Texto, vídeos e edição - Marcos Anubis
Fotos e revisão - Pri Oliveira
1986, Ginásio do Tarumã, Curitiba. Quatro jovens músicos estão com o país a seus pés. Em meio às milhares de pessoas que se aglomeram dentro e fora do local, eu, então com 12 anos, via meu primeiro show. No olhar de um adolescente, aquilo era inimaginável. Uma banda nacional lotando um ginásio e transtornando o imaginário coletivo de seus fãs? Surreal.
Como muita gente não conseguiu entrar devido à superlotação, o grupo teve que fazer outro show no dia seguinte, desta vez no Estádio Couto Pereira, com portões abertos. Naquela época, o Brasil tinha acabado de sair de uma ditadura de 21 anos que restringiu qualquer sopro de criatividade artística no país. Diante de todo esse cenário, a juventude estava pronta para extravasar o seu descontentamento contra tudo que a cercava, e o faria por meio do Rock & Roll.
2015, Teatro Guaíra, no último sábado (7). 29 anos depois, o mundo é outro e o Brasil também. O rock nacional já está completamente enraizado no cotidiano das pessoas, mas os mesmos quatro músicos ainda continuam ali, dispostos a prosseguir com a sua arte.
O show
Certas bandas ou artistas possuem uma aura diferente, algo que não se explica e que os torna especiais. É o caso do RPM. Antes do show, no camarim do Guaíra, o Cwb Live teve a oportunidade de entrevistar o quarteto. Paulo Ricardo começou nosso papo com a seguinte frase: “O fato de nós termos emplacado tantos sucessos na nossa carreira é ao mesmo tempo uma benção e uma maldição”. Na próxima uma hora e meia seria possível entender o que o vocalista quis dizer. Assista à entrevista completa no fim dessa matéria.
A banda subiu ao palco ao som de “Dois Olhos Verdes” e logo na sequência emendou um de seus maiores sucessos, “Louras Geladas”. O setlist trouxe uma mescla de músicas conhecidíssimas e outras que foram tocadas nitidamente porque estão entre as preferidas do quarteto.
Dentro desse contexto, canções que são Lado B, ou seja, não tocaram em rádios e não se tornaram grandes sucessos, chamaram a atenção dos que conhecem o RPM além dos hits. “Juvenília”, do primeiro álbum da banda “Revoluções Por Minuto” (1985), por exemplo, é um retrato de sua época. “Sinto um imenso vazio e o Brasil que herda o costume servil. Não serviu pra mim. Juventude, aventura e medo. Desde cedo encerrado em grades de aço”, diz a letra. Entre essas músicas obscuras, a banda ainda tocou “Partners”, do álbum “Quatro Coiotes” (1988), e “Liberdade/Guerra Fria”, de seu disco de estreia.
Obviamente que os grandes clássicos da carreira do grupo, como “A Cruz E A Espada”, dedicada a Renato Russo, estiveram presentes. O show teve vários momentos emocionantes. Um deles foi quando Paulo Ricardo explicou que “London, London” foi a música responsável pelo lançamento do álbum “Rádio Pirata Ao Vivo”, em 1986. A história conta que, entre 1985 e 1986, a banda tocava a música, que é uma versão do original de Caetano Veloso, em seus shows.
Em uma situação inimaginável atualmente, com a neurose que certas gravadoras e artistas têm com filmagens em seus shows, ela acabou sendo gravada por alguém em uma dessas apresentações. A fita foi parar nas rádios e começou a ser executada de forma assustadora. Por conta disso o grupo resolveu gravar um álbum ao vivo para que os direitos fossem para a banda e uma versão oficial fosse registrada.
Outro grande momento foi a execução de “Flores Astrais”, cover do Secos & Molhados. Em 1986, Ney Matogrosso foi o iluminador e participou da produção da turnê “Rádio Pirata”, elevando o padrão do show, como espetáculo, a um nível nunca antes visto no Brasil, naquela época. Cenário, figurino e principalmente a iluminação eram muito à frente do seu tempo. Durante a música, foi usado o mesmo efeito de 1986, com uma luz verde em cima de Paulo e o raio laser, que na época era o suprassumo da tecnologia. Uma viagem no tempo.
Durante o show, a banda foi para o meio do público e fez um set acústico com canções próprias e vários covers, de “Wish You Are Here” do Pink Floyd a “One Love” de Bob Marley. Na parte final vieram as duas músicas mais emblemáticas do RPM. “Rádio Pirata” abriu as portas para o rock nacional, como o conhecemos hoje. Não é nenhum exagero dizer isso.
Antes do RPM, o rock era visto com um subproduto, um gênero que não emplacaria comercialmente nas rádios do país. O estouro do grupo assustou produtores e mostrou que as bandas tupiniquins eram viáveis. Tudo o que veio a seguir é história. No bis, “Olhar 43” encerrou a apresentação.
Assista a entrevista exclusiva com a banda e veja duas músicas do show: “Louras Geladas” e “Partner”.
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Eu tinha 14 anos e assisti ao show de 1986 no Estádio Couto Pereira. Você sabe a data exata em que o show foi realizado?