Texto: Marcos Anubis
Revisão: Pri Oliveira
Foto: Pri Oliveira e reprodução Vimeo
Estar à frente de uma grande banda é uma situação que apresenta momentos de glórias e maldições. Encarar milhares de pessoas a cada show e ter a obrigação de compor e lançar álbuns por determinação da sua gravadora são fardos que nem todos conseguem carregar.
O ex-vocalista do Alice in Chains, Layne Staley, foi uma dessas chamas que se consumiram rapidamente nesse mundo voraz da música. Em quinze anos de carreira, Layne incorporou como poucos a sua obra, de uma forma em que ela até se confundiu com sua rápida passagem pela Terra.
Os primeiros passos de Alice
A história do Alice in Chains começou em 1987 quando Layne, Jerry Cantrell (guitarra), Mike Starr (baixo) e Sean Kinney (bateria) se uniram para formar a banda. O álbum de estreia do AIC, “Facelift” (1990), é um daqueles discos que qualquer discoteca básica precisa ter. Ele unia o peso e a melodia da guitarra de Cantrell ao peso da cozinha de Kinney e Starr.
Mas o que chamava ainda mais a atenção eram os vocais de Layne, que conseguiam expressar uma melancolia e uma revolta que chegavam como uma lança nos corações e mentes de quem o ouvia. Mesmo quando “dividia” as vozes das músicas com Cantrell, sua qualidade como intérprete não se perdia.
“Facelift” trazia pérolas como “Sea of sorrow” e “Bleed the freak”. Hoje, tragicamente, a abertura do disco soa como um presságio das tragédias que aguardavam a banda nos anos seguintes. “Para baixo você está rolando. Olhe o sangue fluir no esgoto lamacento. Tome outro golpe e enterre seu irmão. E morremos jovens, quanto mais rápido corremos”, canta Staley em “We die young”.
Mas a música mais emblemática desse álbum, e a que apresentou o Alice in Chains ao mundo, foi “Man in the Box”. Na época, estar na MTV já tinha se tornado indispensável para os artistas. Por causa disso, seu videoclipe rodou sem parar na emissora americana e em suas retransmissoras ao redor do mundo. Isso levou o AIC aos quatro cantos do planeta.
A partir daí, a banda trilhou um caminho de grande sucesso. Seu segundo álbum, “Dirt” (1992), também apresentou músicas que tocaram muito nas rádios, entre elas “Angry Chair” e “Would?”. Mas foi exatamente nesse período que os problemas de Layne com a heroína começaram a pesar no dia a dia do grupo. A banda chegou inclusive a adiar a turnê de “Dirt” devido à dependência química de seu vocalista.
Mike Starr, também por causa das drogas, colocou mais lenha na fogueira do AIC e deixou a banda em 1993. Seu substituto foi Mike Inez, que permanece no grupo até hoje. Também no mesmo ano, no auge da banda, o AIC se apresentou no Brasil no festival Hollywood Rock. Os shows foram realizados na Praça da Apoteose no Rio de Janeiro e no Estádio do Morumbi em São Paulo. Na época, Layne declarou que tinha ficado impressionado com as milhares de pessoas pulando ao som de “Man in the box”.
A auto-destruição
Em 1994, em uma de suas internações, Layne deu início a um projeto paralelo ao lado do guitarrista do Pearl Jam, Mike McCready, do baterista do Screaming Trees, Barrett Martin, e do baixista John Baker Saunders. Talvez como uma outra forma de Staley extravasar suas emoções, surgia o Mad Season, que lançou apenas um álbum: “Above” (1995).
Em 1996 o Alice lançou o seu CD acústico, o que na época estava se tornando uma febre entre as bandas. Batizado de “MTV Unplugged”, o disco foi muito bem recebido porque trazia versões ainda mais poderosas de músicas como “Rooster” e “Down in a hole”. Talvez influenciado pelos problemas que vinha enfrentando, a performance de Layne foi inspiradíssima. Na apresentação, ele incorporou as letras de uma forma ainda mais tocante do que de costume.
A última apresentação do Alice in Chains aconteceu no dia 3 de julho de 1996 na cidade de Kansas City, Estados Unidos. Três meses depois, a ex-noiva de Layne, Demri Parrott, morreu de endocardite bacteriana. O problema foi causado por uma overdose de heroína.
Após a fatalidade, em uma tentativa de evitar que Staley cometesse suicídio, ele passou a ser vigiado de forma contínua. Dali em diante o vocalista foi ficando cada vez mais recluso em sua casa, na cidade de Seattle. Mergulhado no vício e cada vez mais depressivo, parecia uma questão de tempo para o pior acontecer.
Na época, falando sobre a heroína em uma entrevista para a revista Rolling Stone, Layne deu mostras de que sua situação era quase irreversível. “Ela funcionou para mim durante anos, mas agora está se voltando contra mim e eu estou caminhando pelo inferno”.
Em 2003 a escritora argentina Adriana Rubio lançou o livro “Layne Staley: Angry Chair. A Look Inside the Heart and Soul of an Incredible Musician”. A publicação é baseada em uma entrevista feita pela autora apenas três meses antes da morte do vocalista. Nela, Staley dava mostras do perigo que o rodeava. “Sei que estou morrendo. Não estou indo bem. Não tente falar sobre isso com minha irmã, Liz. Ela saberá, cedo ou tarde”, disse.
Sua relação com a heroína é escancarada na entrevista. E o que mais assusta é que Layne se mostrava conformado com a possibilidade de morrer. “Essa porra de droga é como a insulina que um diabético precisa para sobreviver. Eu não uso drogas para ficar chapado como as pessoas pensam que eu faço. Sei que fiz uma grande besteira ao começar a usar essa merda. É uma coisa muito difícil de explicar. Meu fígado não está funcionando. Eu fico vomitando o tempo todo e cagando nas calças. A dor é maior do que você pode suportar. É a pior dor do mundo”, contou.
Seu rompimento com a banda e com qualquer um que poderia ajudá-lo mostrava que, de certa forma, ele estava esperando seu fim chegar. “Sei que estou perto da morte. Eu usei crack e heroína durante anos. Nunca quis terminar minha vida desta maneira. Sei que não tenho chance. É tarde demais. Eu nunca quis os polegares do público levantados para esta porra de vício. Não tente contatar nenhum dos membros do Alice In Chains. Eles não são meus amigos”, afirmava.
No dia 19 de abril de 2002, aos 34 anos, Layne Staley foi encontrado morto em sua casa. A causa foi uma overdose de speedball (mistura de heroína e cocaína). O registro do óbito dizia que Layne, que tinha 1,85 de altura, estava pesando apenas 39 quilos. A autópsia revelou ele estava morto há quinze dias. Os policiais puderam constatar isso in loco porque, ao ser encontrado, seu corpo já estava em estado avançado de putrefação. Ao lado do cadáver foram achadas uma pequena dose de heroína, um cachimbo de crack e latas de tinta. Nos últimos meses de vida, o vocalista parece ter se dedicado à pintura.
Os últimos dias
Em 2012 o radialista norte-americano Kidd Chris entrevistou a mãe de Layne Staley, Nancy Maccalum. Ela negou que a morte de Demri Parrott tenha levado o vocalista à depressão. Segundo ela, seu filho já estava mal antes disso. “Ele tornou-se recluso e foi muito difícil ter uma noção do que estava acontecendo. Eu não tinha intenção de me estabelecer e dar ultimatos que empurrassem Layne para longe de mim. Isso é um direito da mãe, manter esse lugar em sua vida com seu filho”, disse Nancy.
A realidade é que a morte de Layne Staley ceifou um dos melhores e mais talentosos vocalistas de sua geração. Ao mesmo tempo, a consciência de sua situação crítica e a incapacidade, na verdade quase a falta de vontade de se curar, também impressionam.
A retomada
Em 2005 a banda voltou a se reunir para alguns concertos beneficentes que contaram com vários vocalistas. A lista incluiu de Phil Anselmo, ex-Pantera, até o ex-Damageplan, Patrick Lachman. Um ano depois, após algumas apresentações com o vocalista da banda Comes With the Fall, William DuVall, o grupo acabou retomando suas atividades oficialmente.
Com seu novo vocal, o Alice lançou os álbuns “Black Gives Way to Blue” (2009) e “The Devil Put Dinosaurs Here” (2013). DuVall também é um excelente vocalista e conseguiu se encaixar tanto nas canções mais antigas do AIC, o que não é fácil, quanto nas novas composições. Mas assim como grandes vocalistas na história do Rock que partem cedo demais, Layne Staley não tem substituto.
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