Texto: Marcos Anubis
Revisão e fotos: Pri Oliveira
A fria e soturna Curitiba sempre foi um cenário perfeito para o Heavy Metal, em suas mais variadas vertentes. E dentro de algumas subdivisões do som pesado, o protagonismo da capital paranaense é ainda mais destacado.
Uma dessas linhas de frente que a cidade encabeça é o Doom Metal. Caracterizado pela cadência, peso e atmosferas sombrias, o gênero vem se moldando desde o começo da década de 1970, com a genialidade dos riffs criados por Tony Iommi no Black Sabbath. Mas foi durante os anos 1980/90 que o Doom se solidificou na Europa devido a bandas como o Candlemass e o Solitude Aeturnus.
21 anos sombrios
Atravessando o Oceano Atlântico, essa atmosfera sombria encontrou em Curitiba a sua morada perfeita no Brasil. Uma das primeiras bandas a absorver essas influências e criar o seu próprio som foi o Eternal Sorrow. Formado em 1994, o grupo é um dos alicerces do Doom Metal curitibano e brasileiro.
E como um porta-voz do estilo, a banda tem consciência de sua importância para tentar manter viva uma subdivisão do Heavy Metal tão pouco divulgada pela grande mídia. “Manter a evidência dentro da vertente Doom Metal é objetivo da banda desde o início. Nesses 21 anos nós presenciamos inúmeras novas bandas surgirem dentro do mesmo gênero, e muitas aqui em Curitiba”, diz o guitarrista do Eternal, Ricardo Rossi.
A história do Eternal Sorrow remonta a 1994. Um ano após a sua formação o grupo já lançou a sua primeira Demo, “The Sadness’ Elevation”. No ano seguinte veio a participação na coletânea “The Winds Of A New Millenium #2” e em 1998 o primeiro CD, “The Way Of Regret”. O segundo full lenght, “Legacy”, foi lançado em 2003.
O fato é que são mais de duas décadas em atividade, o que para qualquer banda já é um caminho enorme. Mais ainda se esse grupo milita dentro do segmentado mundo do Heavy Metal no Brasil. “Se o Eternal Sorrow é um alicerce, nós agradecemos a sua colocação. Se chegamos neste patamar foi com muita dedicação e esforço. Estamos fazendo o que gostamos. Que nossas músicas continuem influenciando novas bandas. Não pretendemos parar tão cedo, mesmo sem o apoio ou divulgação da ‘grande mídia’. Nós sempre seremos parte do cenário underground!”, complementa Rossi.
A formação atual do Eternal Sorrow está consolidada desde 2008 com Julio M. (vocais e teclados), Maurício Pampuch (Baixo e vocal) Eduardo França e Ricardo Rossi (guitarras) e Adriano de Moraes (bateria).
The House
É com esse lineup que o quinteto está lançando seu novo trabalho. “The House” acaba de nascer após uma “gestação” de praticamente cinco anos. “É até complicado falar dele pois tivemos diversas complicações desde as composições iniciais até o final da prensagem”, diz Rossi.
Realmente a banda teve que superar muitos obstáculos para concluir seu novo álbum. Os primeiros passos foram dados com o processo de criação e detalhamento das músicas, que teve início em 2008 e se estendeu até 2009. “As canções deste álbum foram basicamente elaboradas pelos integrantes atuais. Apresentamos nossas ideias em ensaios e vamos lapidando até que fique de nosso gosto”, conta o guitarrista.
Depois de finalizadas as músicas, o período de gravação começou no dia 17 de julho de 2010 no estúdio Clínica Pro Music com a produção do músico curitibano Murillo Da Rós. A captação dos instrumentos e vocais durou cinco meses.
A etapa seguinte foi a mixagem e a masterização, que aconteceram em São Paulo no Blue House Studio, mantido pelo guitarrista Fabiano Penna (Rebaelliun/The Ordher). “Foram quase dois anos, entre o final de 2012 e o início de 2014, negociando tudo por e-mail até que as músicas ficassem como queríamos”, conta Rossi.
Um ingrediente a mais nesse complicado processo de gravação do novo álbum foi a mudança de guitarrista. Eduardo França entrou no grupo no começo de 2008 e obviamente foi necessária uma readaptação de todos os músicos e uma reformulação na forma das canções serem executadas. “A partir dessa última alteração na formação as músicas passaram por um processo de reformulação nas bases e letras. Todos os arranjos foram refeitos para que este seja um álbum com uma nova sonoridade, um novo Eternal Sorrow”, explica Rossi.
“The House” foi lançado como um álbum digipack. A capa é uma obra da artista gráfica Tinna Hawn, da República da Estônia.
Quem acompanha a trajetória de 21 anos do grupo vai ter algumas surpresas com o novo trabalho. “Destacar músicas do álbum é complicado. Posso afirmar que as pessoas que acompanham e realmente conhecem as músicas dos trabalhos anteriores deverão se identificar com duas faixas que foram regravadas e ganharam uma sequência ‘diferente’: ‘The Sadness Elevation’ e ‘The House III (Memories)’. Escutem o álbum e analisem por vocês mesmos”, aconselha Rossi.
A volta aos palcos
No último sábado (1) o Eternal Sorrow voltou a se apresentar ao vivo após seis anos de hiato. O show aconteceu no Eclipse Doom Festival que foi realizado no 92 Graus e ainda teve as bandas Bullet Course e HellLight. “Foi muito bom ter essa sensação novamente! Por ser um retorno, esse show superou nossas expectativas. Pudemos rever muitos amigos de longa data e apresentar nosso repertório com as novas músicas. Mas principalmente pudemos escutar as palavras de pessoas que realmente curtem a banda, ter o contato direto e poder dar atenção a quem nos mantêm na ativa”, diz Rossi. “O público presente nesse show realmente nos incentivou muito. Nós agradecemos a presença de cada um”, complementa.
Duas décadas passadas a limpo
Desde a fundação da banda, no começo dos anos 1990, muita coisa mudou em torno do Eternal Sorrow. A começar pelo próprio grupo que, com mudanças em sua formação e amadurecimento de seus integrantes, hoje se mostra mais sólido. “Muita coisa mudou, isso é fato. Internamente hoje somos mais maduros e nossa visão é mais consciente e concreta. As mudanças na banda ocorrem para o benefício dela mesma. Pensamos e focamos no objetivo. Fazer Doom Metal e não parar. Este é o resumo de mudança da banda”, afirma Rossi.
No cenário Metal curitibano, algumas mudanças também se fazem presentes de forma mais perceptível, ainda que outras continuem como que paradas no tempo. “Podemos ver as novas gerações se adaptando ao meio. As vertentes são maiores, mas o público ainda continua preferindo ver um show gringo a prestigiar uma banda local”, analisa o guitarrista.
A forma com que os artistas autorais são tratados em Curitiba ainda é uma das grandes reclamações dos músicos de todos os estilos. Isso porque o tradicional “nós abrimos o espaço e vocês tocam de graça” ainda resiste ao tempo, por mais irreal que isso pareça. “Temos ótimos espaços para eventos aqui em Curitiba, mas não há exceções nas condições e negociações com as bandas locais. É isso ou nada!”, critica Rossi. “Não generalizando o cenário inteiro, mas durante anos o Eternal Sorrow expôs seu trabalho tocando de qualquer forma negociada para que não perdêssemos a oportunidade”, complementa.
Ainda não existe uma cultura instalada em Curitiba de valorizar as bandas autorais pagando cachês. “Na maioria das vezes nós pagávamos do próprio bolso para poder tocar em uma cidade fora da nossa. Talvez seja culpa das próprias bandas que na esperança e no desespero de sair do ‘ensaio de garagem’ para mostrar seu trabalho, acabam tocando em péssimas condições. Portanto é preciso se valorizar para ser valorizado”, afirma Rossi.
Calejados pelas mais de duas décadas de underground, o Eternal Sorrow adotou algumas diretrizes mínimas para suas apresentações. “Ao longo do tempo nós desenvolvemos nossa forma de trabalhar. Exigimos apenas o que precisamos, nada de explorar ninguém. Até podemos ser tachados de ‘banda estrela’ ou algo do gênero, mas no mínimo exigimos uma boa condição de trabalho. Quer escutar e ver o Eternal Sorrow ao vivo, existem condições mínimas e bem básicas para que banda e público fiquem satisfeitos”, diz.
Como os cenários local e nacional mostram por si só, as dificuldades ainda são grandes e uma solução a curto prazo não parece próxima. Na contramão disso, na Europa países como Suécia e Grécia possuem uma grande legião de fãs de Doom e uma mídia especializada que se preocupa em mostrar as novidades do gênero. “É complicado! Fora do Brasil a vida é outra, o apoio é outro e o incentivo é maior. Lá a divulgação por meio da mídia possui um espaço bem mais aberto e amplo. Não temos como fazer comparações com a nossa realidade. Aqui realmente é complicado”, analisa Rossi.
Parece irreal pensar que as bandas ainda não são recebidas com o devido respeito nas casas de shows, com raríssimas exceções. Na ideia geral, o simples fato de convidar um artista local para se apresentar já é o suficiente. O “cachê” é o espaço cedido ao grupo, como se o grupo não tivesse custos para se manter em atividade. “Quem vive o Metal e tem banda sabe o que estou querendo expressar. Sobreviver da banda não é nosso objetivo. Nós temos custos para sair de casa e ir ensaiar, e na verdade, o Eternal Sorrow está vivo porque nós estamos mantendo a banda fisicamente e financeiramente ativa. Mas continuaremos em atividade sempre que houver público interessado em nosso material”, diz Rossi.
Mesmo diante dessa realidade que parece não mudar, o quinteto curitibano acredita que o Doom Metal tem sobrevivido. “No Brasil existem muitas bandas. Eu sempre tento me manter informado. Em minha última consulta, entre bandas em atividade ou não, devemos estar com mais de 4.800 bandas cadastradas no site Metal Archives. Mas no cenário Doom brasileiro, realmente somos uma minoria”, avalia. “Com certeza o público voltado para o Doom ou Gothic Metal tem carência de maior quantidade de shows. Mesmo citando uma quantidade enorme de bandas gringas existentes do mesmo gênero, ainda assim temos poucos shows para a raiz Doom Metal”, complementa.
O Eternal Sorrow é um recorte real que espelha bem a vida das bandas curitibanas: uma luta constante, dia a dia, para se manter na ativa. “Eu posso afirmar que é melhor valorizar todas as bandas ainda ativas, novas e mais velhas, do que deixar o cenário Doom/Gothic ficar escasso”, finaliza Ricardo Rossi.
Poucos grupos no mundo se mantêm vivos durante 21 anos. Um deles está aqui em Curitiba. O que falta para você valorizar a cena local, cara pálida? Confira uma música do show do Eternal Sorrow no Eclipse Doom Festival: “Intro + Into A Silent Loneliness”.
Deixar um comentário