Texto: Marcos Anubis
Revisão: Pri Oliveira
Fotos: Divulgação

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A década de 1990 foi um período extremamente criativo no rock brasileiro. Ali nasceram várias bandas que uniam dois atributos nem sempre encontrados com facilidade: música e atitude.

Agora, parte dessa geração que não se vendeu às tentações das grandes gravadoras acaba de ser retratada em um documentário. “Time Will Burn – O rock underground brasileiro do começo dos anos 90” será exibido em Curitiba na próxima sexta-feira (18). O evento acontecerá na Sala Multiartes do Sesi.

A capital paranaense, aliás, teve uma participação muito importante na construção daquele cenário único dentro da história da música brasileira.

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Pin Ups, banda que é o fio condutor do documentário

Cinco anos de fúria

O documentário foi dirigido pelos produtores Marko Panayotis (ex-diretor dos programas Jornal da MTV e Yo! MTV) e Otavio Sousa (que também trabalhou na emissora e é o diretor dos documentários “Supercarioca – 25 anos” da banda Picassos Falsos e “Agridoce – 20 Passos” da cantora Pitty).

Na época abordada pelo documentário, ambos eram adolescentes, mas já começavam a descobrir o cenário musical brasileiro. “Somos um pouco mais novos do que a geração retratada no filme. Mas o Grunge, por exemplo, já era uma influência muito grande. Aqui no Brasil, ouvíamos as bandas que a MTV mostrava, que as rádios rock tocavam e que algumas revistas e zines divulgavam”, conta Marko.

“Time Will Burn – O rock underground brasileiro do começo dos anos 90” retrata o período vivido pelo rock nacional underground entre 1990 e 1994. Ele nasceu justamente da urgência em contar essas histórias para que elas não se perdessem no tempo. “A ideia surgiu depois de assistir ao documentário norte-americano ‘Hype’ e de fazer uma analogia com o que rolou no Brasil na mesma época. Foi aí que caiu a minha ficha de que o Brasil também teve uma cena underground muito importante no começo dos anos 1990 e que jamais foi registrada em um documentário. E também que, com o tempo, ela poderia ser esquecida pra sempre”, explica Marko.

O nome faz referência ao primeiro álbum da banda paulista Pin Ups, lançado em 1990. “Na minha cabeça, e na de muita gente, o Pin Ups era a banda fundamental dessa cena. O disco ‘Time Will Burn’ foi o início de tudo. Como o nome significa ‘O tempo vai queimar’, a ideia de batizar o documentário assim foi imediata. Achar o nome foi a parte mais fácil do filme”, diz.

O disco e o trio paulista eram fortemente influenciados pelo grupo escocês Jesus & Mary Chain e por outros nomes da Guitar/Noise da época, como o My Bloody Valentine e o Sonic Youth. O Pin Ups também foi usado como uma espécie de fio condutor do documentário, mas o filme não se resume somente a ele.

A ideia foi retratar aquele cenário costurando a história por meio de quatro bandas: Pin Ups, Second Come, Killing Chainsaw e Mickey Junkies. “Existiam muitos grupos importantes, claro, mas focamos nessas pelo pioneirismo, importância e influência que exerceram sobre todas as outras que existiam no mesmo período”, explica.

Depois desse primeiro passo, Marko e Otavio começaram a definir os personagens que seriam entrevistados. O doc traz figuras importantíssimas na cena da época, como os ex-VJs da MTV Fabio Massari (Lado B) e Gastão Moreira (Fúria Metal). “Pensamos em jornalistas e personagens que foram importantes. Mais uma vez, poderíamos entrevistar algumas dezenas de pessoas a mais, só que aí esse filme não estaria pronto até agora para exibi-lo em Curitiba (risos)”, explica.

O filme levou quatro anos para ser finalizado. E, como foi produzido também de forma underground, os diretores precisaram definir um caminho mais enxuto para o roteiro de gravações. “As restrições de orçamento também fizeram com que restringíssemos um pouco os personagens para a nossa localidade (São Paulo). Algumas entrevistas em outras cidades e estados foram feitas aproveitando viagens que já teríamos que fazer para esses locais por algum outro motivo”, conta. “Realmente não havia orçamento para viajar pelo país todo. Para fechar essa lista, algumas pessoas importantes no filme, como o Zé Antônio (guitarrista do Pin Ups), nos indicaram nomes que ‘teríamos que entrevistar’. Foi mais ou menos assim”, complementa.

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O “reverendo” Fábio Massari

Curitiba, a “Seatlle brasileira”

A conexão entre a cena retratada no documentário e a capital paranaense é muito forte. Curitiba também viveu uma efervescência cultural gigantesca no início dos anos 1990. Inúmeras bandas de vários estilos, como o C.M.U. Down, Woyzeck, Boi Mamão e Resist Control despontaram e se tornaram conhecidas dentro do circuito underground nacional.

Curitiba chegou a ser chamada de “Seattle brasileira” pelo então VJ da MTV, Fábio Massari. Um dos grandes incentivadores dessa cena (e que se mantém ativo até hoje) é o músico e produtor cultural J.R. Ferreira, do Espaço Cultural 92 Graus. J.R. criou festivais como o B.I.G. (Bandas Independentes de Garagem), que serviram de inspiração para o Juntatribo, de Campinas, que é retratado no documentário.

Todo o contexto daquela época permitiu até que o maior veículo de comunicação curitibano, o jornal Gazeta do Povo, abrisse um grande espaço para a música autoral da cidade. Comandado pelo jornalista Abonico Smith, o Caderno Fun (suplemento de cultura do jornal) apresentou inúmeras bandas a um público que, normalmente, não teria acesso a elas.

Aquela cena que se formou na cidade é considerada, até hoje, um momento único na história da música curitibana. “As bandas citam o 92 Graus como um lugar muito importante em Curitiba. Eu lembro bem da cena ‘Guitar’ curitibana e tenho até algumas coletâneas da época, mas não nos aprofundamos muito nas cenas específicas das cidades”, explica.

O foco do documentário aborda um contexto mais universal, mas Marko espera que ele sirva de inspiração para outras produções. “Procuramos fazer um recorte mais geral do que rolou no país, tendo como base as bandas que eu citei antes e o festival Juntatribo. Por isso, eu espero que esse documentário também inspire as pessoas a fazer seus filmes também sobre as cenas locais. Nas cidades em que passamos é impressionante a quantidade de bandas, festas e histórias marcantes do começo dos anos 1990. Existe material para muitos outros documentários surgirem por aí”, opina.

A realidade é que, apesar de estarmos na chamada “era da informação”, pouca gente conhece o que foi esse período tão importante no Rock nacional. Dessa forma, resgatar um pouco do que aconteceu naquele eletrizante fim de século é, certamente, o maior prêmio para os diretores do documentário. “É um motivo de orgulho e de muita felicidade, principalmente pela homenagem que estamos prestando a essas bandas. O filme foi um projeto ‘do it yourself’, feito sem qualquer patrocínio privado ou verba pública. Então, ver a comoção que ele tem causado nas pessoas nos deixa muito felizes. Mas o maior orgulho que temos é o de sentir que essas bandas e todo mundo que se engajou tanto pelo rock independente naquela época, finalmente estão recebendo uma merecida homenagem”, finaliza Marko.

Inicialmente, “Time Will Burn – O rock underground brasileiro do começo dos anos 90” será exibido em festivais e sessões gratuitas em cinemas e bares. A partir do segundo semestre de 2017, ele deve começar a ser comercializado nas plataformas digitais.

A exibição em Curitiba acontece na próxima sexta-feira (18) na Sala Multiartes do Centro Cultural Sistema Fiep. O local fica na Av. Cândido de Abreu, 200, no Centro Cívico. A entrada é franca. Confira o trailer do documentário e ouça o álbum “Time Will Burn” , do Pin Ups.