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(Foto – Reprodução/Site Belle and Sebastian)

 

Texto – Marcos Anubis

Tradução e revisão – Pri Oliveira

 

Da terra do Monstro do Lago Ness vem uma das bandas mais consistentes do universo Indie. Com quase 20 anos de estrada, o Belle and Sebastian se mantém criativo e resistente aos modismos passageiros que se multiplicaram no mundo musical nas últimas duas décadas.

A formação atual do Belle and Sebastian, Stuart Murdoch (vocal, guitarra), Stevie Jackson (guitarra), Sarah Martin (violino, teclado, vocal), Mick Cooke (baixo), Bobby Kildea (guitarra) e Richard Colburn (bateria), acaba de lançar seu 9º álbum de estúdio, “Girls In Peacetime Want To Dance”.

Nossa conversa foi com o tecladista Chris Geddes. O músico, que está na banda praticamente desde os seus primeiros passos, nos atendeu de forma simpática e se mostrou um profundo conhecedor da música brasileira.

 

Delicadeza e poesia em meio ao furacão Grunge

 

Em 1996, quando o grupo nasceu e dedicou apenas três dias para as sessões de gravação do álbum “Tigermilk”, seus integrantes não tinham ideia do que viria a seguir. De forma muito rápida, as mil cópias do disco lançado pelo selo da banda, o Electric Honey, apresentaram o Belle and Sebastian ao mundo. “Eu tenho boas memórias da gravação do álbum, foi um momento muito especial para nós. Na verdade nós não saímos em turnê na época, pois Isobel e eu ainda éramos estudantes. Talvez nós tenhamos feito alguns shows em Glasgow e em Edimburgo”, diz Chris.

“Tigermilk” trazia belas melodias vocais cantadas sobre bases de violão, com incursões pontuais de guitarras, teclados e sintetizadores. Esse formato fugia completamente da fúria Grunge que ainda dominava as rádios e começava a se dissipar com a morte de Kurt Cobain, dois anos antes. “Stuart estava escrevendo as canções em um ritmo frenético e começamos a trabalhar em músicas para o álbum ‘You’re Feeling Sinister’ já na sequência. Claro que foi um momento muito importante na nossa carreira. Nós ainda tocamos as músicas daquele álbum em quase todos os shows que fazemos até hoje”, complementa.

A repercussão rendeu ao grupo um contrato com a gravadora Jeepster Records e um novo álbum, “If You’re Feeling Sinister”, lançado no fim de 1996. A partir daí o grupo foi conquistando aos poucos o respeito e a admiração de fãs em todo o mundo com participações em vários festivais Indie e seus oito álbuns de estúdio.

Capa do álbum “Girls In Peacetime Want To Dance”. (Foto - Reprodução/Site Belle and Sebastian)

Capa do álbum “Girls In Peacetime Want To Dance”. (Foto – Reprodução/Site Belle and Sebastian)

 

Garotas em tempo de paz querem dançar

 

No início deste ano o Belle and Sebastian lançou seu 9º álbum de inéditas, “Girls In Peacetime Want To Dance”, o primeiro desde “Write About Love” (2010). “Bem, na verdade fazia apenas dois anos que a banda não estava fazendo nada. Esse foi o período em que o Stuart estava fazendo seu filme ‘God Help the Girl’ e a maioria de nós tinha algum envolvimento com esse projeto, de alguma maneira. Logo, não sentimos esse período como uma grande parada, na verdade”, diz Chris.

O que aconteceu foi que após o lançamento de “Write About Love” a banda continuou em turnê até 2011. Depois disso Stuart Murdoch se dedicou ao seu filme, com a ajuda pontual dos membros do Belle and Sebastian. No início de 2013, com o término de “God Help the Girl”, o grupo voltou a fazer shows. “Na sequência começamos a trabalhar com as músicas novas, já na segunda metade daquele ano. Gravamos um álbum na primavera de 2014 e voltamos a tocar ao vivo desde o último verão”, complementa.

Esse hiato entre seus dois mais recentes álbuns também foi causado pela escolha da pessoa que iria produzir “Girls In Peacetime Want To Dance”. Até chegar ao produtor Ben Allen, a seleção foi minuciosa e o escolhido veio de encontro ao que a banda pensava para esse novo trabalho. “A única ‘pausa’ verdadeira foi no momento em que tentávamos encontrar o produtor certo. Talvez estivéssemos prontos para gravar o álbum antes do final de 2013 se tivéssemos nos decidido por algum produtor e se ele estivesse disponível para nos atender mais cedo. Mas tudo funcionou satisfatoriamente com o Ben Allen, então eu estou satisfeito por termos esperado”, explica Chris.

Em “Girls In Peacetime Want To Dance” a banda incorporou de forma bem evidente elementos do som Disco do final dos anos 1970 e do Synthpop do início da década de oitenta. “Eu acho que esse é um elemento que sempre esteve presente em nossa música, por exemplo, em uma canção como ‘Electronic Renaissance’. Só que aqueles sons estavam um pouco mais em evidência neste momento”, analisa Chris.

Na opinião do tecladista, a essência do rumo tomado pela banda em seu novo trabalho não difere muito do que eles fizeram até hoje. “Canções como ‘Today’ e ‘Ever Had a Little Faith’, que são duas das minhas favoritas no novo álbum, têm tanto de som dos anos 1960 como qualquer coisa que fizemos antes. E a música ‘Piggy in the Middle’ é talvez o mais próximo que tenha vindo do R&B, no sentido mais tradicional”, afirma.

Algumas músicas, porém, foram pensadas para terem essas influências de forma mais forte. “Já com as músicas do novo álbum que são mais eletrônicas e dançantes, como ‘The Party Line’, ‘Enter Sylvia Plath’ e ‘The Power of Three’, isso foi uma escolha deliberada, nós decidimos ir nessa direção”, diz. “Na faixa ‘Enter Sylvia Plath’ desde o início Stuart trouxe isso para a banda, ele sabia que queria esses tipos de sons. Eu já tinha recebido alguns dos meus velhos sintetizadores que estavam guardados e mandei consertá-los, porque eu tinha a sensação de que iria precisar deles”, complementa.

A participação do produtor Ben Allen também influenciou no resultado final de algumas canções. “Com a canção de Sarah (‘The Power of Three’), a música original foi feita no iPad dela e tinha um tipo de som meio Depeche Mode. O Ben Allen contribuiu muito na maneira como nós acabamos de gravá-la”, conta.

A participação dos integrantes do Belle and Sebastian em outros projetos também influenciou na aura Disco/Synthpop do novo álbum. “Bob, Stevie e eu também estávamos trabalhando em algumas músicas juntos, no estúdio do nosso amigo Tony Doogan. Esse trabalho era algo bastante semelhante e a produção foi condizente com as coisas que acabamos fazendo no álbum”, conta. “Stevie estava tocando em uma banda de covers de Disco Music também, e eu acho que ele fez questão de trazer algo daí para o grupo. E o Bob sempre imaginou ‘The Party Line’ como uma música dançante quando ele veio com a ideia inicial”, complementa Chris.

 

Ritmo de trabalho

 

Considerado pelos próprios membros do Belle and Sebastian como a linha mestra da banda, Stuart Murdoch tem Síndrome de Fadiga Crônica. A doença foi descoberta logo no início do grupo, nos anos 1990, e o músico luta contra ela desde então. Os sintomas são, entre outros, a falta de concentração e o cansaço excessivo e sem uma causa aparente.

Chris afirma que, mesmo com os cuidados necessários com seu vocalista, o trabalho da banda não é afetado de forma contundente. “Você realmente não pode olhar para isso desse modo. Stuart é a pessoa mais criativa na banda e decididamente nada pode acontecer sem ele. A banda não existiria, em primeiro lugar, se ele não tivesse tido condição, pois foi quando ele estava lutando com esse problema e então se recuperando, na metade dos anos 1990, que ele começou a escrever as canções que se tornariam nossos primeiros registros. E é também em grande parte o que lhe permitiu mergulhar no trabalho para manter as coisas acontecendo”, explica.

Avaliando os 20 anos que o grupo completará em 2016, Chris afirma que existem muitos fatores que implicam no trabalho de uma banda durante seu período em atividade. “Muitas coisas têm afetado o ritmo de trabalho da banda ao longo dos anos. No início foi o fato de que Isobel e eu éramos ainda estudantes e provavelmente não maduros o suficiente para lidar com a atenção que a banda poderia ter conseguido se tivéssemos feito mais”, explica.

A própria evolução da vida pessoal de cada integrante interfere no “casamento” que é ter uma banda. “Hoje em dia os membros da banda que têm família não podem deixar seus parceiros em casa com as crianças durante muito tempo. Mas apesar dos longos intervalos entre alguns dos álbuns mais recentes, nós ainda lançamos uma quantidade considerável de música através dos anos, se compararmos com muitos dos nossos colegas, eu diria”, complementa.

 

Tudo é Indie?

 

Os “tempos modernos” insistem em chamar de Indie qualquer banda que não esteja no mainstream. Nos anos 1980/90, o termo indicava que o artista pertencia a um grupo seleto e pequeno que não se vendia ao status quo dominante. Isso implicava em não pertencer a uma grande gravadora, não ser um dos “queridinhos” das estações de rádio, enfim, ser independente.

Hoje, se você montar uma banda, alguns minutos depois já aparecerá alguém te rotulando como Indie. Será isso uma evolução ou uma piada de mau gosto? “(Risos!). Esse é o tipo de coisa que nós discutimos o tempo todo! Quer seja o Indie um estilo de música ou signifique apenas estar em uma gravadora independente. Apesar disso, é engraçado. Na década de 1990 o ‘Indie’ era tão mainstream como nunca. O Oasis foi uma banda Indie e ela foi a maior banda do mundo por algum tempo. Nós gostamos de pensar em nós mesmos apenas como uma banda Pop, pelo menos alguns de nós. Mas é claro que nós não somos realmente, não da mesma maneira Pop que a Beyonce ou a Taylor Swift são”, analisa Chris.

Viver longe do mainstream e da loucura das gravadoras exigindo sempre discos que vendam mais teria feito bem ao Belle and Sebastian? “Não, isso significa somente que nós desperdiçamos tempo sentados em nossa sala discutindo sobre a definição de ‘Indie’. Falando sério, nós temos tido sorte por mantermos um bom relacionamento com todas as gravadoras com as quais nós já gravamos. Tanto elas quanto nós sempre desejamos um certo sucesso, uma vez que gastar dinheiro gravando discos em vez de fazê-los de uma maneira ‘Do It Yourself’ implica em certa pressão para que seja um investimento rentável. Caso contrário os membros da banda, que possuem famílias para sustentar, não seriam capazes de continuar fazendo isso”, afirma Chris.

A opção do grupo por manter a sua independência criativa, na visão de Chris, é um dos fatores que os mantêm juntos durante essas quase duas décadas. “Sempre fomos capazes de escolher muito bem o nosso próprio caminho e provavelmente não teria durado tanto tempo como dura até hoje se tivéssemos abraçado totalmente a indústria já no início da banda”, diz.

 

A admiração pela música Brasileira

 

Em suas entrevistas, os membros do Belle and Sebastian sempre disseram que admiram vários artistas brasileiros. O surpreendente é perceber o conhecimento que Chris tem sobre a história da música do Brasil. “Depois do Reino Unido e dos Estados Unidos, o Brasil é provavelmente o país que eu mais admiro, ‘musicalmente’ falando. As músicas que eu mais gosto, como as de quase qualquer outro lugar, são as dos anos 1960 e 1970. Tudo se alinhava perfeitamente naquela época: escrita, arranjos, produção, gravação, tecnologia, o lugar da música na vanguarda da cultura popular, etc.”, afirma.

Chris demonstra um carinho especial por Jorge Bem Jor, um dos artistas mais criativos e marcantes da MPB. “No que diz respeito aos artistas brasileiros eu poderia listar vários, mas eu não sei se pareceria muito óbvio para as pessoas daí. É como eu dizer que você gosta dos Beatles, James Brown ou Jimi Hendrix! Mas de qualquer maneira, eu adoro Jorge Ben – tenho todos os álbuns dele desde 1967 até 1976, eu acho. Ele tem uma carreira incrível! ‘A Tábua de Esmeralda’, especialmente, é o meu favorito, uma obra-prima”, diz.

Mas a lista não para por aí. Chris vai de nomes consagrados até os menos “midiáticos” que são pouco conhecidos mesmo entre o grande público brasileiro. “Milton Nascimento, Lô Borges, Marcos Valle, Os Novos Baianos, Tom Zé, Chico Buarque, Caetano, Gal Costa e Gilberto Gil, é claro, Joyce, Elis Regina, Elza Soares. Bossa nova, como Nara Leão e Tom Jobim. Tim Maia, especialmente os álbuns do Mundo Racional. Jazz, como o Tamba Trio, Som Três, João Donato, Wilson das Neves, vários álbuns de batucada e por aí vai. Eu adoro o álbum do grupo Os Brazões. Eles foram uma banda de apoio da Gal Costa no início da carreira dela. Eu poderia ouvi-lo todos os dias”, elogia.

A banda se apresenta no Brasil no dia 17 de outubro no Popload Festival, que acontecerá no Audio Club em São Paulo. Será a terceira vez que os escoceses desembarcarão em terras brasileiras. “Nós adoramos nos apresentar no Brasil. O público foi incrível nas duas vezes em que estivemos aí. Os fãs sabem todas as letras das músicas e cantam mais alto do que em qualquer outro lugar. Isso nos faz sentir como pop stars”, finaliza Chris.