie tinha para a obra do Queen ia além do Rockn’roll. Em suas composições, ele misturou Blues, Jazz, New Wave, Ópera e Música Clássica para criar canções inesquecíveis.

Talvez o maior exemplo dessa genialidade seja “Bohemian rhapsody”, do álbum “A Night at the Opera” (1975). Harmonicamente grandiosa e cheia de nuances, ela é uma dessas músicas que acabam se tornando imortais.

A prova disso é que, em 2012, a Official Charts Company (entidade que coleta e analisa dados de venda de músicas e álbuns no Reino Unido) fez uma pesquisa para eleger o melhor single dos últimos 60 anos na Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte. “Bohemian rhapsody” foi a escolhida. O segundo lugar ficou com “Billie Jean”, de Michael Jackson.

Um fato curioso é que, além da parte musical, Freddie também se aventurava no design e na moda. É dele a logo que até hoje ilustra os materiais do Queen, por exemplo. O vocalista também desenhava as roupas que usava nos shows, como o célebre conjunto de calça e jaqueta brancas decoradas com raios vermelhos que ele usou no primeiro Rock in Rio.

Momentos inesquecíveis

Ao longo de sua carreira, o Queen fez muitos shows que se tornaram lendários. Dois deles aconteceram no primeiro Rock In Rio, em 1985. Somando as duas apresentações, a Cidade do Rock recebeu, aproximadamente, 300 mil pessoas. O momento mais emocionante aconteceu quando Freddie regeu a plateia em “Love of my life”.

A recepção dos fãs surpreendeu a banda, pois eles não tinham ideia de como eram conhecidos no Brasil. Para o espanto de todos, mesmo em uma época em que a língua inglesa não era tão conhecida por aqui, o público cantou a letra a capella. Sentado em frente àquela multidão, empunhando seu violão de 12 cordas, Brian May mal conseguia falar, de tanta emoção.

Um ano depois, em Wembley, o Queen adicionou mais duas apresentações a esse seleto grupo de shows marcantes. Elas aconteceram nos dias 11 e 12 de julho de 1986, no estádio Wembley, em Londres e faziam parte da turnê de divulgação do álbum “A Kind of Magic” (1986), batizada de “Magic Tour”.

Em sua terra natal, Freddie comandou os súditos que lotaram o mais tradicional estádio inglês para ver uma das melhores performances da carreira do Queen. Os shows ficaram registrados no DVD “Queen – Live at Wembley Stadium”. Sob a direção de Gavin Taylor, foram utilizadas 15 câmeras para gravar a apresentação, além de um helicóptero que fez as tomadas aéreas.

A última vez juntos

A última apresentação do Queen aconteceu no dia 9 de agosto de 1986 no Knebworth Park, em Hertfordshire, na Inglaterra. Aproximadamente 200 mil pessoas tomaram conta dos 100 hectares do parque. Outras bandas já haviam se apresentado naquele local, entre elas o Led Zeppelin e os Rolling Stones, mas foi o Queen que acabou fazendo com que o Knebworth Park se tornasse conhecido em todo o mundo.

O show foi gravado e algumas canções fizeram parte do álbum “Live Magic”, lançado no dia 1º de dezembro de 1986. As outras faixas foram gravadas durante os shows da “Magic Tour” que aconteceram em Wembley e em Budapeste, na Hungria, durante os meses de julho e agosto.

Esse disco tem uma das fotos mais impressionantes já registradas em um álbum de Rock. Quando o fã comprava o disco e o abria, ele percebia que a capa era dupla. Dentro havia uma gigantesca imagem do helicóptero do Queen, todo pintado com a arte da turnê, passando por cima do público que estava no parque. Absolutamente assombroso.

O último show de Freddie foi no festival La Nit, em Barcelona, na Espanha, no dia 8 de outubro de 1988. O evento era uma cerimônia oficial em que a cidade receberia a bandeira Olímpica, vinda de Seul, na Coréia do Sul. Por isso, a apresentação aconteceu nas escadas do Palácio Nacional de Montjuic e teve a presença do Rei e da Rainha da Espanha.

Freddie se apresentou ao lado da cantora lírica catalã Montserrat Caballé (com quem estava prestes a lançar o álbum “Barcelona”), acompanhado pela orquestra e coral do Teatro Lírico de Barcelona. No camarim, enquanto se aquecia, Freddie perdeu a voz. O nervosismo e a doença, que já estava em estado avançado, levaram-no a esse bloqueio.

Sem saber o que fazer, Freddie pediu que a apresentação fosse dublada. Montserrat concordou. Os dois cantaram três músicas juntos: “Barcelona”, “How can I go on” e “The golden boy”. Porém, um problema na base instrumental gravada fez com que as músicas que eles dublaram fossem tocadas de forma mais lenta. Por causa desse imprevisto, os vocais não ficaram sincronizados. Dois dias depois, em 10 de outubro, era lançado o álbum “Barcelona”.

Frases

Freddie era conhecido tanto por seu talento quanto pela característica de não ter papas na língua. Em 1982, por exemplo, teve início a guerra entre Inglaterra e Argentina pela posse das ilhas Malvinas (Falklands para os ingleses).

Na época, a música “Under pressure” estava fazendo um enorme sucesso nas rádios argentinas. Diante do conflito, o governo militar da Argentina proibiu a execução da canção e também não permitiu que o Queen se apresentasse em seu país. Ao analisar a situação, Freddie não defendeu o lado inglês. “São os nossos rapazes matando os deles. Não há nenhuma glória em morrer numa explosão”, disse.

No mesmo ano, quando estava negociando a sua entrada na gravadora EMI, a banda resolveu sair de cena para um ano sabático. Incomodado com as especulações sobre o fim do Queen, levantadas principalmente pela imprensa britânica, Freddie afirmou ironicamente: “Chegamos a um ponto em que, na realidade, estamos velhos demais para nos separarmos. Dá para imaginar formar uma banda nova aos 40? Não seria meio bobo?”, disse.

A aura do astro

No livro “Freddie Mercury – a biografia”, a jornalista Laura Jackson conta alguns fatos sobre a vida do vocalista. Um dos entrevistados no livro é Peter Stringfellow, dono da boate Hippodrome em Londres.

Em certo momento, ele relembra uma noite em 1984 que ficou na sua memória. Peter estava promovendo o que ele batizou de primeira “noite gay” em sua casa noturna, que já estava aberta há um ano.

Naquela noite, perto de 2.500 pessoas lotavam o local quando Freddie Mercury adentrou o recinto. “Ele estava todo vestido de branco e era exatamente como se a Rainha de Sabá tivesse entrado ali. A multidão ficou absolutamente frenética”, conta.

Recebido com aplausos e muita confusão, Freddie encarou tudo com a maior naturalidade. “Ele não ficou nem um pouco constrangido. Na realidade, o efeito foi o oposto. Sua atitude era: ‘mas é claro! Fui eu que acabei de entrar! O que se pode esperar?’. Uma enorme multidão se aproximou, mas seus guarda-costas imediatamente fizeram um cordão de isolamento. Ninguém mais podia chegar perto dele”, complementa Peter Stringfellow.

Naquela época, Freddie já vivia quase isolado em seu mundo particular. Nessa bolha criada propositalmente, só os escolhidos pelo vocalista tinham a permissão para entrar.

Outro fato marcante na vida de Freddie aconteceu em 1982, quando as brigas entre os integrantes do Queen estavam ficando cada vez mais frequentes e violentas. Para tentar serenar os ânimos, a banda resolveu pausar as suas atividades durante um ano. Durante esse período, Freddie foi aos Estados Unidos para gravar duas canções com Michael Jackson. “Victory” e “State of shock” deveriam ser lançadas no álbum “Bad” (1987), sucessor do megassucesso “Thriller” (1982).

A parceria acabou quando Freddie foi pego cheirando cocaína no banheiro do estúdio. Irritado com o flagra, Michael acabou não incluindo as músicas no disco.

O sucesso dos vídeos

O Queen lançou alguns dos vídeos mais importantes da década de 1980. A maioria deles, como “I want to break free” e “Hammer to fall”, ficaram a cargo do diretor David Mallett, mas Freddie sempre contribuiu com suas ideias.

Um dos clipes mais criativos do grupo é “Radio ga ga”. Ele foi gravado no Shepperton Studios, na cidade de Shepperton, Surrey, na Inglaterra.

Na época, ele acabou sendo uma superprodução, mesmo para o padrão de qualidade e extravagância do Queen. Para criar a célebre cena em que uma multidão bate palmas durante o refrão da música, por exemplo, Mallett recrutou 500 figurantes no fã-clube da banda. “Radio ga ga” acabou se tornando um dos clipes mais icônicos da história do Rock.

Durante esse período em que o Queen ficou inativo, Mercury também colaborou com a trilha sonora do clássico filme “Metropolis” (1927), do cineasta austríaco Fritz Lang, que estava sendo recuperado.

Sob o comando do produtor e compositor italiano Giorgio Moroder, o filme foi restaurado e ganhou uma nova versão com músicas cantadas por Mercury e vários outros artistas, entre eles Jon Anderson, Adam Ant e Bonnie Tyler.

Influenciado pelo filme, o Queen produziria o clipe da música “Radio ga ga”, faixa que abre o álbum The Works” (1984), inspirada na aura futurista de “Metropolis.

Nos shows, a produção do palco durante a canção também trazia elementos do filme, como a enormes engrenagens girando atrás do cenário.

A doença

A partir de 1986 começaram a surgir rumores dizendo que Freddie estava com AIDS. Na época, o preconceito contra quem tinha a doença era gigantesco e a eficácia do tratamento se mostrava muito precário. Estar infectado era, praticamente, uma sentença de morte.

Mesmo incomodado com os boatos, Freddie tentava a todo custo manter a sua privacidade. Quando questionado, o cantor negava constantemente que era soropositivo. Ele não falava sobre o assunto e nem admitia para ninguém que tinha a doença. Nem os seus companheiros de banda sabiam qual era a sua real situação, apesar de também suspeitarem.

Aos poucos, porém, as especulações foram se confirmando porque Freddie era visto cada vez mais magro e abatido em suas aparições públicas. Jim Hutton, namorado de Freddie na época, disse que ele recebeu o diagnóstico confirmando que tinha AIDS em abril de 1987.

A luta

A fragilidade que a doença impunha o impedia de se apresentar ao vivo, mas Freddie continuou a compor e a trabalhar com a banda. Ao mesmo tempo, cada vez mais, a imprensa britânica o perseguia e fazia de tudo para obter alguma informação que confirmasse os rumores de que o vocalista estava com AIDS. Isso levou Mercury a se isolar.

No dia 18 de fevereiro de 1990, porém, Freddie não teve escolha. Poucos dias antes, o Queen foi comunicado de que seria homenageado pela British Phonographic Industry Awards.

O prêmio de “contribuição extraordinária para a música britânica” seria entregue no Dominion Theatre, em Londres. Como a imprensa da Inglaterra estava encurralando a banda com notícias sobre a saúde de seu vocalista, se Freddie não comparecesse, confirmaria os rumores. Pensando que seria a atitude correta, Freddie fez um último esforço e esteve ao lado de Brian, Roger e Deacon. Essa seria a sua última aparição em público.

A revelação

No final de 1990, Freddie foi até o Mountain Studio, em Mountreaux, na Suíça. Ele iria se encontrar com os outros integrantes do Queen para discutir assuntos relacionados ao álbum “Innuendo”, que finalmente fora concluído.

Por causa de sua fragilidade, que se intensificava cada vez mais, o disco demorou quase dois anos para ser finalizado. Ele foi gravado entre março de 1989 e novembro de 1990.

Chegando lá, Freddie foi direto ao assunto: “Vocês devem saber qual é o meu problema. Bem, é isso, e não quero que faça nenhuma diferença. Não quero que seja divulgado e não quero falar sobre o assunto. Só quero continuar a trabalhar até não poder mais”, disse.

Apesar de todos já suspeitarem da doença, o choque foi avassalador. “Creio que nenhum de nós esquecerá aquele dia. Nós todos saímos e, sem alarde, passamos mal em algum lugar”, disse Brian May.

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O fim

Em seus últimos dias de luta contra a AIDS, já confinado em sua casa em Londres, chamada de Garden Lodge, Freddie perdeu a visão. Isso fez com que ele decidisse não tomar mais os remédios que lhe eram receitados.

A partir daí, ele passou os dias deitado em sua cama, sem forças para se levantar, compor ou pensar na banda. Para um artista que tinha uma paixão gigantesca pelo que fazia, certamente, esse golpe foi duro demais. Na realidade, já sem esperanças de que pudesse vencer a AIDS, Freddie resolveu se entregar e encerrar o seu sofrimento.

Nas ruas que cercavam o Garden Lodge, de forma extremamente desrespeitosa, a imprensa inglesa se instalou e ficou esperando a notícia final. No dia 22 de novembro de 1991, Freddie chamou o empresário do Queen, Jim Beach, e pediu para que ele redigisse um comunicado a imprensa. O texto deveria divulgado no mundo todo, impedindo que os tablóides sensacionalistas da Inglaterra tivessem o que queriam. No dia seguinte, a assessora de imprensa do Queen, Roxy Meade, leu uma nota na qual Mercury confirmava que estava com AIDS.

Na noite do dia 24, um domingo, pouco mais de 24 horas depois de confirmar que estava com AIDS, Freddie faleceu, vítima de broncopneumonia. Eram 19h e ele estava dormindo. No quarto, estavam seu amigo Dave Clark e Jim Hutton. Ele tinha, apenas, 45 anos de idade.

Como um ator que se retira de cena, Freddie Mercury parece ter escolhido a hora de dar adeus e fechar as cortinas do teatro. O funeral aconteceu em Londres, três dias depois. O corpo do cantor foi cremado no West London Crematorium, em Harrow Road.

A obra de Mercury, inclusive seus trabalhos solo, estão sob os cuidados de Jim Beach. O último pedido de Freddie foi: “você pode fazer o que quiser com a minha música, com o meu legado e com a minha imagem. Só não me torne chato”.

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