Texto: Marcos Anubis
Revisão: Pri Oliveira
Fotos: Nay Klym

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“Creio que os artistas em geral precisam abordar temas que são tabus ou não muito convencionais. Isso é uma função da arte.” A afirmação da cantora, instrumentista e compositora curitibana Johaine fica bem explícita na trajetória que ela vem construindo desde 2013.

No clipe da música “Compulsão”, por exemplo, que acaba de ser lançado, a jovem artista curitibana mergulha fundo nessa ideia artística. A produção do clipe foi 100% feminina, uma abordagem que talvez seja a mais forte característica do trabalho da artista curitibana: tratar de temas que têm a ver com o universo da mulher e destacar a importância de tocar nesses assuntos em uma sociedade tão cheia de tabus. “Sendo mulher, eu já presenciei e vivenciei situações complicadas no mundo artístico e musical. A mais comum de todas é ter que ouvir a fatídica frase ‘mas você sabe o que está fazendo’?”, explica Johaine.

Em pleno século XXI, saber que algumas pessoas ainda têm esse tipo de pensamento realmente mostra o quanto é necessário que as artistas encarem esses preconceitos de forma bem direta. “Eu sei, e todas as 25 mulheres que participaram da produção do clipe também sabem. Por isso, quisemos mostrar que além da música, o mercado audivisual também pode ser liderado e executado por mulheres. Posso dizer que foi o set mais competente, organizado e silencioso no qual já trabalhei. Foi uma experiência fantástica liderada pela diretora Melissa Sharon, da Movieom, que me deu a oportunidade de participar desse projeto”, complementa.

No roteiro do clipe, desenvolvido por Bianca Moraes Leal, Johaine procura retratar ludicamente a compulsão que toma conta do ser humano em situações específicas. “A figura da aranha representa a compulsão, e o banheiro é onde esse ‘vício’ é sustentado. A escolha do cenário foi proposital por dois motivos: tive a primeira ideia dessa música dentro do banheiro (risos) e também por ser um local muito comum de solidão e introspecção do ser humano”, conta.

Partindo dessa ideia inicial, o enredo do vídeo revela um pouco da intimidade de Johaine. “O clipe deixa nítido que a compulsão é algo que eu quero ter, pois ao mesmo tempo me faz mal e me faz bem. Quem nunca se sentiu assim? O vício não é relacionado a drogas, remédios ou substâncias, mas a relacionamentos, medos e traumas. A aranha é uma grande fobia minha, talvez a maior. As picadas dela entram como metáforas às picadas da seringa. A cor vermelha nas cenas finais denota o momento do clímax e a overdose do vício, sendo que no final há o relaxamento e a conclusão. Cabe ao espectador colocar a própria visão sobre a aranha e como ele enxerga as próprias compulsões”, complementa.

O clipe de “Compulsão” termina com uma cena de uma porta sendo fechada em frente a uma banheira. A imagem, mesmo que inconscientemente, remete ao clipe de “When doves cry”, do cantor, músico e compositor norte-americano Prince.

Apesar da coincidência, Johaine explica que a citação não foi proposital. “Sabe que eu nunca tinha notado a semelhança? Na verdade, a ideia da porta no início e no final do vídeo foi para situar o espectador como um observador da história. Então, eu abro as portas do meu mundo particular para que ele possa presenciar a narrativa de dentro dela. Prince é uma influência incontestável, não conheço um artista que não tenha sido influenciado pela genialidade dele. Ele tinha uma visão além do comum não somente musical, mas também visual e teatral”, diz.

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Mudança de ares?

Musicalmente, “Compulsão” tem um ar mais “Pop” em comparação com “Volúpia” e “Inferno particular”, por exemplo, duas canções que foram recentemente lançadas por Johaine e que possuem uma pegada bem mais pesada.

Porém, apesar de absorver novas influências, ela afirma que não está buscando outro rumo na carreira. “Mudanças são essenciais para mim dentro do âmbito musical. Eu não colocaria como uma mudança de rumo, mas sim um aprendizado e novas referências presentes hoje em dia. Ultimamente, tenho ouvido muito Pop, Indie, Hip Hop e músicas alternativas”, explica.

A ideia, ao buscar várias influências, é justamente não se prender a um estilo musical específico. “Não consigo rotular meu estilo dentro de algo. É claro que a pegada e a alma do Rock nunca vão deixar de existir nas minhas composições, mas o próprio Rock’n’roll evoluiu. Tudo é uma questão de costume. Estamos em 2019 e temos uma estética musical presente nessa era. O incrível de se fazer música é experimentar novos lugares, texturas e estilos sem medo de ser feliz. E, pra quem quiser conferir a ‘Compulsão’ ao vivo, eu posso dizer que ela é Rock’n’roll pra caramba”, complementa.

Além do recém-lançado “Compulsão”, a videografia de Johaine ainda conta com os vídeos “Volúpia”, “Inferno particular”, Confissão” e “Ruptura”, o que mostra que a comunicação visual é uma parte importante no trabalho da curitibana. “Eu sempre acreditei que música e vídeo se complementam. Fui uma adolescente que assistia incansavelmente ao Disk MTV, com meus CDs na mão, torcendo para ver os meus artistas preferidos no top 10 da TV (o YouTube ainda não existia). Queria entender qual era a visão do próprio artista sobre a música que ele fazia e isso o videoclipe me trazia. Assim eu me sentia mais conectada com a mensagem. Acho que não existe nenhuma arte que caminhe sozinha. A música está ligada ao cinema, que está ligado à moda, que está ligada à fotografia, ao teatro, à pintura e assim por diante”, analisa.

A trajetória

Johaine começou a aprender guitarra e violão aos 12 anos de idade e, três anos depois, passou a frequentar aulas de canto, hábito que ela mantém até hoje. A medida com que se envolvia com o universo da música, veio a vontade de montar uma banda. “Por estar conectada com a música, comecei a ter interesse em montar um grupo, então, tive bandas covers e continuo com esse trabalho paralelo. A primeira vez que eu pisei no palco foi assustadora e ao mesmo tempo maravilhosa. Era um caminho sem volta. É paixão que se diz, né?”, relembra.

Com o passar do tempo, quando se sentiu segura, Johaine passou a criar as próprias músicas. “Comecei a compor quando vi que poderia me comunicar por meio do que eu estava fazendo. Quando uma música é composta, produzida e lançada, parece que o meu propósito na vida faz sentido. Quando uma pessoa se conecta com uma criação minha, esse propósito aumenta. É gratificante e recompensador”, diz.

A guinada veio em 2017 quando, ao participar de um festival, Johaine foi uma das finalistas e, como prêmio, assinou um contrato com a Sony Music. A gravadora, que também apostou recentemente na volta da banda curitibana Sr. Banana, é simplesmente uma das maiores do mundo no mercado fonográfico. “Vejo isso como um reconhecimento do meu trabalho e fiquei muito feliz com esse passo. Curitiba é um nicho de artistas incríveis que precisam ser conhecidos nacionalmente pela qualidade dos trabalhos”, diz. Atualmente, a banda que acompanha Johaine tem Allan Majid (guitarra), Ingrid Richter (baixo) e Aline Biscaia (bateria).

Hoje, aos 27 anos, diferentemente da esmagadora maioria dos jovens artistas, Johaine se mostra mais preocupada com o conteúdo e a qualidade das composições do que com os números das redes sociais. “Não me preocupo em buscar números, likes ou seguidores. Gradativamente, as pessoas me procuram para agradecer, elogiar ou pedir mais músicas, e isso é o fundamental. Eu me considero com sucesso, pois faço o que amo e sinto que estou no processo. Cada dia um passo à frente e feliz”, complementa.

Até o momento, a discografia de Johaine conta com o EP “Hedonismo” (2017). Trabalhando de forma gradativa, a artista curitibana não demonstra estar ansiosa para lançar um full length. Na verdade, ela acredita que a melhor maneira de encarar o mercado fonográfico do século XXI é apostar no lançamento de singles. “Mais para frente eu penso em ter um álbum full, mas sinto que hoje em dia as mídias e streamings acabaram atrapalhando um pouco o processo de um álbum. A tendência é trabalhar em vários singles durante o ano, dando atenção e importância a cada um deles. Assim, eu posso abordar cada faixa com um conceito separado, em momentos diferentes. Meio que gosto disso (risos). Tenho outro single pronto, com clipe também, que virá logo em seguida”, conta.

A cena curitibana

Apesar de realmente ser um celeiro de bandas e artistas fantásticos, Curitiba sempre foi um cenário complicado para a música autoral de qualquer estilo, do Pop ao Heavy Metal. Mesmo reconhecendo essas dificuldades, Johaine acredita que a cena da cidade vem melhorando nos últimos anos. “Essa é sempre uma afirmação muito recorrente pelos curitibanos. Até hoje tento entender o porquê da nossa cidade ser considerada a mais difícil para a música autoral. Creio que o público é exigente, um tanto quanto fechado a novas experiências. Mas acredito também que, se forem oferecidas mais oportunidades para músicos autorais tocarem na cidade, nós podemos mudar um pouco esse cenário”, analisa.

Seguindo a opinião que boa parte da cena curitibana tem há décadas, Johaine acredita que a cooperação entre os artistas é o que vai mudar a realidade para todos. “A união entre os músicos já está acontecendo, então a velha fama de que aqui ninguém se comunica não é verdade. Tenho presenciado eventos em que as próprias bandas organizam, se dividem e cooperam para realizar shows e festivais na cidade. O que precisa acontecer é tirar esse cenário do underground, trazer música autoral para as pessoas, para a massa. Por isso eu creio na diversidade de estilos, na evolução, na conexão com o público e o mais importante: estar no palco. Muitos artistas bons não saem do YouTube e das redes sociais. Mesmo que a presença online seja fundamental, nada vai substituir a ligação entre artista e público em um show ao vivo. Acho que estamos no caminho e eu acredito que muita coisa vai mudar”, finaliza Johaine.