Texto: Marcos Anubis
Revisão: Priscila Oliveira
Fotos: Divulgação e Marcos Anubis

Plebe Rude entrevista Philippe Seabra novo álbum Nação Daltônica

Plebe Rude, Philippe Seabra, André X e Clemente (Foto – Divulgação/Plebe Rude)

Quando produziram o blockbuster “Matrix”, em 1999, os irmãos Wachowski certamente não imaginavam que seu filme viraria uma realidade tão rapidamente. Vivendo como personagens de uma grande encenação, a humanidade caminha para se tornar homogênea, igual, mas nivelada por baixo. A esmagadora maioria das pessoas fala, consome, age e se comporta da mesma maneira, como fantoches em um teatro de bonecos.

Diariamente, como se propagassem mensagens subliminares, os veículos de comunicação enviam estímulos cada vez mais fúteis e desprovidos de conteúdo. Pérolas como “Ai Se Eu Te Pego” e estilos como o famigerado “funk carioca”, um termo que deve fazer o mestre James Brown se revirar em seu caixão, passaram a fazer parte do dia a dia das pessoas.

No Brasil, país que sempre teve na educação o seu maior problema, esse estado de coisas é ainda mais problemático. Pois eis que nesse cenário apocalíptico, veio ao mundo o 6º álbum de uma das mais representativas e sinceras bandas do rock nacional, a Plebe Rude.

“Ninguém aqui nasceu ontem e nem vai morrer amanhã. Mas se você não vê a diferença, é daltônico como o resto da nação”. “Anos de Luta”.

O 6º filho plebeu

“Nação Daltônica” foi gravado em Brasília no estúdio Daybreak e produzido pelo guitarrista e vocalista da banda, Philippe Seabra. A mixagem foi feita em Nova York por Kyle Kelso e a masterização ficou a cargo de Matt Agoglia, do Ranch Mastering. O álbum mostra a Plebe em sua essência: Incisiva, crítica e real, sem meias palavras. Ao que parece, a famigerada Matrix não contaminou os plebeus, felizmente. “Por definição, daltonismo é a incapacidade de diferenciar algumas ou todas as cores. Quando se perde a percepção da nuance, se perde tudo. Política e entretenimento se fundem em um grande ruído. E nesse ruído todo, que aparece na capa do CD, tudo passa a ser igual”, explica Philippe.

E dentro desse fenômeno de imposição comportamental, a influência da mídia é muito grande. É ela que impõe gostos, modas e estilos musicais que passam com a mesma velocidade com que aparecem. São os chamados 15 minutos de fama previstos pelo ícone da Pop Art, Andy Warhol, no século passado.

Essa futilidade incomoda não só os que conseguem enxergar acima da mesmice. Mas no meio musical ainda existem bandas como a Plebe Rude que resistem ao status quo vigente. “Vemos as pessoas só reagindo ao que lhes é oferecido, sacramentado pela mídia. Porque, se não se pode cantar junto, se não for um nome reconhecido ou um formato familiar, então aí nem desperta a atenção. O disco inteiro aborda isso, quase numa ópera-rock sem querer”, diz.

Plebe Rude entrevista Philippe Seabra novo álbum Nação Daltônica

Plebe Rude no Master Hall, em Curitiba, em 2012 (Foto – Marcos Anubis/Cwb Live)

Sobrevivência e luta

“We’re a garage band. We come from garageland”, canta Joe Strummer em “Garageland”. Esse tipo de alma punk, ou de qualquer outro estilo, é cada vez mais rara. A Plebe é uma das poucas bandas que conseguem manter viva essa chama do “amadorismo”, da música pela música, mesmo com todos os contratempos que passaram em sua carreira.

Talvez o mais complicado deles tenha acontecido no ano 2000, quando Philippe reuniu a formação original da Plebe Rude, Jander Bilaphra (guitarra e vocal), André X (baixo) e Gutje (bateria), para um novo recomeço. As coisas não caminharam como o esperado e, novamente, o grupo se separou. Para a maioria das bandas, esse teria sido um golpe definitivo. Quatro anos depois, porém, surgiu uma figura emblemática que mudaria os rumos da Plebe e, literalmente, permitiria que ela continuasse viva.

O guitarrista e vocalista dos Inocentes, um dos pilares do punk rock nacional, aceitou o convite e o desafio de figurar, ao mesmo tempo, nas duas principais bandas do estilo no país. “Sempre nos identificamos com a postura dos punks paulistas, tendo o Clemente como seu maior representante. Afinal, foi ele quem escreveu, quando ainda era adolescente: ‘Nós estamos aqui para revolucionar a música popular brasileira, pintar de negro a Asa Branca, atrasar o Trem das Onze, pisar sobre as flores de Geraldo Vandré e fazer da Amélia uma mulher qualquer’. Quem não quer um cara desses na banda?”, afirma Philippe.

O respeito e a relação de dos plebeus com o novo integrante já existia desde o início da trajetória do grupo. Clemente foi o cicerone da primeira apresentação da Plebe em São Paulo, que aconteceu em 1983 no lendário Napalm. Após dez anos entre os plebeus, chegou a vez do “novo integrante” registrar a sua marca em mais um álbum de inéditas, o primeiro desde “R ao Contrário”  (2006). “O Clemente gravou suas partes durante o carnaval de 2014. Ele trouxe na bagagem a pegada e verve pós-punk dele. Conosco há dez anos, o Clemente é plebeu certificado. A gente tentou a formação original em 2000, mas não deu”, relembra. O excelente baterista Marcelo Capucci completa o quarteto atual da banda.

O processo de composição e gravação do novo álbum

“Nação Daltônica” tem dez canções que foram gravadas em aproximadamente dois anos. Um pouco mais do que a banda esperava, por conta de alguns imprevistos como a viagem do baixista e fundador da Plebe, André X, aos Estados Unidos para concluir um mestrado. Nada que impedisse o grupo de criar mais uma pérola em sua discografia. “Algumas harmonias já existiam, mas só foram tomando corpo nesses últimos dois anos. Não sou do tipo de letrista que anda com um caderno por aí. A música sempre, sempre vem primeiro. Depois, quando os riffs estão consolidados, aí sim aparece a letra, uma letra que a música pediu”, explica.

Mesmo com a viagem de André, mais uma vez a química entre os integrantes ajudou na hora de acertar alguns detalhes das músicas. “Como o André estava no exterior durante o término do disco, nós completamos as letras via e-mail. Como compomos juntos há tanto tempo, nem foi necessário recorrer ao Skype ou telefone”, conta.

A chegada de Lipe-Lipe

Além do novo álbum, Philippe tem outo motivo para comemorar. Seu primeiro e único filho, que ganhou o nome do pai, mas foi apelidado carinhosamente de Lipe-Lipe, mudou a sua forma de encarar a vida. “Não seria muito o meu estilo falar disso explicitamente em uma música, mas realmente filho muda tudo. É inegável que tudo que vejo desde o seu nascimento, há três anos, é através do prisma de pai. Como é o primeiro disco que gravamos desde então, claro que isso iria transparecer de uma maneira ou outra”, conta.

Philippe tem absorvido essa nova realidade e, mesmo que ela não seja abordada diretamente nas canções da Plebe, ela naturalmente transparece em suas atitudes e convicções. “Creio que ‘Sua História’ é o maior exemplo disso, pois fala de legado. Quando se tem tanto tempo de banda, a palavra ‘legado’ surge bastante. Não é só o legado da Plebe na música popular brasileira ou da obra que deixo para o meu filho ter orgulho, (assim espero), mas que tipo de país eu quero deixar para ele?”, pergunta. “Qual é o meu papel e o da Plebe para contribuir para um país melhor? Pode ser uma gota no oceano, mas acho que fazemos a nossa parte conscientizando e questionando sempre. E jamais abaixando a cabeça para o mercado”, complementa.

“Nem imprudência é capaz de te deter. Me lembro bem de onde vim, mas de onde vem você? Nunca se esqueça, nada está escrito ainda. Sua história começa agora”. “Sua História”.

Postura e coerência

Essa preocupação com a qualidade de sua obra é muito presente na postura de Philippe Seabra e da Plebe Rude. E isso se torna ainda mais importante quando paramos para pensar e notamos que vivemos em uma época com poucas referências confiáveis. Nas últimas eleições, por exemplo, algumas figuras importantes dentro do cenário musical brasileiro, que antes se mostravam contestadores, aderiram ao status quo, mostrando posições completamente contrárias ao que as suas letras sempre demonstraram.

Philippe e sua banda continuam com o mesmo discurso crítico e contestador do início de sua carreira. Na realidade vigente, isso merece ser destacado. “Estamos em uma batalha cultural e artistas como a Plebe têm que mostrar que vale a pena ter princípios. Como uma nação, não precisamos nivelar por baixo, por mais que insistam.  E, convenhamos, o nível anda muito ruim”, afirma. “Ou isso ou estaremos condenados a ter que aturar a politicagem de sempre e consumir somente músicas que falam de ‘pegação’, livros de auto-ajuda e filmes com vampiros”, complementa.

“Quem em sã consciência se contentaria com tão pouco”. “Mais um ano você”.

Mensagem e concepção do novo álbum

A foto da capa de “Nação Daltônica” traz o mesmo personagem do álbum “Nunca Fomos Tão Brasileiros” (1987). A imagem remete a um cidadão confuso e com um olhar distante. Teria a sociedade brasileira parado no tempo? “Como nas músicas, deixamos ao público tirar suas próprias conclusões. Mas se o ‘sujeito de costas’ está de volta, e defronte à estática daltônica, é por um motivo”, explica Philippe.

Para o ouvinte atento, a capa trará vários questionamentos. No que estará pensando o homem que aparece na imagem? O plebeu coloca ainda mais mistério nessa charada. “Será que ele vê a diferença entre o que lhe é oferecido de política e entretenimento? Está conseguindo processar o bombardeio de informação? Consegue ver através do ruído? Será que votou tantas vezes de maneira errática, será que leu tão pouco e consumiu tanto lixo cultural, que quando uma opção de qualidade lhe fosse oferecida, ele saberia a diferença? Quando se perde a percepção de nuance, se perde tudo”, diz.

Ouvindo o álbum, a sensação que as letras passam é de que ele aborda a passividade que toma conta do Brasil em relação a vários problemas que nos atingem. Será que o povo brasileiro realmente vive em uma “Matrix”, ditada por programas sem conteúdo na TV ou no rádio, que torna os pensamentos, as atitudes e gostos iguais? “Como em quase tudo que a gente escreve, é bastante abrangente. Do ponto de vista político é só relembrar todos os slogans e discursos na propaganda eleitoral da última eleição. Praticamente o mesmo discurso no espectro inteiro, todos enfatizando a saúde, educação e o combate à corrupção. Vindo da situação, da oposição ou das legendas de aluguel, tanto faz. No meio do ruído, quem sabe quem está com boas intenções?”, analisa.

“Demagogia vem da capital e o vazio enche todo canal. Goela abaixo, pois sabem, não faz mal porque só é entretenimento no final”. “Anos de luta”.

A batalha contra a mesmice

A verve punk da Plebe Rude atira contra as desigualdades sociais do país há mais de três décadas. O irônico, e igualmente trágico, é que a nossa realidade pouco mudou desde o início dos anos 1980. “A questão da educação continua a ser a grande tragédia do país e vemos isso de perto, pois todos nós temos filhos na escola. O meu, por exemplo, acabou de sair do maternal. Além disso, o nosso grande baterista, Marcelo Capucci, é professor. Fico imensamente grato à exposição que a Plebe tem quando professores chegam para a gente dizendo que usam as nossas letras em salas de aula ou quando ficamos sabendo que caem em provas de vestibulares”, conta Philippe.

Esse respeito só existe porque a banda sempre manteve suas convicções dentro e fora do mundo musical. “Tem gente da nossa geração que foi atrás do ouro, outros atrás da fama, mas no caso da Plebe, sempre acreditamos no bem maior que a música consciente pode fazer. Popularidade é uma coisa, relevância é outra”, afirma.

“Nunca quis esse papel. Que seja então, retaliação”. “Retaliação”

Palavras que ainda ressoam

Algumas músicas da Plebe foram escritas há 20, 30 anos, mas continuam refletindo a realidade do país.  De acordo com Philippe, ainda existe a ânsia por conteúdo, por artistas que tenham o que dizer, mesmo nas novas gerações. “Em cada show que passa nós vemos mais pessoas jovens. E não a geração órfã da MTV, que perdeu o critério vendo clipes de artistas nacionais com mais senso de estética do que propriedade. São jovens com sede de algo nacional de qualidade, com verve, conteúdo e postura”, diz.

Dentro desse interesse, músicas como “Até Quando Esperar” foram maciçamente executadas e associadas aos novos rumos que a população brasileira ansiava para o país. “Ficamos felizes ao ver a relevância da nossa obra, e um pouco perplexos pela quantidade de citações de letras nossas por jornalistas e nos cartazes dos protestos de rua recentes. Mas aí, como cidadãos, ficamos tristes com a brutal constatação que no fundo mesmo, pouca coisa mudou no Brasil. Os problemas básicos continuam e as manchetes de jornal parecem as mesmas há três décadas”, analisa.

O surgimento do punk no Brasil

Na década de 1980, o punk surgiu de forma mais forte em São Paulo e em Brasília. A concepção do “estilo punk”, em letras e nas próprias canções, era bem diferente nas duas cidades. Philippe relembra as primeiras impressões que os garotos brasilienses tiveram ao desembarcar na maior cidade da América Latina. “Nosso primeiro show em São Paulo foi em 1983, e curiosamente, um jovem Clemente foi nos buscar na rodoviária. Vale lembrar que era uma época pré-internet, então simplesmente não conseguíamos acreditar que havia pessoas que conheciam as mesmas bandas que a gente. Melhor, tinha toda uma cena com casas noturnas onde se podia ver bandas novas. Incrível”, conta.

A forma de encarar musicalmente o punk rock era bem distinta nas duas cidades. Se na capital paulista a crueza era quase total, com riffs rápidos e acidez nas letras, em Brasília existia uma maior “intelectualidade”, se é que podemos denominar assim, nos textos das canções. Basicamente, eram duas faces da mesma moeda. “Do lado mais punk, em São Paulo as letras eram mais didáticas, porém extremamente incisivas, e o som era mais cru. Mas a atitude era a mesma”, explica. “Talvez por sermos filhos de acadêmicos (e não de ministros, como os punks mais ortodoxos acusam), é que tínhamos as ferramentas para nos expressar de maneira mais tangível, sem ter que ser tão explícito, mas sem perder o impacto. Se até hoje as músicas tocam na rádio é que a mensagem ainda ressoa. E cá pra nós, os riffs e melodias eram ótimos”, complementa.

Plebe Rude entrevista Philippe Seabra novo álbum Nação Daltônica

A Plebe Rude, ainda sem André X no baixo, em 2011 no Yankee Bar, em Curitiba (Foto – Marcos Anubis/Cwb Live)

Posições ideológicas

Recentemente, o grupo postou uma mensagem em seu Facebook repudiando o uso de músicas da Plebe em manifestações políticas. Nos comentários do post, as opiniões dos fãs foram bem diversas, alguns não entendendo e outros atribuindo posições políticas ao quarteto brasiliense.

Philippe contextualiza a situação do país para depois explicar qual foi a intenção da Plebe quando publicou o post. “Será que, como espécie, realmente estamos preparados para essa enxurrada de informação que TV a cabo e as redes sociais oferecem ‘full and real time’? Quando a política vira entretenimento, e agora vice-versa com artistas se digladiando com opiniões contrárias como (você quer a volta da ditadura! Ah é, e você é comunista!), no fundo mesmo, faz diferença?”, analisa.

A insatisfação com esse embate excessivo de ideias e posturas parece realmente incomodar o guitarrista e vocalista da Plebe. “Se bobagens ditas na mídia impressa no dia seguinte acabam por embrulhar peixe na feira, então o que acontece com essa balbúrdia nas redes sociais? Vira um ruído. Que desperdício de banda larga. Ruído esse claramente visto na capa do ‘Nação Daltônica’. E no meio desse ruído todo, como se sobressair? Posições mais extremas ainda. Artistas sem tanto respaldo aparecem conforme planejado, roqueiros blogueiros se convencem de que são formadores de opinião. Mas no fundo, é só entretenimento no final. E eles sabem disso”, diz.

No último dia 17 de novembro a Plebe escreveu em sua página no Facebook. “A Plebe Rude vem por meio desta repudiar o uso de suas músicas em manifestações políticas de qualquer espécie. Principalmente naquelas ligadas a correntes extremistas. Nascemos do combate ao autoritarismo. Não desejamos sua volta. ‘Até Quando Esperar’  tem conotação de melhor distribuição de renda, de chances iguais para todos. Não chancelamos qualquer proposta reacionária, autoritária, paternalista ou golpista. Pelo contrário!”, dizia a postagem.

Philippe explica qual foi a intenção do post. “No caso a que você se refere, claro que não temos controle sobre quem decide tocar uma música da Plebe. Mas a pergunta é: que lado do espectro político tocou Plebe? Essa indefinição irritou a gente. E dá-lhe a enxurrada de opiniões, algumas bem absurdas. Mas é muito fácil fazer com que mordam a isca e a Internet está aí para isso”, diz.

O post gerou muita discussão, pró e contra, mas parece ter sido uma atitude isolada, pois a banda não se mostra disposta a alimentar polêmicas que não levam a nenhum resultado concreto. “Alguns artistas estão encontrando um pouco de sobrevida na Internet. E na discordância, mais entretenimento é gerado! Sério, nossa contribuição para o ‘ruído’ começou e terminou ali. Prefiro ser lembrado por ser uma banda coerente, com letras fortes, pegada boa e que sabe compor as próprias músicas. E não é de hoje que a gente fala disso”, afirma.

“O pretexto está errado. Prepotência aponta o dedo. O prejuízo que é causado passa pelo seu pior lado para provar quem está errado. Quem julga será julgado. Incompreensão do outro lado. Os extremos de mãos dadas no reflexo disfarçado. Escolha as armas e seu lado”. “Discórdia”, música do disco “R Ao Contrário” (2006).

Bravo mundo novo?

As letras da Plebe sempre tocaram em feridas nem sempre bem curadas da sociedade e da história do país. Na música brasileira atual, essa preocupação com o texto é cada vez mais escasso e a percepção de que falta uma maior contundência não é só de críticos e fãs. “Estamos na que talvez seja a pior crise criativa de artistas populares da história. Já vimos de tudo nas últimas décadas: sertanejo, pagode ‘moderno’, axé, emocore, e agora mais recentemente as músicas sobre ‘pegação’ e o tal funk ostentação, o fundo do poço, contrário a tudo que a gente já cantou”, diz. “Não temos nada contra o pop, e às vezes reconhecemos como um mal necessário. Mas tem que ter contraponto. O perigo é quando só é o que tem”, complementa.

A comparação com a década de 1980 é inevitável. Se antes nós tínhamos poetas, literalmente, como Cazuza e Renato Russo, além de letristas sensacionais como Flávio Murrah do Hojerizah e Humberto Effe do Picassos Falsos, hoje a situação é bem diferente. “Nós somos da geração que ouvia Arnaldo Antunes, Legião Urbana e Plebe Rude nas rádios. Fico realmente preocupado vendo que o espaço na mídia está tomado por um nível tão baixo. Vale lembrar que quando a programação educativa na década de 1980 foi trocada por apresentadoras ‘infantis’, empurrando seus produtos goela abaixo na audiência mirim, a consequência disso eventualmente apareceria”, analisa Philippe.

Todo esse processo de alijamento da cultura, que vem desde o golpe militar de 1964, desaguou na realidade que vemos atualmente, onde a TV praticamente dita as regras de uma sociedade cada vez mais alienada. “Essa desarticulação de hoje em dia vem um pouco daí. Muita televisão e pouca leitura e discernimento serviu de base para muitos artistas. E quando não se tem as ferramentas certas, como é possível se expressar? Com mesmice, clichê e desarticulação, tirando a inspiração de todos em volta. O artista é reflexo das suas influências e arredores. Como o amigo Renato Manfredini dizia: vamos cuspir de volta o lixo em cima de vocês”, afirma.

Como paladinos de uma arte em extinção, a Plebe colhe os frutos de sua preocupação com o que deveria ser básico para qualquer banda: avaliar e pesar bem o que fala aos seus fãs. “Recentemente, aparecemos nos filmes ‘Faroeste Caboclo’, ‘Somos Tão Jovens’ e ‘Rock Brasília’, que milhões de pessoas foram ver nos cinemas. A Plebe apareceu na trilha de filmes como ‘Federal’ e ‘Democracia em Preto e Branco’. Recebemos da Câmara Legislativa do Distrito Federal o título de Cidadão Honorário. Por quê? Ninguém planeja isso. É por causa da preocupação com as letras. Mensagem para mim é tudo”, sentencia Philippe.

“Eu quero ver o quanto o nível terá que descer até você se questionar por quê. A voz que acha não ter, a multidão não dá a você, mas quem pode culpá-lo?”. “Quem pode culpá-lo”.

Exemplos práticos

Uma das músicas que mais chamam a atenção em “Nação Daltônica” é “Anos de Luta”. Sua letra incisiva parece um nada sutil cutucão na nova geração de ouvintes e bandas nacionais. “São anos de lutas. Será que foi em vão? Entretenimento no final. Desperdício de toda uma geração”, canta Philippe.

A frase é uma espécie de desabafo, como se o quarteto bradasse: “Nós fazemos a nossa parte há mais de 30 anos, assim como outras bandas. Onde está a contribuição da nova geração?”. Philippe realmente demonstra descontentamento com os rumos que a música nacional tomou. “Com a volta da Plebe, no ano 2000, eu retornei ao Brasil depois de seis anos no exterior e fiquei estarrecido com o nível das músicas de pop rock nas ‘paradas’. Falavam basicamente de cú e maconha”, critica. “E de lá para cá, o que vimos em mais de uma década de ‘pop’? Em termos de letra, não muita coisa, ao menos no ‘mainstream’, quer dizer, na rádio e na TV. É claro que existem bandas boas por aí, Brasil afora. Eu produzi algumas delas, como os Los Porongas, Superguidis e Bois de Gerião, mas é triste saber que poucos terão acesso a uma exposição maior, pois são independentes”, complementa.

Em uma comparação com os anos 1980/90, o século 21 trouxe infinitas possibilidades de divulgar o trabalho de uma banda. Essa nova realidade, porém, não se consolidou como uma garantia de sucesso. “A promessa da Internet, da democratização definitiva da mídia, não se concretizou. São poucos os que aparecem para o grande público, o que limita quase que absolutamente o respaldo de muito trabalho bom. Como produtor, fico muito frustrado com isso”, analisa Philippe. “Aí, então, as poucas gravadoras que sobraram apostam só no nível mais baixo, ainda na mesma cartilha que levou a indústria à falência: no sucesso rápido e popular. Gosto de pensar que a longevidade da Plebe serve como um antídoto para o status quo”, complementa.

Essa é uma realidade muito diferente do começo da Plebe e de outras bandas que sedimentaram o rock nacional. Basta lembrar que o país vivia sobre a mão pesada da ditadura militar e os artistas eram um dos principais “alvos” da fúria repressiva. Afinal, pensar e racionalizar ideias era, e ainda é uma atitude fora do padrão. “Quando nós começamos, não tinha nada, nada mesmo. Nem cena de rock tinha. E ainda por cima, no nosso caso em Brasília, tínhamos que mandar músicas para a censura no clima tenso que era estar no final da década de 1970, começo da década de 1980, na sede da ditadura. Mas isso não parou ninguém, muito pelo contrário. Nossa mensagem acabou mais forte e urgente, nossa postura se firmou mais contundente”, relembra.

Em meio a modas, falsidades e mediocridades que imperam na música brasileira, a Plebe Rude ainda consegue manter a sua obra intacta. Quando se tornou normal ouvir músicas que você não sabe o nome, quem compôs, em que álbum elas estão ou mesmo o que elas dizem, a importância de músicos como Philippe Seabra se torna ainda mais essencial. São eles que fazem com que a maré de lama que nos envolve ainda permita um respiro, um sopro de ar puro em meio à poluição sonora vigente. “A nossa música era a nossa válvula de escape e acabou por se tornar o mesmo para muita gente da mesma geração. E até hoje nós tocamos no país todo com o mesmo entusiasmo, e até a mesma inocência da época, ainda acreditando que coerência é uma virtude”, finaliza Philippe.

“Pra acabar com os farsantes que ocupam seu lugar, unidos pela inocência”. “Rude Resiliência”.

Confira três momentos do show da Plebe Rude em Curitiba no ano de 2012 no Master Hall: “Até Quando Esperar”, “Este Ano” e “Luzes”.