Texto: Marcos Anubis
Fotos e revisão: Pri Oliveira

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Manter uma banda viva no Brasil não é uma tarefa fácil. Dentro de estilos extremos, como o Heavy Metal, essas barreiras são ainda maiores. A realidade mostra que a falta de perspectiva, mais cedo ou mais tarde, acaba cobrando o seu preço. Em Curitiba, esse cenário é ainda mais complicado por causa do pouco (nenhum) apoio do público. Na capital paranaense, são incontáveis as histórias de bandas talentosas que acabaram justamente por não encontrarem mais forças para lutar. Recentemente, esse quase foi o caso do Division Hell.

Formado em 2010, das cinzas do Legion of Hate, um dos grupos mais importantes do Death Metal curitibano, o Division Hell sempre enfrentou mudanças em sua formação. Entre os baixistas, por exemplo, dois talentosos músicos passaram pela banda: Gino Gaier e Hernan Oliveira, que atualmente toca no Ethel Hunter e no Giant Gutter From Outer Space.

No final do ano passado, o grupo sofreu mais um golpe quando o excelente baterista Eduardo Oliver tomou a decisão de sair da banda por causa de seus compromissos profissionais. Na época, o grupo ainda era composto por Ubour (guitarra e vocal), Renato Rieche (guitarra) e Felipe Franco (baixo). “Na metade de 2017, o Oliver nos avisou que ia sair. Foi uma série de fatores, mas o que mais pegou para ele foi o fato de ter que conciliar a banda com sua vida profissional. Ele passou na OAB e teria que dedicar muito de seu tempo ao trabalho, ficando incompatível seguir com os dois”, explica Renato Rieche.

A partir daí, o Division Hell esteve muito perto do fim. “Nesses sete anos de banda, muitas coisas desgastantes foram acontecendo e isso gerou uma quebra no elo de composição que eu e o Hugo tínhamos. Quando caiu a ficha de que o Carlos tinha saído, depois do último show que fizemos, eu mesmo fiquei em dúvida se iria continuar ou não”, diz.

A grande virada nessa situação aconteceu quando Ubour mostrou para o seu companheiro de banda a recém-lançada “I am death”. O impacto foi imediato. “Pensei em ir para Florianópolis e tentar algo por lá, mas o Hugo me mandou a ‘I am death’ e isso resgatou a minha vontade de continuar com a banda”, explica.

Superada a fase de dúvidas quanto ao futuro da banda, Ubour e Renato resolveram seguir sozinhos, sem o baixista Felipe Franco. “Pouco a pouco, fomos resgatando o nosso elo de composição novamente, então, achamos melhor continuar somente nós dois, mas o Felipe é um ótimo músico e cumpriu seu papel muito bem! Só achamos que, no momento, precisamos ir com calma e resgatar primeiramente essa parceria de composição que, ao longo dos anos, foi perdida”, complementa.

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Talento e inventividade

Renato Rieche é um dos instrumentistas mais talentosos da música paranaense. Dono de uma técnica impressionante, ele fez parte de algumas das mais importantes bandas do Heavy Metal curitibano, entre elas o Doomsday Ceremony e o Imperious Malevolence, dois pilares da música pesada paranaense. A parceria com Ubour também é antiga. Os dois também integraram o Legion of Hate e possuem uma conexão no palco e nas composições que poucos conseguem alcançar.

Nesse primeiro momento, a intenção do Division Hell é priorizar a parceria criativa que fez com que Ubour e Renato permanecessem unidos. “Neste ano, a ideia é focar nas composições, da melhor forma que pudermos, e na gravação do próximo CD. Eu amo tocar ao vivo, na verdade é a coisa que eu mais gosto de fazer! Então, ao longo das gravações, com certeza vamos reformular a banda e voltar a fazer o que amamos”, diz.

Uma prévia dessa nova fase é a música “I’m death”, que ganhou também um clipe. A canção mantém a linha que caracteriza o Division Hell, com vocais fortes e linhas de guitarra bem criativas. “O Hugo já tinha essa música em mente há bastante tempo, mas como estou morando em Matinhos desde o ano passado, fiquei afastado de muitas coisas que estavam rolando. Quando ele me mandou o som, eu achei matador! Foi o motivo de eu querer continuar a fazer música com ele”, conta.

Para marcar esse momento de reconstrução, Ubour e Renato pretendem lançar um novo álbum. “Existem muitas composições, tanto minhas quanto do Hugo. Agora é o momento de organizar essas ideias musicais e recuperar a nossa parceria musical novamente. Provavelmente, nós lançaremos um álbum com essa formação, até para não perder tempo, visto que estamos morando relativamente longe um do outro e isso dificulta ainda mais as coisas. Mas estamos focados novamente em apenas fazer música, e isso é algo espetacular!”, diz.

A reformulação no grupo também leva a uma reavaliação do ambiente consumidor de música nos dias de hoje. Afinal, a quantidade de bandas que pode ser encontrada na internet é assustadora. “Até pouco tempo, eu costumava dizer que nós estávamos vivendo uma fase de ‘transição’, mas a verdade é que essa fase já passou. As plataformas online, como o Spotify e o YouTube, já são uma realidade. Aquilo que nós sonhamos um dia já não existe mais” analisa.

Com isso, a qualidade do que se ouve invariavelmente acaba ficando comprometida. A competição por um espaço privilegia o descartável de rápido consumo e obriga as boas bandas a batalharem ainda mais. “Pessoalmente, eu tive que reprogramar algumas coisas em minha mente. Absolutamente tudo mudou, desde a forma como se grava, como se lança e divulga, até a forma como recebemos e ouvimos uma música. Tudo está muito rápido e superficial, em alguns casos. Eu mesmo estou tentando manter meu canal pessoal no YouTube, pois senti que hoje é fundamental para divulgar o meu trabalho. Eu colocava vídeos de maneira esporádica sem a consciência de que ali já era a realidade e que ela tinha que ser trabalhada de alguma maneira”, complementa.

Por enquanto, a nova fornação do Division Hell não deve fazer muitos shows. Afinal, hoje, ao menos em Curitiba, as apresentações servem mais para uma satisfação pessoal do artista.

Enquanto os shows cover vivem lotados, são raríssimos os eventos em que o público da cidade comparece para apoiar uma banda local de música autoral. “Sendo o mais sincero possível, o Division Hell, nesses sete anos, nunca fez uma apresentação para muitas pessoas, mas eu amo tocar ao vivo ainda assim! E por mais que o interesse do público e das próprias casas e bares esteja diminuindo em comparação com o que havia antes, a experiência de estar em um show ao vivo sempre, sempre será única!”, afirma.

Mesmo com esse cenário, Renato continua acreditando que é no palco que as grandes bandas se consolidam. “Por mais que não tenha tanta gente assim para nos ver tocando, eu ainda vou amar estar no palco, pois é a minha vida, a minha maneira de poder expressar coisas que não consigo com palavras. Mas concordo que correr atrás desses shows em Curitiba tem se tornado cada vez mais uma ‘dor de cabeça’ por uma série de fatores. Porém, é o que amo fazer, e tocar música pesada é a maneira como consigo me expressar e me libertar de certas coisas!”, finaliza.