Texto: Marcos Anubis
Revisão: Pri Oliveira
Fotos: Melissa Giowanella)

Mercy Killing: Leonardo Sampaio, Alexandre “Texa”, Tati Klingel e Leonardo Barzi. (Foto - Melissa Giowanella)

Mercy Killing: Leonardo Sampaio, Alexandre “Texa”, Tati Klingel e Leonardo Barzi

27 anos de estrada dentro do cenário independente do Heavy Metal nacional. Essa é a realidade da banda curitibana/baiana Mercy Killing. Em 2015, após quase três décadas de batalha, o quarteto chega a um momento decisivo em sua carreira. Na semana passada o grupo lançou seu projeto de financiamento coletivo que visa um objetivo: lançar seu primeiro CD, “Euthanasia”. A plataforma escolhida foi o site Kickante. Nele, quem tiver interesse em colaborar pode escolher entre vários modelos de contribuição que variam entre R$ 20 e R$ 700.

Todos os pacotes oferecem premiações que começam pelo CD e vão agregando outros itens, como camisetas, versões do álbum em vinil e fitas cassete das demos lançadas pelo grupo. A meta é alcançar R$ 20 mil. A campanha terá a duração de dois meses e em uma semana a banda já conseguiu alcançar praticamente 1/4 desse montante. Você pode contribuir acessando este link.

27 anos dedicados ao Thrash Metal

A Mercy Killing foi formada em 1988 na cidade de Salvador, Bahia. Em 2002, Leo Barzi se mudou para Curitiba e manteve o grupo na ativa, recrutando músicos locais. A formação atual tem Tati Klingel (vocal), Alexandre “Texa” (guitarra), Leonardo Barzi (baixo) e Leonardo Sampaio (bateria). A banda tem seis trabalhos lançados. “Toxic Death” (1993), “Living in My Madness”  (1995), “Under The Acid Rain” (2001), “Life Live” (2002), “Dominant Class (2003), “The Thrasher!” (2013).

O som da MK não tem firulas ou modernismos, sendo calcado no Thrash Metal oitentista de bandas como Kreator, Assassin e Exodus. A formação atual consegue peso e consistência na medida certa. Enquanto os dois “Leos”, Barzi e Sampaio, constroem uma cozinha sólida de melódica, a guitarra de Texa dá o toque Thrash das harmonias com a distorção característica do estilo.

Sobre essa base, os vocais de Tati Klingel chamam muito a atenção por serem fortes e bem cantados. A vocalista consegue encaixar bem as frases dentro dos compassos das canções e interpreta de forma visceral o conteúdo das letras. Essa junção de fatores dá à MK um Thrash Metal puro e honesto, no real significado da palavra.

A decisão pelo crowdfunding

O fato é que, mesmo conseguindo chamar a atenção com suas apresentações, a Mercy Killing nunca conseguiu um contrato para lançar um álbum. “Nos anos 1980/90, inclusive, dois proprietários de selos faleceram enquanto negociávamos nossas gravações”, relembra Leo.

Depois de enfrentar o descaso das gravadoras e o foco cada vez mais comercial da indústria fonográfica, o grupo resolveu apostar na máxima punk “do it yourself” e gravar seu trabalho usando suas próprias forças. “A gota d’água foram duas negativas à banda: uma em 95 (por omissão, nunca recebemos uma resposta) e outra em 2012 (um simples e-mail dizendo ‘não temos interesse’). Quando encontrei com os respectivos responsáveis eles elogiaram a Mercy Killing. ‘Por que vocês nunca lançaram um disco?’, perguntou um deles”, conta Leonardo Barzi.

Apesar de parecer surreal, esse não é um fato que acontece esporadicamente com as bandas undergrounds. É muito comum o fato de bons trabalhos passarem batido pelos “ouvidos treinados” dos produtores. “Cansamos dessa babaquice de correr atrás. Imagino que se conseguíssemos um contrato receberíamos meia dúzia de discos, tapinhas nas costas e um ‘até mais’. Então sugeri à banda que usássemos uma plataforma de crowdfunding após finalizarmos nosso disco e a ideia foi bem aceita”, diz Leo.

Em 2012 o grupo começou a fase de ensaios, pré-produção e gravação do álbum. Passado esse período de preparação, os membros da banda demonstram ter absoluta consciência de que as dificuldades serão enfrentadas em todas as fases do processo. “É difícil chegar até o lançamento da campanha e será mais difícil ainda não deixar a peteca cair. Depois, se der certo, não será moleza lidar com o material após a entrega. Porém, teremos controle sobre nosso trabalho e isso deve ser uma grande vitória, mas não nos impede de fazer uma parceria com selos e distros, em outro nível”, comenta.

Um fato que chama a atenção é que o grupo optou por primeiro gravar o CD e só depois disso divulgar o financiamento e usar o montante arrecadado somente para lançá-lo. “Queríamos ter a gravação pronta para confirmar se somos capazes de fazer um disco realmente bom. E eu, pessoalmente, queria confirmar se ainda tinha jeito pra coisa. A evolução técnica é perceptível em cada gravação da pré-produção, cronologicamente falando e, nesse sentido, ter a colaboração do Maiko, (produtor do CD), deixou o som exatamente como queríamos”, analisa Leo.

Mercy Killing-15

Banda tem mais 51 dias para concretizar o sonho do primeiro CD

Som “real”

“Euthanasia” foi gravado ao vivo no estúdio Avant Garde, do produtor Maiko Thomé. As sessões foram realizadas com a banda tocando ao vivo, como se fosse um ensaio, sem grandes edições. A intenção dessa atitude é soar o mais real possível, fazendo com que o ouvinte tenha a mesma sensação que teria ao ver um show da Mercy Killing. “Fica óbvio que o feeling da banda está evidente, quase palpável. Temos algumas desvantagens, como algumas falhas de execução, variações de andamento, etc. Mas se seguíssemos por essa linha de pensamento poderíamos gravar sem tocar ‘de verdade’, não é? E se você nos vir ao vivo após ouvir a gravação vai entender exatamente o que queríamos”, explica Leo.

A gravação acabou sendo rápida, em função da fase de preparação a que a banda se submeteu durante os dois anos anteriores. “Fizemos em uma pegada. Deixamos apenas os vocais para overdub e algumas correções no instrumental. Fiquei impressionado com o vocal da Tati. Quase avisei a vizinhança pra não chamar a polícia, porque estava violento. Mandou muito”, conta Maiko Thomé.

Como a banda já tinha em mente a ideia de soar o mais natural possível, coube a Maiko materializar a música da Mercy Killing. “O Barzi sempre me disse que queria uma gravação com todos tocando juntos os instrumentos, mesmo que esbarrassem em imperfeições na execução. Era para ser uma coisa bem natural, com aquele feeling ao vivo, e foi o que fizemos. Fazia tempo que nos encontrávamos por aí e falávamos sobre essa gravação. Enfim aconteceu”, complementa o produtor.

Histórias

Nos quase 30 anos de estrada da banda, Leo colecionou inúmeras histórias que marcaram a sua vida pessoal e como músico. “Tivemos algumas experiências incríveis. Uma delas foi abrir para o The Mist em Salvador encarando uma plateia insana e sedenta por Metal. Outra foi fazer a abertura do Exodus em Curitiba e ter a música ‘Metal Command’ dedicada à Mercy Killing”, relembra.

Entre esses momentos inesquecíveis está a participação no festival Palco do Rock, no ano passado em Salvador. “Havia mais de 6 mil pessoas cantando as músicas e fazendo o palco tremer quando paramos de tocar e reverenciamos elas”, diz.

Mas Leo admite que um dos momentos mais marcantes relacionados à banda foi vivido por acaso em um encontro casual com um fã. “Confesso que uma das coisas que mais me emocionou nos últimos anos foi ser abordado por um headbanger na rua e ele me agradecer pelo discurso que fiz a favor das composições autorais. A banda não executa mais covers em shows ao vivo. Ele disse que isso havia mudado a forma dele encarar a música. Somos amigos desde então”, conta.

Então, após 27 anos de estrada, Leo vai honrar a sua história e a de todos os músicos que passaram pela Mercy Killing. O lançamento de seu primeiro full lenght faz justiça a uma das mais antigas bandas do cenário Heavy Metal nacional. “Estou uma pilha, mas o que está me deixando boquiaberto é o envolvimento dos amigos, antigos e novos. Tem gente que nunca nos viu tocar e está participando. Temos grupos novos interagindo, o que mostra que nós não mudamos tanto e que essas coisas nunca mudarão”, afirma.

Resta aguardar o término da campanha para ver se o valor necessário, R$ 20 mil, será atingido. “Não tem nada que evite a ansiedade e o medo de dar na trave, mas não tem nada que me tire a vontade quase insana de tirar o disco da capa, cheirá-la, passar o vinil sobre o braço para ver os pelos se levantando e tocá-lo no volume máximo. E, obviamente, bater cabeça com ele”, diz.

No dia 26 de junho nós vamos conhecer o final dessa luta. Na verdade, pode significar o começo de uma nova trajetória para a Mercy Killing. Seria mais do que justo que Leonardo Barzi, um dos músicos locais que mais batalha por sua arte, consiga atingir seu objetivo e materialize o esperado CD de sua banda.

Ainda dominado por selos e gravadoras, a maior dificuldade de um artista no século 21 é distribuir o seu trabalho, mostrá-lo para as pessoas. Na contramão dessa realidade, o mundo musical ainda possui sonhadores como Leo, que acreditam na sua música e fazem de tudo para que ela sobreviva. “Por favor, colabore como puder com a nossa campanha. Ouça a ‘Down The Power’ e se não gostar, tudo bem. Mas se gostar saiba que o disco é nesse nível e aí valerá a pena esperar para receber esse petardo!’, finaliza Leo.

Confira a música “Down The Power”, que estará no CD “Euthanasia”, e o vídeo da campanha de financiamento coletivo da banda.