Fabio Massari

“Mondo Massari” é o quarto livro do jornalista (Foto – Divulgação/Editora Ideal)

 

Apresentadores com conhecimento musical suficiente para comentar sobre gigantes do rock ou bandas desconhecidas do grande público. Nada de carinhas bonitinhas e absolutamente sem conteúdo. Sim, esse cenário já existiu, em uma época distante, na MTV. Um dos grandes nomes dessa época áurea da emissora foi o jornalista Fábio Massari.

O “reverendo”, como também é chamado, está lançando o seu quarto livro, “Mondo Massari”, que reúne entrevistas e matérias feitas pelo jornalista. O projeto homônimo surgiu em 1999, como um programa na MTV, e depois passou pela revista Rolling Stone e pelo portal Yahoo. “O livro procura reunir o material dessas empreitadas e as entrevistas do ETC, programa de rádio na OI FM que, como explico na introdução do livro, quase se chamou ‘Mondo Massari’. O ciclo ficou assim: TV, revista, portal e rádio. O livro é uma coletânea bem completa desse material”, explica.

Fábio é o maior nome do jornalismo musical brasileiro, essencialmente por causa de sua sede em buscar bandas novas e levá-las ao conhecimento do público. Trabalhar com cultura, no Brasil, aliás, é uma tarefa para abnegados. Dentro desse contexto, qualquer produção relacionada ao tema exige muito esforço. “O processo ficou por conta da editora Edições Ideal, de São Bernardo do Campo para o Mondo fazendo livros de música! O processo de edição ficou todo a cargo da editora, que tem que se virar, digamos assim, com a parte industrial e comercial do projeto. Como autor, fico no esquema básico de contratado da editora”, conta.

O apoio da Edições Ideal facilita muito todo o processo de publicação do livro. O reverendo sabe bem disso, pois já enfrentou o desafio de lançar um trabalho de forma independente. “O meu segundo livro, ‘Emissões Noturnas’, que traz entrevistas do meu programa Rock Report da rádio 89 FM, foi feito na independência, para ‘sentir o drama’ do processo. Imagino que, na época, em 2003, o processo era um pouco mais dramático! Pelo menos me pareceu”, relembra.

Apesar de receber apoio para a publicação dos seus livros, a “missão” de descobrir e levar os bons sons aos ouvidos ávidos dos que apreciam o seu trabalho não é menos dura para Massari. Diante de uma sociedade cada vez mais voltada para o lado comercial de qualquer tipo de arte, falar de boa música é um trabalho abraçado por poucos. “Falando mais do corte musical, sempre foi para apaixonados, mesmo, mas existe espaço e muito interesse do público. Talvez como ‘mercado’ não seja uma coisa tão volumosa, mas existe e alimenta, contribui para a própria existência de um cenário cultural/musical”, analisa.

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Massari e Daniel Benevides, na frente, em uma foto com a banda Soul Asylum, tirada após a entrevista do grupo para o programa Lado B (Foto – Aqruivo pessoal/Fábio Massari)

 

O Lado B

 

Um dos programas mais importantes da história da MTV foi o Lado B, que foi ao ar de 1991 ao ano 2000. Nele, Massari pode desfilar todo o seu conhecimento musical, garimpando artistas em todos os recantos do planeta e apresentando ao público bandas tão obscuras quanto fantásticas. “Não fui o único apresentador do Lado B, mas acabei sendo identificado, e me identificando, claro, com o programa, com a missão Lado B, porque é isso que era, ou se transformou à medida que fomos fazendo e pirando”, conta.

A concepção do Lado B atingiu em cheio uma fatia da audiência que não estava interessada nos artistas pop do momento. A inspiração veio do programa 120 Minutes, da MTV americana. “Nós adaptamos e tentamos fazer do nosso jeito, aproveitando material dos gringos, claro. E incluímos os brasileiros nessa viagem, com clipes, entrevistas e cobertura de festivais como o Juntatribo, SuperDemo, Abril Pro Rock, Boom Bahia e BHRIF”, diz.

 

A saída da MTV

 

Massari saiu da MTV em 2003, após mais de uma década de serviço aos bons sons. De acordo com ele, não ficaram mágoas e nem ressentimentos, só lembranças boas. “Foi o fim de um ciclo, mesmo, ou algo do gênero. Foram 12 anos exatos, de fevereiro de 1991 até fevereiro de 2003. Passei por vários departamentos e realizei coisas fantásticas. Aprendi um montão e conheci um mundão de gente bacana. Tá bom assim!”, afirma.

Após sair da emissora, Massari lançou três livros, “Rumo à Estação Islândia” (2001), “Emissões Noturnas – Cadernos Radiofônicos de FM” (2003) e “Zappa – Detritos Cósmicos” (2007). O jornalista também apresentou os programas Poploaded, no portal IG, ao lado de Lúcio Ribeiro, e ETC, na OI FM.

A partir do fim da década de 1990, já sem Massari e Gastão Moreira, que apresentava o programa Fúria Metal e era outra referência de qualidade dentro da emissora, a MTV foi se tornando, cada vez mais, um veículo comercial. O conhecimento musical dos apresentadores foi dando lugar aos VJs jovens e burocráticos. Era o “início do fim” da emissora. “Opções editoriais, corporativas, estratégias, compromissos… Preguiça danada, né. Desde muito tempo, tá chato num canal, é só trocar! Ainda mais se considerarmos que, para quem gosta de música, nunca antes na história desse planeta nós tivemos tantas alternativas legais para buscar informação e nos deleitarmos com os bons sons”, analisa. Você pode ler neste link a entrevista que o Cwb Live fez com Gastão Moreira, no último mês de setembro.

 

Os novos projetos

 

Apesar de ter acabado de lançar o “Mondo Massari”, Fábio já está trabalhando em outro projeto, esse em parceria com o amigo e ex-companheiro de MTV, Gastão Moreira. A publicação abordará os grandes shows internacionais que aconteceram no Brasil antes da primeira edição do Rock in Rio, que aconteceu em 1985. “Esse é um projeto mais a longo prazo. Tem toda uma galáxia de acontecimentos ‘live’ no Brasil pré-Rock in Rio, muita história boa como o futebol do time do Rick Wakeman, (ex-tecladista do Yes), contra ‘ilustres’ como Miele, Sérgio Chapelin, Chico Buarque e Odair José. Dá para imaginar?”, conta.

 

A “evolução” da indústria musical

 

Nos anos 1980/90, as bandas começavam a romper os laços que as mantinham presas às grandes gravadoras. A nomenclatura “indie”, de “independente”, começava a ser aplicada sistematicamente em qualquer grupo que não fosse atrelado a essas majors. Atualmente esse cenário é muito diferente. “Acho que, hoje, talvez, eles tenham muito mais espaço e oportunidades do que antes, quando havia uma concentração nesse ou naquele ‘canal’. Existem muito mais possibilidades hoje, principalmente na independência”, diz.

O reverendo acredita que, atualmente, as chances de uma banda independente se tornar conhecida são maiores. Apesar da enorme quantidade de grupos, e a consequente concorrência entre eles, a internet oferece essa condição. “Tudo bem que é mais diluído, muita coisa pode sumir ou ficar fora do radar. Mas hoje as bandas tem muito mais chances de se tornarem, ou estarem inseridas em cenas, auto-suficientes”, analisa.

 

Os bons sons da atualidade

 

Grupos como Pixies, Ride, Stone Roses, Drop Nineteens e Pavement eram frequentadores assíduos do Lado B. No século 21, Massari continua vasculhando os bons sons pelos quatro cantos do planeta. Ele revela que tem ouvido duas bandas, especialmente. “Crippled Black Phoenix e Anjo Gabriel!”, crava.

O rock curitibano, que na época do Lado B estava em evidência com grupos como o Boi Mamão, Magog, Dive, Resist Control e Tods, ainda chama a atenção de Massari. “Curto várias, de vários tipos e gêneros, de Relespública a Ruído MM. ESS foi a mais legal que vi ao vivo”, revela.

Além do seu gosto pelo rock alternativo, poucas pessoas sabem que o reverendo também aprecia o lado mais violento do rock and roll. “Acho o Ghost bem legal. Sou entusiasta dos extremos, black metal, doom”, diz. Em relação ao grupo sueco, que se apresentou no Rock in Rio, no último mês de setembro, e também nas cidades de Curitiba e São Paulo, Massari tem uma opinião bem definida. “O lance do Ghost é que parece ter virado uma daquelas bandas que todo mundo tem uma opinião a respeito, sem ter ouvido. Não se relativiza a questão do conteúdo. Em alguns momentos parece o Blue Oyster Cult e, acredite, para mim isso é um baita elogio!”, analisa.

Fugindo do lugar comum, tão em voga em tempos de “politicamente correto”, o reverendo Fábio Massari vem abençoando seus fiéis com o cálice dos bons sons, há mais de duas décadas. Que assim continue.