Texto: Marcos Anubis
Revisão: Pri Oliveira
Fotos: Guns N' Roses - Katarina Benzova / Plebe Rude - Marcos Anubis

A abertura foi da Plebe Rude, um dos grandes nomes do Punk brasileiro



Durante 19 anos atuando praticamente em uma “carreira solo” (tocando com o nome Guns N’ Roses, mas acompanhado por outros músicos), Axl Rose parecia um peixe fora d’água.

Afinal, uma banda que constrói uma carreira sólida e cheia de sucessos fica marcada pela contribuição que cada integrante original tem a oferecer. Assim, carregar sozinho um nome tão importante, sem as outras engrenagens dessa máquina, não soava como uma atitude correta.

E a impressão era a de que Axl sempre soube disso. Agora, resolvidas ou amenizadas as diferenças entre ele e seus antigos comparsas, Slash e Duff McKagan, a diferença no astral e no som do Guns é abissal.

Na esteira dessa “nova fase”, o grupo se apresentou nessa quinta-feira (17) na Pedreira Paulo Leminski, em Curitiba, e reviveu seus grandes momentos.

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35 anos de coerência

Perto das 19h, a Plebe Rude entrou no palco para abrir a noite. O grupo iniciou o show com “Sua história”, faixa de seu mais recente álbum, “Nação Daltônica” (2014). “Brasília”, do clássico álbum de estreia da banda, “O Concreto já Rachou” (1985), veio em seguida.

Ver um show da Plebe Rude é uma experiência única e mais do que necessária no momento atual do país. Afinal, letras inteligentes, que fazem o ouvinte pensar, são raríssimas hoje em dia. E isso a Plebe tem desse o seu início.

Um belo exemplo dessa postura crítica é “Anos de luta”, que soou na Pedreira Paulo Leminski como uma aula de história do Brasil. “Por onde vocês estiveram nesses anos de luta? Podem sair, porque é só entretenimento no final. É pedir demais, me diga, coerência da própria geração? Mas se você não vê a diferença, é daltônico como o resto da nação”, diz a letra.

Diferente da maioria das bandas e artistas de sua geração, que hoje dançam conforme a música do momento, a Plebe sempre teve o mesmo discurso e a mesma acidez na sua maneira de ver os problemas do país.

Philippe Seabra (guitarra e vocal), Clemente (guitarra e vocal), André X (baixo) e Marcelo Capucci (bateria) não fazem música para as rádios ou para o mainstream. O contexto da história da Plebe vai muito além disso.

Para Philippe, voltar à Pedreira Paulo Leminski quase 30 depois foi uma experiência marcante. “Como inauguramos a Pedreira Paulo Leminski em 1988, em um festival justamente com Os Inocentes, foi muito bacana voltar ao local ‘do crime’ com uma estrutura daquele porte e com o Clemente na banda”, diz.

Na realidade, Plebe Rude e Guns N’ Roses são duas bandas contemporâneas. Ambas despontaram na metade da década de 1980 e guardam algumas similaridades entre si. “Guns e Plebe lançaram seus primeiros discos com a diferença de um ano e, guardadas as devidas proporções, é claro, causaram certo rebuliço nos seus respectivos países”, diz Philippe. Musicalmente, enquanto o Guns apostava no Hard Rock, a Plebe fazia do Punk e das letras engajadas a sua grande força. É assim até hoje.

Mesmo com essas disparidades, realmente os discos de estreia das duas bandas, “Appetite for Destruction” (1987) do Guns e “O Concreto já Rachou” (1985) da Plebe Rude, trazem alguns elementos em comum. “Apesar dos estilos serem bem diferentes, creio que algumas influências são as mesmas, ainda mais com a pegada mais Punk do Duff no baixo. Tem uma urgência e sujeira em ambos os discos, no mesmo clima”, complementa.

Com tanto tempo de estrada, a banda não se intimidou com a responsabilidade de abrir um show de uma grande atração internacional. Aliás, essa foi a segunda vez que a Plebe foi convidada para abrir shows do Guns N’ Roses no Brasil. “O show foi ótimo e deu para mostrar um apanhado da carreira da banda para muita gente que não conhecia a Plebe. Tocamos em cinco shows com eles nessa turnê e duas na turnê passada, então, sempre é bom mostrar o som lúcido e contundente da Plebe para uma plateia nova. Plateia essa que respondeu muito bem, apesar da vontade de ver o Slash com o Axl o mais breve possível”, finaliza Philippe.

“Proteção” e “Até quando esperar” encerraram a apresentação. As duas canções, que praticamente se complementam, foram cantadas a plenos pulmões pelos fãs que vivenciaram as últimas décadas do país. “Se você não vê a diferença, é daltônico como o resto da nação”. A Plebe deu o seu recado. Bem-aventurados sejam aqueles que conseguiram entender.

Confira a música “Até quando esperar”, um dos maiores sucessos da Plebe Rude, gravado ao vivo na Pedreira Paulo Leminski.





Bem-vindo à selva

Com a Pedreira Paulo Leminski completamente lotada, o início do show do Guns N’ Roses, que estava marcado para as 20h, começou pouco depois das 20h30. Depois da execução de uma vinheta com os temas do desenho Looney Tunes e do filme “The Equalizer”, as clássicas “It’s so easy” e “Mr. Brownstone” abriram a apresentação.

A surpresa aconteceu na sequência, quando o grupo tocou “Chinese democracy”. A canção dá nome ao último álbum do Guns, lançado em 2008 após inúmeros adiamentos. O que chama a atenção é que o CD foi praticamente concebido apenas por Axl.

Por esse motivo, o fato de Slash e Duff terem aceitado incluir essa música no setlist da “Not In This Lifetime Latin America Tour” acabou sendo uma demonstração de humildade. Afinal, ela faz parte de uma fase da banda que não teve a presença deles. Talvez, essa atitude seja um prenúncio de que a reunião ainda possa render mais frutos. Outra faixa do álbum “Chinese Democracy”, “This I love”, também fez parte do setlist.

Além do trio Axl, Slash e Duff, Melissa Reese (teclado), Dizzy Reed (teclado e piano), Richard Fortus (guitarra) e Frank Ferrer (bateria) completaram a formação do grupo.

Para os curitibanos, ver ao vivo os integrantes do Guns reunidos novamente após 19 anos de separação foi um momento único para os fãs. “Como foi a primeira vez que eu vi os três no mesmo palco, foi muito especial! Sempre tive a esperança de ver isso um dia, mas as circunstâncias mostravam o contrário e, quando isso se confirmou, eu fiquei sem ação!”, disse a professora de inglês Luciane Marchi, fã da banda desde 1989.

A sequência do show teve, entre outras músicas, “Welcome to the jungle”, “Estranged” e a belíssima versão para “Live an let die” do Wings, ex-banda de Paul McCartney. O repertório incluiu canções de todas as fases do Guns, dos grandes clássicos até músicas mais obscuras. “Eu gostei muito! Como eu sou fã há quase 30 anos, prefiro as músicas mais antigas, aquelas que eu ouvia quase todos os dias em vinil. Mas também gosto das faixas do ‘Chinese Democracy’ que têm sido tocadas”, disse Luciane.



Clássicos “arrasa quarteirão”

Durante o show, foram raros os momentos em que Axl se comunicou com o público. Mas ele manteve a sua famosa “dancinha”, as corridas de um lado ao outro do palco e a clássica mania de jogar o pedestal do microfone no chão.

Após “You could be mine”, tema do filme “O Exterminador do Futuro 2”, Axl saiu do palco e deixou todas atenções para Duff. O baixista cantou uma versão para “New rose” do The Damned, com uma pequena introdução de “You can’t put your arms around a memory”, canção de Johnny Thunders gravada pelo Guns no álbum “The Spaghetti Incident?” (1993).

“Civil war”, que tem um dos riffs mais criativos criados por Slash, também foi bastante aplaudida. Mas o grande momento de catarse da noite viria a seguir, quando Slash começou a tocar “Speak softly”, tema do filme “O Poderoso Chefão”.

Em seguida, quando começaram a soar as primeiras notas do riff icônico de “Sweet child o’ mine”, tanto os fãs adolescentes quanto os mais veteranos, que acompanham a banda desde o seu início, foram às lágrimas. Foi com essa canção do álbum “Appetite for Destruction” (1987), que o Guns conquistou definitivamente o mundo no final da década de 1980.

Depois, quando a banda já estava começando a tocar “Yesterdays”, Axl pediu para que parassem e cantassem parabéns para o guitarrista Richard Fortus, que estava completando 50 anos de idade nessa quinta-feira.

Outro momento emocionante foi quando um piano foi alçado, vindo de baixo do palco. Nele, Axl tocou o final de “Layla”, clássico de Eric Clapton. Depois da introdução, olhando fixamente para a plateia, o vocalista deu início a “November rain”, outra música que foi cantada por todo o público.

Em seguida, veio a versão do Guns para “Knockin’ on heavens door” do Prêmio Nobel de Literatura, Bob Dylan. Antes de “Nightrain”, três buzinas colocadas em frente ao palco soaram para anunciar a música.

O final teve uma versão para “The seeker” do The Who e “Paradise city”, que encerrou a apresentação. Na saída do palco, Axl jogou o microfone que usou durante todo o show para o público. Alguns minutos depois o grupo voltou para, mais uma vez, despedir-se e agradecer a recepção que tiveram na Pedreira Paulo Leminski lotada.



A volta por cima

Após o fim do Guns “original”, Axl Rose teve muitos problemas para manter a sua voz no mesmo nível que tinha na época em que a banda estava no auge. Drogas, álcool e, certamente, a decepção pelo afastamento de seus antigos companheiros, o afetaram de forma muito forte.

O ápice desse caminho descendente aconteceu no Rock in Rio de 2001. Naquela ocasião, ele estava visivelmente acima do peso e cantando de forma ofegante. No palco da Cidade do Rock, com lágrimas nos olhos, Axl chamou a sua empresária brasileira e pediu que ela traduzisse o que ele queria falar. Sua pergunta para o público foi direta: “vocês estão decepcionados?”. Os fãs entenderam a situação e aplaudiram, fazendo com que o vocalista se emocionasse ainda mais.

Agora, em 2016, nesse retorno que poucos acreditavam que poderia acontecer, Axl parece ter se revigorado. E, nitidamente, a grande diferença para essa mudança de ares estava ao lado do vocalista no palco da Pedreira Paulo Leminski.

A volta de Slash e Duff acrescentou o que faltava ao “novo” Guns: ser uma banda. Ao vivo, o resultado não poderia ter sido melhor, pois a química entre o trio continua a mesma. “O show deixou os fãs da banda empolgados. A retomada da formação original parece ter resgatado a alma da banda. Não lembrou em nada a última passagem do Guns por aqui, quando o Axl mal aguentava cantar”, disse o jornalista Wellington Mengatto, fã da banda desde 1998.



Uma espécie em extinção

Quando você pensa em Rock’n’roll, a primeira coisa que vem à cabeça é o som de uma guitarra. Ao longo da história, músicos como Jimi Hendrix, Eric Clapton, Jimmy Page e Pete Townshend sempre foram ícones que se sobressaíam em suas bandas.

Slash é um dos últimos remanescentes dessa linhagem. O “grande guitarrista”, aquele cara que faz com que um fã vá a um show ou compre os discos de uma banda, está cada vez mais difícil de encontrar.

Ao vivo, a presença de Slash é muito forte e isso se deve à sua musicalidade. Ele não é o tipo de músico que faz caras e bocas desnecessárias. Cada solo ou riff é tocado de forma quase introspectiva, com sentimento e paixão.

Duff também é uma peça importante na engrenagem do Guns. Mesmo sem aparecer muito, ele demonstra ser um grande baixista, pois sabe imprimir peso em riffs mais rápidos e também melodia em canções mais tranquilas. Duff é a veia Punk no som do Guns.

A volta de Slash e Duff ao Guns reacendeu uma velha chama. no mundo da música a realidade mostra que, se boas músicas resistem ao tempo, da mesma forma, uma boa formação sempre renderá frutos.

O que os fãs esperam é que a paz entre Axl, Slash e Duff dure o bastante para render um novo álbum de inéditas. Isso coroaria de uma forma definitiva a volta de uma das bandas mais importantes da história do Rock.

Confira um dos grandes momentos do show do Guns, o clássico “Welcome to the jungle”, gravado ao vivo na Pedreira Paulo Leminski.

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