Texto: Marcos Anubis
Revisão: Pri Oliveira
Foto: Luciana Petrelli

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Um dos grandes destaques da atual cena musical curitibana é a Mulamba. Formada por seis mulheres, a banda vem chamando muito a atenção da mídia nacional com uma forma muito particular de abordar o universo feminino de maneira inteligente e forte.

Amanda Pacífico e Cacau de Sá (vocais), Érica Silva (guitarra), Fer Koppe (cello), Naíra Debertolis (baixo) e Caro Pisco (bateria) formaram a banda em 2015 despretensiosamente. “O objetivo inicial foi fazer um show cover da Cássia Eller para levantar uma graninha no final do ano. Depois, tudo foi acontecendo sem grandes objetivos. Fomos apenas vivendo, compondo, entrando em um mundo novo para muitas de nós, e aquilo que estava travado, de certa forma, foi se soltando, ganhando forma e virando música”, conta Fer Koppe.

Em 2017, em uma votação pela internet, a banda foi escolhida pelo público para participar da programação do Vento Festival, que aconteceu no município de São Sebastião, no litoral de São Paulo. Além do show, como prêmio, o grupo ganhou a gravação de um álbum. O CD, autointitulado, foi produzido no estúdio da Red Bull, na capital paulista, com produção de Erica Silva, e colocou a Mulamba no mapa da música brasileira. A capa foi criada pela artista curitibana Katia Horn.

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A repercussão

Com o álbum de estreia recebendo elogios em todo o país, outro grande impulso na curta carreira das curitibanas foi o clipe da música “P.U.T.A.”. Gravado no HAIstudio, em Curitiba, com produção de Leticiah Futata e Luciano Meirelles, o vídeo já passou a impressionante marca de 3 milhões de visualizações no YouTube. “Ter um vídeo com essa quantidade de visualizações sobre algo tão forte nos tocou muito também. É difícil dizer que buscamos algo quando escrevemos uma música. Nós sentimos e, muitas vezes, sentimos por mais pessoas, com base em histórias. Talvez isso tenha servido como um alerta, um grito de mais pessoas do que imaginávamos, e isso é muito sério”, analisa.

Um fator que chama a atenção no álbum de estreia da Mulamba é forma contundente com que as faixas do CD foram gravadas. Afinal, nem sempre a força de uma música é passada de maneira “real” quando ela é registrada em estúdio. É muito comum que canções que nasceram com um impacto forte não sejam gravadas com o mesmo punch,  principalmente por bandas que estão estreando.

Dentro desse contexto, as faixas do álbum realmente conseguem passar a mensagem que a banda queria. “Fizemos um trabalho conjunto e sincero. Quando entramos no estúdio, queríamos que as pessoas sentissem junto aquilo que estávamos abertas a compartilhar. É uma experiência bem diferente do ao vivo, mas também muito importante, é onde os detalhes entram em ação. Ali é onde o tempo e a pressão, enfim, tudo tem que caminhar de um jeito tranquilo para que a gente consiga passar todo o peso e importância que a música tem para nós e para as pessoas que nos acompanham e fazem com que isso tudo continue caminhando”, afirma.

O som da Mulamba tem uma pegada bem interessante que mistura peso (com um toque de Metal e de Hard Rock, principalmente nas guitarras) e percussão. Entre as influências da banda, Koppe cita vários artistas, que vão da cantora Rita Lee ao argentino Astor Piazzolla, passando pelo trio curitibano Tuyo e pela cantora Elza Soares, entre outros. “É uma lista maravilhosamente interminável”, diz.

Outra característica do grupo é a performance e a atitude que salta aos olhos como uma parte importante na concepção musical e estética da Mulamba. “É o que nós somos. As coisas não são tão pensadas assim na forma como devemos agir, ou falar ou interpretar. Cada uma tem algo dentro de si que surge, conversa e comunica. A importância é passar algo real. Se fosse regrado não faria sentido”, afirma.

O resultado final desse trabalho de atacar lírica e musicalmente as questões que envolvem a realidade feminina no Brasil e no mundo foram músicas que passam uma mensagem que precisa ser ouvida. “Somos seis mulheres na banda. Nossa própria vivência traz muitas questões à tona, além de sempre compartilharmos muitas outras histórias com outros femininos ao nosso redor. Buscamos falar o que rola na vida real, como a violência, os estupros e o amor entre femininos. Enfim, sabemos que as questões são intermináveis e, conforme vamos conhecendo, também vamos compartilhando”, explica.

Ainda curtindo a repercussão do álbum de estreia, o grupo  já vislumbra a possibilidade de um novo trabalho. “Por enquanto, estamos pensando nas músicas novas que estão na gaveta e serão compostas, transformadas e lapidadas. Atualmente, o processo de criação está nos chamando e que consequentemente pode virar um segundo álbum ou o lançamento de singles. Logo descobriremos. Cada coisa no seu tempo”, revela.

Abordar temas com tamanha relevância em uma cidade que, tradicionalmente, é conservadora (e isso se reflete na cena musical como um todo, do Pop ao Heavy Metal), não deixa de ser um ato de coragem. Afinal, a proposta musical e lírica da Mulamba envolve várias questões que ainda necessitam de muita conscientização por parte da sociedade brasileira. “As pessoas de Curitiba nos abraçam, mas a prefeitura não. Já vimos amigos músicos sendo violentados pela polícia por estarem fazendo sua arte na rua. A cidade trava desde sons na rua até a liberação de espaços que envolvem a arte. Isso é uma pena, pois muito se perde e se dispersa. A cidade ‘modelo’ acaba sendo modelo para quem mesmo? Mas onde tem repressão há resistência, e existem muitos artistas maravilhosos em Curitiba movimentando a cena e com muitos planos para a cidade. Não sei dizer se mudou algo ou se vai mudar, talvez o número de pessoas que conheceram a Mulamba aumentou, mas o contato, o carinho, a atenção e as trocas serão sempre os mesmos. Independentemente da repercussão, Curitiba é a cidade que nos uniu, é uma cidade importante na nossa caminhada”, analisa.

Com todas as transformações nem sempre positivas que a sociedade brasileira vem passando, bandas como a Mulamba se tornam ainda mais importantes para abordar essas questões. “Toda forma de arte é importante. Quando passamos por momentos críticos como da nossa política atual, precisamos de um levante, precisamos fazer com que a arte e as pessoas se unam, conversem, compartilhem e entendam para que o governo não jogue sozinho, não tome as atitudes que julgue como certas. Isso é muito sério, e enquanto estiverem desrespeitando tudo aquilo que vem sendo construído, nós resistiremos”, finaliza Fer Koppe.