Texto e fotos: Marcos Anubis

A música te proporciona momentos mágicos que podem ser construídos de várias formas diferentes. Os fãs curitibanos que foram neste sábado (23) no Espaço Cult ver a banda inglesa The Mission esperavam um grande show, por conta de toda a carreira que o grupo construiu em quase três décadas de estrada. E por uma série de motivos todos acabaram vivenciando um momento histórico na carreira do quarteto, para o bem e para o mal.

A “má sorte” do Mission começou no show no Rio de Janeiro, que aconteceu na quarta-feira (21), quando o baixista Craig Adans levou um choque elétrico tão forte que o músico chegou a ser arremessado no palco. Na viagem para Curitiba a guitarra de Simon Hinkler foi extraviada e um novo instrumento foi providenciado. A banda também exigiu que uma grade de contenção fosse colocada em frente ao palco para proteger os músicos. O motivo alegado é que no show do dia 14 de agosto em Lima, no Peru, um fã agarrou e derrubou o vocalista Wayne Hussey.

O show em Curitiba, que encerraria a turnê sul-americana, estava marcado para às 22h. A passagem de som começou às 20h30, mas por conta de vários problemas técnicos no palco, a equipe de som do grupo não conseguiu equalizar os instrumentos da forma desejada. Depois de várias tentativas, a banda foi para o camarim visivelmente irritada. O mais transtornado era o agente do quarteto. Com o risco iminente de o show ser cancelado, uma reunião foi realizada e ficou acertado que o grupo tocaria, mesmo com todas essas dificuldades.

Já passava da meia-noite quando a banda subiu ao palco, acompanhada do seu técnico de som, que é brasileiro e participou de toda a mini turnê do quarteto pela América do Sul. Ele se dirigiu ao público de forma bem direta: “Nós chegamos aqui para passar o som às 20h30 e até agora não conseguimos um som satisfatório nem para a banda e nem para vocês. Esse show deveria ter sido cancelado, mas em respeito a vocês a banda decidiu tocar tanto o quanto esse equipamento aguente”, disse. Algumas pessoas chegaram a ficar por mais de duas horas na fila fora do Espaço Cult, o que fez com que o anúncio fosse um alívio para o público que estava temendo que o show não acontecesse.

A partir daí, aos primeiros acordes de “Beyond The Pale”, teve início uma noite que banda não vai esquecer. Como em um passe de mágica, toda a aura pesada que estava envolvendo a passagem do Mission por Curitiba se desfez, dando lugar a o que foi certamente uma das melhores apresentações dos quase 30 anos de história do grupo. No palco, uma enorme bandeira com a capa do álbum “Gods Own Medicine” (1986) fazia o pano de fundo para os músicos. Do lado esquerdo, uma bandeira do Liverpool com o nome da banda e a data de sua criação, 1986, “decorava” o amplificador usado pelo vocalista Wayne Hussey.

O quarteto misturou grandes sucessos de sua carreira, como “Severina” e “Wasteland”, dois dos maiores clássicos da década de 1980 e que foram recebidas de forma entusiasmada pelo público, a músicas de seu mais recente álbum, “The Brightest Light”, lançado no ano passado, como “Swan Song” e “Everything But The Squeal”.

Um dos momentos mais especiais do show foi a balada “Butterfly On A Wheel”, do álbum “Carved In Sand” (1990). “Prata e ouro, está aumentando o frio. As folhas do outono caem pesadas como ladrões. Arrepios correm por sua espinha, te gelando intensamente. Porque o som do vento, feito um bandolim, é a melodia que transforma seu coração em pedra”, diz a letra.

Na volta para o primeiro bis, Wayne cantou à capela a música “You’ll Never Walk Alone”, uma espécie de hino não oficial que a torcida do Liverpool canta em todos os jogos do clube. Na sequência, ainda sozinho no palco, o vocalista interpretou a belíssima “Like A Child Again”, somente com voz e guitarra, e o clássico “Stay With Me”.

Com a banda de volta ao palco, devidamente apresentada por Wayne, Simon Hinkler (guitarra), Craig Adans (baixo) e Mike Kelly (bateria), o quarteto mandou mais dois petardos da carreira do Mission: “Blood Brother” e “Deliverance”.

“Tower Of Strenght” fechou o show. Durante a música, o baixista Craig Adans subiu em um dos PAs do palco e tocou a música inteira lá em cima. Na descida, Adans caiu e saiu mancando, mas sorrindo com a certeza de que o quarteto deu o seu melhor e conseguiu superar as dificuldades que antes do show pareciam intransponíveis.

A visão dos fãs

A noite de sábado no Espaço Cult tinha tudo para dar errado em função de todos os problemas pelos quais a banda passou. O que aconteceu foi justamente o inverso, uma grande apresentação que aumentou ainda mais o respeito dos fãs pelo The Mission. “O show foi maravilhoso e eles foram extremamente profissionais e respeitosos com os fãs. Nenhuma banda tocaria com aquele som que mais parecia um notebook no último volume. O repertório estava sensacional e o carisma do Wayne foi sublime”, disse o profissional autônomo Joel Zolnier.

Apesar da boa vontade de Wayne Hussey e sua trupe, a noite não teria sido tão especial, e provavelmente a apresentação não teria acontecido, se não fosse a paciência e o entendimento do público. “Acho que o show foi uma atividade coletiva, um ritual, um pacto entre a banda e o público tentando dar jeito nos erros. Depois que eles tocaram ‘Like A Hurricane’ a apresentação poderia ter acabado porque que eu já estava feliz”, brinca a jornalista Katy Mary.

A banda se retirou rapidamente do Espaço Cult e não atendeu o público que esperava um autógrafo ou uma foto com seus ídolos. Mesmo assim, na entrada da van que levou o quarteto para o hotel, um grupo de fãs fez um corredor para que os músicos passassem e os aplaudiu efusivamente, agradecendo o grande show que eles proporcionaram mesmo com todas as dificuldades enfrentadas.

Ficou a lição de que Curitiba precisa se preparar melhor para os eventos que recebe, mas também que o amor pelo que se faz pode se sobrepor a qualquer dificuldade. O The Mission mostrou que a música e o respeito aos fãs, em qualquer situação, deve prevalecer. Assista a três grandes momentos da apresentação: “Severina” , “Deliverance” e “Butterfly On A Wheel”.