Texto: Marcos Anubis
Revisão: Pri Oliveira
Fotos: Pri Oliveira e Rodrigo Daryan

35361943952_c456ab89dc_o

Fernando Magalhães (guitarra) e Rodrigo Santos (baixo) possuem uma carreira consistente como integrantes do Barão Vermelho, uma das maiores bandas de Rock’n’roll do Brasil. Mas a amizade dos dois, que já passa dos 25 anos, também sempre foi pautada por um mergulho em outros caminhos musicais.

Agora, a dupla acaba de lançar o álbum “Efeito Borboleta”, o primeiro trabalho de uma trilogia que deve ter continuidade nos próximos anos. O CD foi gravado em apenas seis dias nos estúdios King Rock e Jam House, no Rio de Janeiro, entre dezembro de 2016 e janeiro de 2017.

Capa Efeito Borbo

São 15 músicas inéditas, todas criadas por Rodrigo Santos e Fernando, que também assinam a produção. A mixagem ficou a cargo de Márcio Gama e a masterização foi de Ricardo Garcia.

Além de Rodrigo Santos (baixo, vocal, violão de 6 e 12 cordas e backing vocais) e Fernando Magalhães (guitarra e violão de 6 cordas), o CD também contou com Humberto Barros (teclados) e Lucas Frainer (bateria).

A mixagem do álbum lembra muito alguns trabalhos dos Stones, como o clássico “Exile on Main St” (1972). O som é cru e carregado de drive nas distorções, como se a banda estivesse tocando em algum bar de Nova Orleans nos anos 1970. “Mesmo sem querer, acabamos indo para o lado de alguma banda que trazemos como influência, e os Stones são uma das mais fortes e diretas. É claro que discos como o ‘Exile on Main St.’, o ‘Tattoo You’ e o ‘Black and Blue’ são espetaculares. Para nós, é um grande elogio e uma honra escutar isso de você”, agradece Rodrigo.

As nuances obtidas no álbum, portanto, são resultado das influências de cada um, que são calcadas, essencialmente, nos grandes nomes do Rock’n’roll. “Na verdade, tocamos como nossos ídolos tocam. Eu tinha isso na cabeça, a ideia de gravar rápido no estúdio, como faziam Bob Dylan, Stones… Os timbres são particulares. Quando o Fernando toca, ele já vem com o melhor do Rock embutido na mente. Sempre soará maravilhoso, pois suas influências e sua pegada de guitarra são precisas dentro desse universo ‘stoneano’. Eu tenho as mesmas manias”, complementa o baixista.

Já na visão de Fernando, o álbum tem algumas características bem singulares. “É uma mix bem rasteira. Não é limpa, é urgente, tão cheia de pequenos detalhes que até nós mesmos estamos descobrindo coisas novas (risos). Acho a comparação com o ‘Exile on Main St.’ muito bem colocada. É um álbum com um sonzão, mas não é limpo. Ele saiu assim”, analisa.

O processo de gravação do CD levou Rodrigo, inclusive, a explorar outros timbres de baixo. “Escutei muito Bill Wyman, Paul McCartney, Chris Squire e, agora, gravei com um baixo Rickenbaker pela primeira vez. Convidamos o Marcio Gama para mixar porque ele também é do mesmo universo que a gente. Ele já mixou discos do Barão, inclusive, então, foi uma mistura dos nossos timbres, do timbre da bateria do Lucas (o que achamos maravilhoso, pois cabia com tudo isso que queríamos) e dos pianos do Humberto Barros. Os dois também são fãs dos Stones e isso ajudou muito a chegar nesse resultado”, diz o baixista.

O álbum foi gravado em apenas seis dias e nasceu da união da criatividade e da experiência de Rodrigo e Fernando. “Digamos que 90% foi criado dentro do estúdio. O que tínhamos antes eram músicas inacabadas, de voz e violão. Dois dias antes de entrar no estúdio, elas foram pré-ajeitadas um pouco por mim e pelo Fernando aqui em casa. Juntamos músicas dele com letras minhas e vice-versa, mas totalmente cruas, ainda. Foi no estúdio que o bicho pegou”, diz Rodrigo. “Fizemos rascunhos e esboços nas nossas casas, separados e juntos, mas foi no estúdio que sacramentamos os arranjos e demos corpo, luz e vida às canções”, complementa Fernando.

Esse processo de criação e lapidação também envolveu os textos das canções. “Eram 70 letras e eu levei todas para o estúdio. Jogamos nas cadeiras e no chão e escolhíamos qual seria gravada naquele momento. Passávamos a ideia para o Lucas e ele já captava o que fazer. Inclusive, no meio da música (muitas foram gravadas de primeira) nos olhávamos e no microfone alguém falava ‘faz aquela virada na caixa, no tom, etc.’ Algumas canções eu gravei no violão de 12 cordas, junto com a guitarra e bateria. O violão empurrava a canção. Depois eu colocava o baixo, sozinho. Em outras, fomos clássicos: baixo, bateria, guitarra e voz-guia. Gosto muito do resultado”, complementa Rodrigo.

O baixista acredita, inclusive, que algumas das canções que entraram no álbum poderiam fazer parte do repertório do Barão Vermelho. “A ‘Juntos de novo’, a ‘Um novo recomeçar’ e a ‘Mano’ poderiam ser perfeitamente de um disco do Barão. Outras não, pois eram bem específicas do nosso projeto em dupla, de nossas influências musicais dentro do Rock, como Men at Work, Stones, Peter Frampton, Neil Young e Police. Não quisemos esconder as influências e sim escancará-las” complementa.

Rodrigo Santos & Fernando Magalhães – Efeito Borboleta (Álbum Completo) (2017)

Rodrigo Santos & Fernando Magalhães juntos no álbum Efeito Borboleta! Lançamento: Coqueiro Verde Records

Título e letras

Além do cuidado com cada instrumento, outros aspectos do CD também receberam o mesmo esmero. O título do álbum, por exemplo, faz parte de uma ideia de conscientização que Fernando e Rodrigo queriam passar aos fãs. “É um momento de reflexão, de alerta. O título fala sobre as nossas atitudes que, em qualquer lugar do planeta, influenciarão de alguma microforma todo o funcionamento dele. Mude você e o mundo mudará. Essa é a principal mensagem que tentamos passar. Por isso, o disco tinha de ser gravado em poucos dias, tocando todo mundo ao mesmo tempo, se olhando, mostrando que tudo pode ser feito desde que haja amor e foco envolvidos. O baterista Lucas Frainer foi fundamental para esse clima que precisávamos. Ele é uma pessoa do bem, talentosa e que entendia a urgência roqueira da mensagem do disco”, avalia Rodrigo.

Fernando, por sua vez, liga o título do CD, também, ao aspectos mais filosóficos da existência humana. “O caos e as coisas simples da vida, sincronizadas com tudo e todos. Nós conversávamos muito sobre a grandiosidade do universo e quão ínfimos e preciosos somos diante de tudo. Quão frágeis somos diante do todo e responsáveis pela a situação que vivemos e criamos para nós mesmos”, complementa.

Algumas letras do álbum, principalmente as da faixa-título e da “A magnitude da nossa insignificância”, são bem críticas em relação à sociedade atual. “Políticos brigam por poder e cobiça. No ar sentimos o mesmo cheiro de carniça. Transformações no estado e na polícia repetem o mesmo discurso extremista”, diz a letra de “Efeito borboleta”, por exemplo.

Encarar de frente essas mazelas era, claramente, um dos objetivos da dupla. “Essa era uma das intenções desse disco. Quando escrevi a letra de ‘Efeito borboleta’, eu sabia que precisaria de uma música meio caótica, um Rock deslavado, e pedi isso ao Fernando quando nos juntamos. A letra era muito contundente, um reflexo do que estamos vendo no mundo em real time. Está acontecendo um retrocesso enorme diante de nossos olhos, em todos os campos. Resolvi escrever de uma maneira geral, sobre o mundo, o efeito que é sentido na grande ‘engenhoca planetária’ em que estamos apenas hospedados por um tempo”, explica Rodrigo.

“A Magnitude da nossa insignificância” também procura olhar o ser humano de outro ponto de vista. “Ela é uma visão cósmica, uma lente lá de cima olhando a nossa ‘engenhoca’ chamada Terra. Somos apenas um microponto do universo. O caos que acontece aqui é um microchip de um computador infinito. O ser humano − não em sua totalidade, claro − consegue estragar o que de mais valioso temos na vida: a natureza. Sem ela não seremos nada. Enfim, talvez seja da ‘natureza humana’. Nós criamos a parte instrumental mais focada em um caos psicodélico cósmico”, diz Rodrigo.

Esse tipo de preocupação com as letras das canções, aliás, é uma das características mais marcantes da “geração 1980”, da qual Rodrigo e Fernando fazem parte. “Eu acho que meu amigo estava com uma caneta afiada. Sempre nos interessamos por letras com conteúdo, sempre ouvimos e convivemos com grandes compositores, entre eles, o Cazuza, o Renato Russo, o Lobão, etc., e temos esse cuidado. As canções desse álbum são profundas e rebuscadas”, complementa Fernando.

No início das gravações de “Efeito Borboleta”, a dupla tinha 70 letras para serem musicadas, todas escritas por Rodrigo. A escolhida para ser o carro-chefe do álbum foi, justamente, “Efeito borboleta”. É ela que dá o tom do disco. “A letra sugeria um Rock cru, direto e sem muita firula, pois também era um desabafo sobre o ser humano e o caos no planeta. Eu e Fernando somos essencialmente roqueiros de todas as vertentes do Rock, do Blues e Folk ao Hard Rock. Então, a faixa-título, além de abrir o disco, teria de sair de dentro da nossa alma roqueira. Somos eternamente do Rock”, diz Rodrigo. “Ela tem a ver com a loucura em que a humanidade se meteu. Ela se esqueceu de que tudo é interligado e se move com sincronia. Nada está separado e nossas ações influenciam o mundo ao redor”, complementa Fernando.

O psicólogo suíço Carl Gustav Jung falava sobre a teoria da sincronicidade, afirmando que os fatos têm ligação não por uma relação causal, mas por uma relação de significado. Seguindo esse pensamento, o The Police, uma das maiores influências musicais da dupla, batizou seu último álbum, lançado em 1983, como “Synchronicity”. Essas referências parecem, talvez até inconscientemente, fazer parte desse primeiro trabalho de Fernando e Rodrigo.

Mas além do viés crítico, o álbum também tem uma homenagem a um grande parceiro e amigo. “Mano” é uma clara referência ao percussionista do Barão Vermelho, Peninha, que faleceu no final do ano passado. “O dia em que o Peninha morreu foi muito triste para nós. Ele era um amigaço do peito, muito querido por todos. Foi uma porrada na cara. Eu escrevi duas letras nesse dia e uma delas foi a ‘Mano’ (que era o apelido do Peninha dentro do Barão). É uma canção de amor para um dos caras mais amorosos e corajosos que eu já conheci”, conta Rodrigo.

Com essa carga emocional envolvida na construção da música, ela acabou surgindo de forma muito natural. “Estávamos ensaiando para um show e o Fernando tocou um Blues que ele tinha. Cantei a letra de ‘Mano’ em cima da base dele e ficou perfeita. Eu, o Fernando e o Peninha tínhamos uma ligação muito forte dentro da engrenagem do Barão. Éramos muito unidos e um organismo à parte dentro da banda. E acho que Pena gostaria dessa canção. Nós ficamos muito orgulhosos de tê-la composto. É a minha favorita no disco, em termos emotivos”, complementa o baixista.

Fernando também demonstra o seu orgulho pela homenagem ao amigo. “O Peninha era um músico fabuloso e um amigo daqueles que você não sai impune se conviveu com ele. O Rodrigo fez esta letra, um poema lindo, e eu coloquei alguns acordes. Ficou um Blues bem de lamento, mas irreverente, bem com ele era”, diz.

rodrigo.daryan2

Trilogia

O álbum deve ter continuidade, pois ele foi pensado para ser o primeiro de uma trilogia. No momento, porém, Rodrigo e Fernando estão trabalhando em composições para o novo disco do Barão Vermelho, que deve começar a ser gravado no início de 2018. “Estamos compondo muito para o Barão, mas temos as nossas coisas guardadas, também. Afinal, no Barão somos cinco compositores, dividiremos as composições variadamente. Tem música de todo mundo com todo mundo. Todos estão muito ‘férteis’ (risos). O fato é que eu e o Fernando nos descobrimos em dupla como compositores, também, com esse disco. Eram 30 músicas, entraram 15 e já temos mais umas 20. Então, depois do CD do Barão ser devidamente lançado e divulgado, podemos continuar esse nosso projeto paralelo tão prazeroso de fazer. É música em sua essência mais pura”, explica Rodrigo.

Na visão de Fernando, o sucessor de “Efeito Borboleta”, quando for lançado, também não será afetado por nenhuma interferência ou obrigação comercial. “Acho que estamos livres para fazer discos que primeiro agradem a nós mesmos. Este é o grande barato de termos ouvido artistas livres e que consideramos de bom gosto. Vamos seguir esta linha, ou seja, tocar o que gostaríamos de ouvir e colocar no caldeirão todas as nossas influências. Vão seguir o nosso feeling do momento”, diz Fernando.

Recentemente, a dupla acabou de retomar o trabalho com o Barão Vermelho. Após quatro anos fora da estrada, o grupo resolveu voltar aos palcos. Com a recusa de Roberto Frejat,  a banda convidou Rodrigo Suricato para assumir os vocais e guitarras. A turnê, inclusive, começou em Curitiba no mês passado. Você pode ler a cobertura do show neste link.

Mesmo animadíssimos com a volta do Barão, a dupla planeja, ao mesmo tempo, fazer shows para divulgar o novo álbum. “Dentro de uma agenda coordenada, dá pra fazer de tudo. Afinal, estamos muito felizes com esse disco. Não seria bom largá-lo no meio do nada. Vamos tentar chegar no maior número de lugares possíveis com ele”, diz Rodrigo. “Uma coisa alimenta a outra,estamos sempre compondo e fazendo música, não em um único reduto, mas com parcerias diversas. Adoramos o palco e este disco vai ficar bom ao vivo”, complementa Fernando.

“Efeito Borboleta”, na realidade, também é a consumação de uma grande amizade. Afinal, Rodrigo e Fernando são parceiros de música e de vida há 25 anos e, nesse ¼ de século, os dois viveram muitas histórias juntos. “A abertura de cinco shows dos Rolling Stones na turnê do ‘Voodoo Lounge’, as quatro edições do Rock in Rio em que tocamos juntos (três na minha carreira solo e uma com o Barão), os três prêmios da música que ganhamos com o Barão no Teatro Municipal, enfim, vivemos muita coisa”, diz Rodrigo.

O baixista acredita que as inúmeras afinidades com Fernando influenciam positivamente na hora de compor ou se apresentar. “Somos fãs de quadrinhos, de Tintim, Asterix, Lucky Lucky e temos muito humor no dia a dia, que vem de frases ou observações desses quadrinhos. Isso é muito legal! O humor está sempre em alta. Também gostamos muito de Neil Young, Beatles, enfim, temos muitas afinidades musicais. O Fernando é um cara muito doce, alegre, amoroso, um gentleman, um amigo e parceiro, além de ser o melhor guitarrista que conheço”, elogia o baixista.

Na esteira dessa admiração mútua, Fernando ressalta que esse tipo de convivência ensina lições diariamente para ambas as partes. “Fizemos tantos discos e shows juntos que perdemos a noção de espaço e tempo. Passamos por tantas coisas no Barão, nas nossas carreiras e na vida fora da música que fica até difícil eleger algo mais importante. Tocarmos juntos, esse já é o grande acontecimento”, complementa Fernando.

“Efeito Borboleta” se mostra um trabalho desconectado do Barão, uma forma de Rodrigo e Fernando mostrarem outras faces da música e da arte da dupla. “Temos o DNA do Rock de uma maneira geral. Somos muitas coisas separados e, juntos, somos outra coisa. Diferentemente de tudo que já fiz, esse disco saiu direto, papo reto. No Barão, temos uma forma de funcionar. No meu trabalho solo, nos discos instrumentais do Fernando e em dupla, temos outras”, diz Rodrigo.

Ao mesmo tempo, a alma roqueira dos dois parece mais presente do que nunca. “Somos essencialmente defensores do Rock’n’roll. Podemos fazer tudo o que sempre desejamos, da maneira mais simples e eficiente possível, sem perder a identidade ou ficar mecânico. Nós somos isso aí que o disco passa. Muitas influências, espontaneidade, musicalidade e, o principal, sem interferências, tudo da nossa maneira. Respiramos Rock cru e direto e colocamos isso no trabalho em dupla, também”, diz Rodrigo. “Temos várias facetas artísticas. Na verdade, há uma conexão ao mesmo tempo escancarada e tênue, entre tudo, mas sempre vamos tentando coisas novas, calcadas em nossas raízes. Somos um caldeirão de coisas novas e inusitadas e de uma fidelidade ao velho e bom Rock’n’roll que é a maior injeção de vida que o homem já criou”, finaliza Fernando.