Nuno Mindelis, bebendo na alma do Blues

“Ninguém faz Samba só porque prefere. Força nenhuma no mundo interfere sobre o poder da criação”. A poesia cantada pelo saudoso João Nogueira não se encaixa somente no mais brasileiro dos ritmos. No Blues, assim como no Samba, é a alma que conduz o músico e faz com que ele se entregue ao dom de tocar. Nesta quinta-feira (25) na Caixa Cultural, em uma típica noite gelada curitibana, Nuno Mindelis e sua banda deram uma amostra da diferença que existe entre ser Blues e querer tocar Blues.

A importância deste angolano com alma brasileira, ou brasileiro com alma angolana, ainda não foi devidamente registrada no inconsciente coletivo da terra brasilis. O fato é que, ao lado de outras peças importantes nesse tabuleiro, como André Christovam, Celso Blues Boy e o grupo Blues Etílicos, Nuno sedimentou o Blues nacional, fazendo com que se tornasse conhecido pelo público e pela imprensa. E o mais impressionante é que esse processo se deu a partir praticamente do nada, pois nos anos 1980 nem o Rock brasileiro ainda era considerado “viável”.

O show

A turnê atual faz parte da divulgação do excelente álbum “Angels & Clowns”, lançado em 2013. Nele, Nuno se mostra mais consciente de suas influências musicais diversas e lúcido sobre a forma de encaixá-las na sua obra autoral.

O disco vinha sendo gestado há algum tempo entre Nuno o produtor e músico americano Duke Robillard, mas teve seu nascimento acelerado por conta dos compromissos de Duke. O ultimato veio repentinamente porque o produtor estava prestes a começar uma turnê com Bob Dylan que duraria cerca de um ano. Então ou a gravação acontecia naquele momento ou ela teria que ser postergada.

Diante da situação, Nuno decidiu aceitar o desafio e teve apenas 15 dias para compor praticamente todo o trabalho. “O que me orgulha é o fato de ter conseguido passar por alguns obstáculos. De fazer músicas que não deixam de ser Blues, que têm alguma profundidade, mas que ao mesmo tempo são radiofônicas”, diz Nuno.

O álbum mistura outras influências ao DNA Blues do guitarrista. Nas execuções ao vivo as músicas realçam ainda mais essas incorporações. “It’s All About Love”, por exemplo, transparece o Soul americano. A faixa título, “Angels & Clowns”, é belíssima e remonta à Tom Petty & The Heartbreakers e Traveling Wilburys.

Uma diferença perceptível entre a apresentação desta quinta-feira e a de 2012 no Projeto No Improviso, realizado naquela oportunidade no Teatro Bom Jesus, foi o peso que foi incorporado ao som de Mindelis.

Nesse show, Nuno veio acompanhado de um time ainda melhor do que o daquela ocasião. Bruno Falcão (baixo), Fred Barley (bateria) e Flavio Naves (hammond e piano). Esse peso a mais que chamou a atenção no espetáculo se justifica pela mudança na cozinha da banda de Nuno. “O Bruno é um roqueiro desnaturado que se comporta na hora de fazer algumas coisas mais jazzísticas ou bluesy. O Fred é um louco estratosférico, que toca uma batera alucinada”, analisa o guitarrista.

A união coesa desses dois elementos permitiu uma liberdade ainda maior para a guitarra e o teclado literalmente viajarem melodicamente nas canções. “Qual é o segredo do Blues? É esse ‘trem’ bem pesado. Quando você pega dois músicos que sabem o que estão fazendo e que constroem uma cozinha desse quilate, fica fácil para quem não faz parte dessa cozinha, no caso eu e o Flávio, podermos deitar e rolar”, complementa.

E foi o que fizeram. Fred tocou até “Asa Branca” em um solo de bateria, usando a pele dos tambores para criar as notas da música. Absolutamente genial. Nuno encerrou o show homenageando seu irmão, que estava na plateia, com “Feeling Alright” do álbum “Free Blues” (2010) e “Brown Sugar”, dos Rolling Stones.

O guitarrista se apresenta hoje novamente às 20h na Caixa Cultural. Mais uma oportunidade que os curitibanos terão de ver um dos alicerces do Blues nacional. Um músico que une técnica, uma excelente banda e uma personalidade educada e atenciosa com seus fãs.

Veja a entrevista completa e dois vídeos do show: “Chris Caine” e “Shake it”.