Texto: Marcos Anubis
Fotos: Estela Zardo e Pri Oliveira

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Para a banda curitibana Division Hell, o lançamento do álbum “Carpe Mortem”, que aconteceu no dia 28 de setembro e é o terceiro trabalho de estúdio do grupo, vai muito além da parte artística. Afinal, antes de chegar a esse momento, o quarteto teve que superar inúmeros obstáculos nos últimos anos e essas turbulências quase acabaram com o grupo.

O Division Hell nasceu em 2010, após o fim do Legion of Hate, um dos grupos mais importantes do Death Metal curitibano. A formação inicial tinha Ubour Tatara (guitarra e vocal), Renato Rieche (guitarra solo), Gino Gaier (baixo) e Eduardo Oliver (bateria).

Nesse período, a banda lançou o primeiro trabalho, o EP “Apokaliptika” (2011). Porém, a partir de 2012, a banda começou a enfrentar mudanças na formação. O primeiro a sair foi o baixista Gino Gaier, que foi substituído por Hernan Rodrigues (que fez parte do lendário Infernal e, atualmente, toca no Ethel Hunter e no Giant Gutter From Outer Space).

Com essa formação, o grupo lançou “Bleeding Hate” (2016), o primeiro full length do Division Hell. Pouco depois, ainda em 2016, Hernan também se retirou e foi substituído por Felipe Franco. No ano seguinte, foi a vez do baterista Eduardo Oliver deixar a banda, seguido pelo baixista Felipe Franco.

A partir daí, o Division Hell ficou resumido a Ubour e Rieche e a banda quase encerrou as atividades. A reviravolta veio no fim de 2017, quando Ubour compôs a música “I am death”. Ao ouvir a canção, Renato decidiu conversar com Hugo para ver se ainda existia a vontade de prosseguir com o trabalho. Ao perceberem que a fagulha criativa da dupla ainda estava ali, os dois resolveram reformular a banda novamente.

Na prática, ironicamente, “I am death” (eu sou a Morte) acabou fazendo com que o Division Hell renascesse das cinzas. “Enfrentamos dificuldades que poucos sabem, não somente em relação aos integrantes que saíram, mas também pela distância entre eu e o Hugo nesse tempo todo (na época, Renato estava morando em Florianópolis e, atualmente, reside em Matinhos, no litoral do Paraná)”, diz Rieche.

Nesse período, as mudanças de formação e as dificuldades que afligem as bandas curitibanas, principalmente em um segmento tão extremo quanto o Death Metal, começaram a cobrar um preço. “Passamos por muitos momentos de dúvidas e angústias, principalmente no período no qual só eu e o Hugo ficamos no grupo. Foi bem complicado manter a banda, pois nem celular eu tinha, e me afastei de todas as redes sociais. Parece simples, mas olhando para trás, foi um período bastante sombrio para nós. A entrada do Johnny foi muito importante, pois foi um cara que vestiu a camisa e passou um pouco desse período conosco e aguentou firme também, nos dando força e apoio”, complementa o guitarrista.

A mais recente baixa no Division Hell aconteceu em meio às gravações de “Carpe Mortem”. Durante o processo, o grupo resolveu convidar o baterista gaúcho Rubens Potrich para fazer parte da banda. O problema é que Rubens mora em uma cidade próxima a Bento Gonçalves, no interior do Rio Grande do Sul, o que complicaria a logística de ensaios e apresentações.

Daí veio a decisão de gravar o CD com uma bateria criada virtualmente. “O álbum teve que ser gravado com bateria programada, pois não teríamos tempo de finalizar se não fosse dessa maneira.O Rubens veio pra Curitiba para ensaiar e gravar o clip da ‘The 9 circles’ e queríamos que ele ficasse conosco. Porém, analisando a distância e os gastos, vimos que não seria viável. Foi outro baque!”, explica Renato.

Após a gravação do álbum, o grupo anunciou a entrada do baterista Caio Murillo (ex-Exylle e Death Smoke). “Com muita sorte, achamos o Caio que é um monstro e pegou todas as músicas com muita vontade e facilidade. Estamos realmente felizes em estar com ele e fechamos um time mágico. O universo às vezes prega umas peças (risos), mas dessa vez ele conspirou para o nosso bem. Hoje, temos o Johnny e o Caio, que são dois monstros, e nos sentimos muito seguros com eles no palco”, complementa o guitarrista.

Por causa de todas essas situações que foram superadas, o lançamento de “Carpe Mortem” acabou se tornando uma grande vitória. “Tivemos a saída do Carlos, baterista fundador da banda, ficamos sem baixista por quase dois anos, superamos uma crise interna que quase culminou no fim da banda, mas seguramos as pontas e hoje estamos com CD novo, turnê e formação nova! É surreal que estejamos nesse ponto quando olhamos um pouco para trás. Ver tudo isso se tornando realidade realmente dá muito orgulho!”, diz Hugo.

A formação atual do Division Hell Tem Hugo Tatara (vocal e guitarra), Renato Rieche (guitarra solo), Johnny Benson (baixo) e Caio Murillo (bateria).

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Aproveite a Morte

As nove faixas de “Carpe Mortem” começaram a ser produzidas em dezembro de 2017, logo após a saída do baterista Carlos Oliver. A gravação foi realizada no Fund’s House Studio, com produção de Alysson Irala (guitarrista do Motorbastards e do Sad Theory). “Sabíamos que enfrentaríamos uma batalha para que o álbum ganhasse vida, mas fomos em frente. Como não tínhamos baterista na época, resolvemos gravar com bateria eletrônica e para isso escolhemos o Fund’s House, que já fazia esse tipo de trampo. Foram 20 meses entre composições, gravações, mix e master. Foi um processo longo e as vezes achávamos que não ia dar em nada, pois em muitos momentos eu estava sozinho em Curitiba. No fim, o álbum ficou muito bom!”, diz Hugo.

Em “Carpe Mortem”, o Division Hell também teve a preocupação de trabalhar liricamente as músicas. Inicialmente, o álbum seria conceitual, baseado na personificação da Morte, mas essa ideia se modificou um pouco durante o processo de gravação. “É um tema bem vasto e comum a todos os seres vivos do planeta. A morte é o nosso sentido de urgência em fazer as coisas, é aquele tic- tac que fica na nossa cabeça e que deveria ser um aviso para curtirmos a vida como se não houvesse amanhã, pois ele pode realmente não haver. Acabou não rolando um álbum conceitual, pois entraram outras temáticas líricas. Mas 80% das letras tem como base o tema ‘Morte’. Em algumas letras, como a ‘Murder the mankind” e a “Human guilt’, eu quis passar de uma forma poética a visão da própria morte sobre os seres humanos. A ‘I am death’ também é a forma humana da Morte se apresentando”, explica Hugo.

Duas faixas do álbum, “I am death” e “The 9 circles”, ganharam clipes muito bem produzidos. A banda  também lançou um lyric vídeo para “Rise against”.

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Levante-se contra!

Um dos grandes exemplos dessa preocupação com o texto das canções é a música “Rise against”, que une o peso do Death Metal à contestação social que sempre fez parte do estilo, mas que vem sendo renegada mundialmente nos últimos anos. “Essa letra representa o inconsciente coletivo da minoria. Vivemos um período absurdo no qual as teorias da conspiração e o moralismo opressivo estão tomando conta das mentes e dos corações das pessoas. Tempos nos quais os frustrados do passado hoje elegem alguém igual ao Bolsonaro, pois podem se tornar influentes politicamente por meio da internet”, opina Renato.

Nesse contexto, a música acaba sendo, como sempre foi, uma forma de manifestação contra o status quo que predomina no momento. “Existe todo um exército virtual pronto para destruir quem pensa diferente. Pessoas que ganharam palco por meio do grito, de ameaças veladas e de um falso moralismo religioso. Essas pessoas foram usadas como massa de manobra para eleger um falso herói com ideias bastante contraditórias. Foi um trabalho tão bem feito de cima para baixo, por meio de fake news, batendo dia após dia na tecla de criminalizar a esquerda e governos anteriores, que esse é o único fio no qual ele se agarra e se blinda”, continua o guitarrista.

Indo na contramão da história atual, o Division Hell mantém um dos princípios mais básicos do Rock’nroll, principalmente em estilos extremos como o Heavy Metal: contestar os que se acham poderosos. “A partir do momento em que uma vereadora é assassinada e fica no ar uma impressão de que ela ‘deveria morrer’ por não pensar exatamente como a direita quer, ou pior, ficar fazendo falsas especulações em vez de se solidarizar, é sinal de que alguma coisa esta bastante errada. Esta letra de ‘Rise against’ é a representação de um grito reprimido pela opressão. É a voz da minoria que não quer se curvar. Eu poderia falar muito mais, mas acredito que alguns minutos desse som expressam algo melhor do que eu conseguiria dizer somente com palavras”, complementa o Rieche.

Outro destaque do álbum é “Umbral”, uma canção instrumental que consegue retratar todo o peso e a técnica do Division Hell. “Essa música realmente ficou muito linda, é uma de minhas preferidas! Eu sempre quis compor uma instrumental para o Division Hell e acabou rolando para este disco. É uma música bem introspectiva e pesada, refletindo o clima que estávamos passando na banda. O resultado final ficou animal e não poderíamos deixá-la de fora do disco. Ainda contamos com a participação do Alysson Irala (produtor do álbum) no solo de guitarra desta música. Ficou incrível!”, diz Hugo.

Musicalmente, “Carpe Mortem” também significa uma evolução no trabalho do Division Hell. “Quando lançamos o ‘Apokaliptka’, nós estávamos buscando uma identidade e ela começou a se formar com o ‘Bleeding Hate’. O novo álbum é o que vamos fazer daqui pra frente. Existem muitas novas influências por aí e estamos absorvendo aos poucos”, diz Renato.

Em “Carpe Mortem”, apesar dos inúmeros percalços, o Division Hell acredita que encontrou um caminho a ser seguido. “Todo álbum tem seus desafios, alegrias e tristezas, com muito trabalho e suor. Pessoalmente, acho que atingimos um grau de satisfação e de comunicação muito bacanas com o ‘Carpe Mortem’ e já estamos pensando em coisas novas baseadas nesse álbum, seguindo o mesmo ritmo e climas. Eu estou sempre pensando em melhorar”, complementa o guitarrista.

Logo após o lançamento de “Carpe Mortem”, o Division Hell já iniciou uma tour pelo estado de São Paulo que passou pelas cidades de Diadema, Santos e Várzea Paulista. “Turnês são a base para qualquer banda que queira expandir e levar o som ao máximo de pessoas possível. Foram momentos incríveis! As turnês também criam um vínculo que fica muito mais forte e a ideia é fazer tour sempre daqui pra frente, expandir e levar nosso som e fortalecer nossos vínculos internos o melhor que pudermos. E vou te dizer: foi sensacional fazer esses shows ao lado desses caras!”, diz Renato.

O lançamento de “Carpe Mortem” e a estreia da nova formação do Division Hell em Curitiba acontece no dia 10 de novembro (sábado) no Blood Rock Bar, ao lado das bandas Thou Shall Not, Murdeath, Death Chaos, Hot Foxxy, Arsenal e Magnum 44.

Os ingressos custam R$ 10 e os shows começam às 17h. O Blood Rock Bar fica na Rua Pres. Carlos Cavalcanti, 1212, no Centro. Ouça o álbum “Carpe Mortem” e assista aos clipes das músicas “I am death” e “The 9 circles”, além do lyric vídeo da canção “Rise against”.