Texto: Marcos Anubis
Fotos e revisão: Pri Oliveira/Cwb Live

Após 11 anos de espera, o público lotou o Jokers para ver a reunião de uma das mais inovadoras bandas de Psychobilly do mundo

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Onze anos sem pisar em um palco juntos, apenas três meses de ensaio e um show que ficará marcado na cena musical curitibana. O público que lotou o Jokers nesse sábado (4) presenciou todas essas variantes em um momento histórico na música da capital paranaense.

Afinal, poucas bandas curitibanas construíram e mantiveram uma mística tão forte quando os Catalépticos. Isso se deve, principalmente, a dois fatores: ao peso descomunal do som que o grupo criou, rompendo com todas as barreiras impostas pela pureza do Psychobilly, e ao respeito que o grupo tem, até hoje, na Europa e nos Estados Unidos.

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Antes do show, Vlad Urban (guitarra e vocal) Gustavão (baixo) e Coxinha (bateria e backing vocal) não escondiam a expectativa por essa volta. “Vai ser foda! Eu acho que nós estamos mais velhos, mais safados e mais sem-vergonha. Estamos tocando mais rápido, com um gás muito grande. Vamos quebrar tudo”, dizia Gustavão.

A previsão se consumou com sobras. O trio abriu a apresentação com uma sequência de tirar o fôlego: “Entrance for hell”, “Cannibal holocaust” e “Hearse driver”. Durante todo o show, o público participou cantando, pedindo músicas e praticamente eternizando uma roda de weckring que não se extinguiu em nenhum momento. Entre os fãs, estavam pessoas de outros estados que vieram só para presenciar esse retorno aos palcos.

Uma delas foi a técnica em segurança do trabalho Daniele Cruz, de Sorocaba, interior de São Paulo. “Eu comecei a curtir a cena psychobilly há uns 10 anos e, logo, passei a frequentar o Pscho Carnival e pesquisar sobre as bandas. Aqui na minha cidade tem uma galera que frequenta há um tempo, foi por meio deles que eu deles conheci os Catalépticos. Sempre quis vê -los no palco, então, quando anunciaram o retorno eu não pensei duas vezes e comprei o ingresso”, diz. “Curti muito o show dos caras. O mais sensacional foi o clima de expectativa que o retorno causou na galera e, assim como eu, muitos também vieram de longe pra assistir ao show. Só por ter participado dessa festa e ter visto o quanto toda galera se divertiu, valeu muito a pena! Ficamos com vontade de ver mais!”, complementa.

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Power trio

O público brasileiro está acostumado a ver Vlad (Sick Sick Sinners) e Coxinha (99 Noizagain, Hillbilly Rawhide) em seus outros projetos. Além disso, Vlad também toma a frente do grupo que organiza, há 17 anos, o Psycho Carnival, que se tornou um dos maiores festivais de psychobilly do mundo.

Nesse contexto, apenas uma importante peça dessa cena não pisava nos palcos há mais de uma década. A grande novidade do show foi a presença de Gustavão. Usando uma cartola preta e tocando um dos instrumentos musicais mais míticos da música curitibana, o baixo em forma de caixão, ele impressiona pela tranquilidade na execução das músicas. Entenda-se “tranquilidade” como facilidade para executar tanto as bases quanto os solos rápidos que o estilo da banda pede.

O setlist do show teve vários clássicos do psychobilly brasileiro, entre eles, “Like a gasoline tank”, “Closing my coffin” e “Death train”. Para encerrar a primeira parte do show, o trio tocou aquela que talvez seja a música que melhor representa o movimento psychobilly curitibano: “Psychobilly is all around”.

Afinal, até para quem não acompanha a cena, essa canção é uma espécie de sinônimo do psychobilly de Curitiba. “Eu acho que ela traduz um pouco da história para a gente ali no começo. Foi muito interessante quando nós começamos a ver, por meio da internet, que havia Psychobilly em outros lugares do Brasil. Houve uma época em que a gente se sentia isolado porque o Psycho já não estava mais em voga lá fora, os meios de comunicação não falavam mais disso. Por exemplo, eu achava que o Demented Are Go já tinha acabado porque nós só tínhamos algumas notícias esparsas que vinham de São Paulo, boatos e tal. A gente simplesmente não ouvia falar que existia uma cena psycho”, explica Vlad.

A faixa faz parte do primeiro álbum do grupo, “Little Bits of Insanity”, lançado em 1998. “Eu escrevi essa letra no começo dos anos 1990, quando a gente percebeu que não estávamos completamente loucos aqui no Brasil porque continuávamos a tocar Psychobilly. Existia uma coisa acontecendo lá, também. Quando surgiu a ideia de fazer essa música, era pra mostrar que algo continuava rolando e a gente não ia deixar isso morrer!”, complementa.

Na volta para o bis, o grupo tocou mais cinco músicas, encerrando o show com “When the sun goes down”. Os Catalépticos saíram do palco sob aplausos entusiasmados e com o público pedindo para que a banda tocasse ainda mais.

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Desbravadores

O Catalépticos surgiu em 1996 com a intenção de injetar outros elementos no tradicional Psychobilly que era feito no Brasil. Unindo a alma do estilo com o peso de outros gêneros, principalmente o Hardcore, o Punk e o Heavy Metal, o trio curitibano fugiu de tudo que era feito naquele momento. “A gente via muita banda psychobilly com baixo de pau e tínhamos pouco acesso a isso. Nós começamos a receber informações das bandas tocando na Europa e queríamos fazer algo parecido. O que fazíamos, até então, era algo adaptado para a realidade brasileira. O Missionários (outra lendária banda curitibana, da qual Gustavão fez parte) era algo adaptado, um Psychobilly diferente do que a gente via que estava surgindo na Europa”, relembra Gustavão.

O grupo nasceu, justamente, dessa vontade de dar uma nova roupagem ao Psychobilly. “Eu tinha acabado de sair do Missionários, o Vlad estava parado com o Cervejas… Eu já gostava do jeito que o Vlad tocava e a gente se conhecia há muito tempo. Então, começamos a ensaiar com um cara e acabou não dando certo. Foi aí que o Coxinha acabou entrando. Ele era menino de tudo, tinha 17 anos, e se adaptou perfeitamente”, conta Gustavão.

Mas nem a banda esperava que as portas se abririam tão rapidamente e de uma forma tão inesperada. Tudo aconteceu porque, nos anos 1980/1990, para conseguir material inédito, era comum as pessoas encomendarem LPs diretamente das gravadoras internacionais. E acabou sendo por meio dessas encomendas que a banda conseguiu contato com uma grande gravadora, a Fury Records.

Em uma dessas conversas, em 1997, surgiu o convite para tocar, simplesmente, no festival que era considerado o maior do universo Psychobilly. “Quando a gente montou a banda, nós já conseguimos um bom contato e recebemos um convite para tocar na Inglaterra no Big Rumble! Isso fez com a gente ficasse desesperado e corresse atrás do prejuízo. Começamos a ensaiar feito uns condenados. Todo dia tinha ensaio! Eu acho que esse foi o pontapé inicial e, por isso, as coisas começaram a dar tão certo. Nós trabalhamos muito nesse começo, tivemos muita dedicação”, diz Gustavão.

O som dos Catalépticos, desde o seu início, se mostrou extremamente pesado. Ainda mais para um estilo que, em sua essência, usa muito a melodia e as guitarras limpas. Obviamente, quando foram se apresentar no Big Rumble, em 1997, a ousadia dos curitibanos não passou despercebida em sua primeira aventura na Europa. “Nós tocamos para um público que gostava de Psychobilly clássico inglês. Eles ficaram nos olhando, de boca aberta, sem entender o que estava acontecendo”, conta Coxinha. “De alguma maneira, nós estávamos vilipendiando o Psychobilly, levando elementos que não eram muito usuais. Os ingleses são muito mais puristas do que em qualquer outro canto do mundo. Foi engraçado”, complementa Gustavão.

Mas as lembranças dessa primeira incursão pelo Velho Mundo não param por aí. “Quando fomos começar o show, não tinha distorção para a guitarra. Além disso, me deram uma baqueta fininha, porque não tivemos tempo de levar nada. Eu toco com uma baqueta 2B, mais grossa, então, eu quase não conseguia tira som”, conta Coxinha. “Mesmo assim, foi tesão pra caralho o fato de você subir em um palco na Inglaterra. Hoje em dia é mais normal, mas naquela época não era. A única banda que tinha saído do Brasil era o Sepultura. Ninguém saía do país para tocar”, complementa Gustavão.

Essa aventura fora do país também rendeu uma forte amizade com a banda holandesa Cenobites, que se mantém até hoje. “Eles chegaram com um monte de cerveja depois do show, entusiasmados, falando que tinham adorado o som”, conta Vlad. “Eles ficaram o tempo todo em frente ao palco pirando”, diz Coxinha. “Eles eram os caras do psycho nervoso na Europa, assim como o Chibuko. Nós temos uma relação muito forte com eles até hoje”, complementa Gustavão.

A relação de respeito e admiração entre as duas bandas era tanta que rendeu até uma turnê inteira pela Europa no ano 2000. “A esposa do Peter (baixista do Cenobites) marcou todos os shows e levou a gente de carro a todos os locais”, conta Gustavão. “Nós fomos uma grande influência pra eles no sentido de levar a coisa a sério, se profissionalizar. O Peter sempre falava pra gente: ‘Vocês levam o Rock a sério!” (risos)”, relembra Coxinha.

Mas, se no show na Inglaterra, o público se dividiu entre a surpresa e o entusiasmo com o som dos Catalépticos, o mais importante foi a reação do pessoal das gravadoras que tinham convidado a banda para se apresentar na Inglaterra: a Fury Records e a Nervous Records. “Eles eram caras mais velhos, rockabillies dos anos 1950. Logo depois do show, eles vieram falar conosco e disseram: ‘Que legal, muito bom! Vocês parecem uma mistura do Demented Are Go com a velocidade do Klingonz! O nome da banda é sonoro, parece um rolo de bateria: ‘Os Catalépticos’ (risos). Eles chegaram e já falaram ‘vamos gravar um álbum’! Foi aí que tudo começou”, diz Coxinha.“Eles tiveram visão. Dentro do universo deles, era tudo contra, mas eles bancaram a coisa”, complementa Gustavão.

O álbum de estreia, “Little Bits of Insanity”, foi lançado em 1998 pela Fury Records e, logo de cara, chamou a atenção do público europeu. “Nós permanecemos durante muitos meses entre os cinco mais vendidos da gravadora. Chegamos, inclusive, a ficar em primeiro”, diz Gustavão.

Essa enxurrada de escolhas certas levou a banda, rapidamente, a ser um dos destaques do cast da Fury Records. “Foi uma série de circunstâncias que empurraram a gente. Além do trabalho, pois nós investimos muito no começo, dá pra dizer que a gente teve muita sorte com relação ao caminho que escolhemos: um bom selo, um bom festival e um bom contato. Depois, a Fury e a Nervous caíram um pouco e surgiu um outro selo alemão chamado Crazy Love. Como a gente já estava ali, acabamos lançado o segundo álbum com eles. Nós sempre lançamos os nossos trabalhos por selos de ponta. Foi muito bacana. Nós tivemos sorte, o trabalho também ajudou, enfim, foi uma época muito boa”, diz Gustavão.

Mas, na verdade, os Catalépticos causaram ainda mais impacto nos Estados Unidos, especificamente na Califórnia, onde o grupo se apresentou em 2002, 2004 e 2006. “Foi ali que o negócio realmente pegou. Nós fomos headliners em todas as vezes que tocamos lá, com suporte de banda grande. Aí a coisa explodiu”, afirma Gustavão. “Na cena de lá, nós temos mais público até que as bandas mais velhas”, complementa Coxinha. Em 1998, a banda voltou ao Big Ramble, mas, dessa vez, como um dos destaques. “Nós fomos em uma situação um pouco melhor e, aí, a coisa começou a andar bem”, conta Gustavão.

Depois do debut “Little Bits of Insanity”, os Catalépticos lançaram mais cinco trabalhos: “From Beyond the Grave” (1999), EP que saiu em CD e vinil no Japão, “Zoombiefication” (2002), “Psycho Path Fever” (2003) EP, “One More Tattoo” (2005) e “Morto Ao Vivo – Ao Vivo Na Garagem Que Grava” (2005).

O grupo acabou em 2006, de forma inesperada para os fãs. “Eu acho que nós estávamos no auge, na ponta dos cascos, mas existiam algumas coisas que atrapalhavam. A minha situação, principalmente, era muito complicada porque eu estava com dois filhos pequenos. Então, a gente resolveiu terminar de cabeça erguida. Nós nunca pensamos em uma volta”, afirma Gustavão. “Depois, o Vlad e o Coxinha fizeram os esquemas deles e nós passamos praticamente onze anos sem conversar. Eu acho que isso deve ter passado uma impressão estranha para as pessoas, como se nós estivéssemos brigados. Não era o caso. A gente só não teve mais contato”, complementa.

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O reencontro nos palcos

No ano passado, durante a 17ª edição do Psycho Carnival, o Catalépticos relançou em vinil, pela Neves Records, o seu primeiro álbum, “Little Bits of Insanity”. A partir dali, vendo a repercussão que esse encontro tinha causado, o trio começou a pensar na possibilidade de uma reunião. “Quando a gente foi fazer esse relançamento, as pessoas olharam as fotos e devem ter pensado ‘olha só, os caras estão se falando, vamos ver se dá para armar uma volta’. Então, o pessoal da Califórnia fez um convite maravilhoso, irrecusável”, conta Gustavão. “Não teve obstáculo nenhum para essa volta. O único senão, em minha opinião, era o fato de que fazia praticamente onze anos que eu não tocava baixo. Mas nada que um pouco de ensaio não resolvesse”, complementa.

Além dos shows dos dias 9, 10 e 11 nos Estados Unidos, a banda também participará de uma noite de autógrafos em uma loja de discos. E, para se ter uma ideia do respeito que o trio desperta, ainda haverá um show tributo só com bandas norte-americanas tocando músicas dos Catalépticos. “É uma homenagem que eles vão prestar para a gente, uma coisa muito foda!”, diz Gustavão.

Mas, mesmo com as apresentações marcadas nos Estados Unidos, faltava alguma coisa. Estar ao lado, novamente, do público da sua cidade, era um combustível que não podia faltar para pôr fogo definitivamente nessa fogueira. “A princípio, nós acertamos só essas duas apresentações. Mas como projetamos que já estaríamos bem ensaiados, seria ridículo não fazer um show aqui. Nós precisávamos fazer! Então, acertamos que faríamos essa apresentação no mesmo palco onde tocamos pela última vez”, diz Gustavão.

E o mais interessante é que, com todo o entusiasmo desse reencontro, de certa forma inesperado, a história dos Catalépticos ainda pode voltar a ser contada. “Se for para a gente se juntar ainda mais e trabalhar, vamos embora. Eu torço para que tudo dê certo, que os shows sejam bons e que, de repente, a gente possa fazer mais apresentações, gravar um disco novo…”, opina Gustavão.

Todo esse alvoroço em torno do reencontro surpreendeu até os integrantes da banda. Afinal, já se passaram onze anos desde o fim do grupo. Porém, ainda parece existir uma chama que tomou força nos últimos meses e, quem sabe, pode render mais frutos. “Particularmente, eu estou gostando muito. Pelo que temos visto nas redes sociais, a receptividade para esse retorno vem sendo muito boa. Muito maior do que eu pensei que seria. A procura pelos ingressos me surpreendeu muito. Eu tinha uma visão muito mais simples dessa volta. Eu achava que fizemos um bom trabalho, mas acabou. Tudo mudou. O underground não tem passado, nós nunca olhamos muito para trás. A repercussão da notícia da reunião foi surpreendente”, diz Gustavão. “Nós não fechamos nenhuma porta e também não projetamos nenhum plano. Vamos ver o que vai acontecer nesses shows e se a gente ainda está em forma”, finaliza.

Levando em conta o público que lotou o Jokers, a recepção dos fãs e a performance da banda, é mais do que necessário ter os Catalépticos de volta ao circuito internacional. Confira um vídeo do show e o nosso álbum de fotos da apresentação.

Os Catalépticos - Jokers - 04/11/2017