A polêmica

A polêmica “cena curitibana”. Lenda ou realidade?

 

Texto – Marcos Anubis

Revisão – Pri Oliveira

 

Um breve período de bonança

 

Nos anos 1990 a música autoral curitibana viveu o seu período mais frutífero. Isso aconteceu com a ajuda de duas importantes iniciativas culturais: o selo Bloody Records, criado pelo mentor do 92º, J.R Ferreira, e o Caderno Fun, na Gazeta do Povo, comandado pelo jornalista Abonico Smith.

Passada essa fase mágica, tudo voltou ao normal e as explicações para essa mudança seguem em várias direções. “Acho que é o lance do Paraná como um todo ter essa ideia de colônia. O povo aqui é meio atrasado nesse lance de cultura. Replicamos apenas o que vem de cima. Não estou falando dos artistas, mas do público em geral. Aqui nada se cria”, critica Jansen Luiz, que fez parte de bandas importantes como o Magog e o April Seven..

E se as coisas sempre foram complicadas, o momento atual pode ser um divisor de águas em Curitiba por conta da possível extinção do chamado templo da música autoral curitibana. O impacto dessa situação pode ser irreversível. “O 92º para mim foi um ícone do Rock nos anos 1990. Teve um grande valor como o Hacienda, o Marquee, o CBGB ou o Cavern Club. Foi o estopim de algo legal que abriu espaço a situações que estão acontecendo até hoje. Ainda estamos todos aqui compondo, fazendo bandas e querendo viver de música. E o 92º graus sem dúvidas foi o responsável por isso”, afirma Jansen.

Ele pode falar com propriedade pois sua trajetória como músico foi paralela à consolidação do 92 Graus. “Eu vi o nascimento do 92º graus ‘in loco’. Quando ele ainda estava sendo construído eu ensaiava lá no porão com uma banda que tinha eu, o Rosinha e o Therciano, que foram do BAAF, o Apolo e o Junior”, complementa Jansen.

A dura realidade é que a campanha de financiamento coletivo lançada pelo 92º na plataforma Kickante, para tentar sobreviver, está no fim. Faltam apenas 4 dias e dos R$ 530 mil pretendidos por J.R, até agora foram arrecadados pouco mais de R$ 20 mil. Menos de 200 pessoas contribuíram, o que é uma parcela mínima de toda a nossa discutida “cena curitibana”.

Perder uma engrenagem fundamental em todo esse processo pode paralisar definitivamente essa máquina. “Apesar deste crescimento todo, ainda me deixa desconfortável ver casas na iminência de fechar suas portas e encerrar suas atividades, como o 92°. Donos de casas que dão espaço para som autoral só por isso já são pessoas que têm a minha admiração e respeito. O que eu espero é que exista uma renovação, pois hoje até o CBGB é uma loja de roupa, mas outros espaços foram criados em Nova York”, diz Andre Smirnoff, que produz eventos em Curitiba e mantém o site X-PressON.

E o mais assustador é que as pessoas que compõem essa cena, essencialmente músicos e público, parecem não perceber que esse momento pode definir o futuro da música curitibana. “O impacto histórico será letal. Na falta de espaços que temos, será mais um a encerrar o expediente. Mas no futuro outros também vão aparecer e sempre uma brecha se abre para o respiro vital da música autoral e independente. Com certeza é uma perda gigantesca. Ali foi o ponto de partida de muitos. Significa muito na história”, diz o guitarrista do Motorocker, Índio Véio.

 

Público acomodado e pouco participativo

 

O público é apontado pela maioria dos envolvidos na música curitibana como o grande culpado por essa situação. É nítida e gigantesca a diferença de presença e apoio do público se compararmos shows de bandas autorais e covers. “É um ponto delicado. O fato é que as bandas ainda perdem público para shows cover por esses detalhes que eu citei anteriormente (na primeira parte desta matéria). E olha que a cada show cover menos gosto deste tipo de banda. Admito que existem muitos músicos curitibanos que são excelentes, mas não conseguem fazer algo autoral com o nível de qualidade das bandas cover”, analisa Andre.

Mas os grandes culpados pela situação dos artistas locais seriam só a falta de apoio e participação do público? “Creio que sim e não a mesmo tempo porque a cultura musical sempre foi mais a dos covers. Hoje que a coisa está começando a acordar para o autoral, mas isso é um fato que ocorre no Brasil todo, porém em Curitiba com mais força”, diz Índio.

A realidade é que, como as casas de show lotam com bandas cover e ficam quase vazias com as bandas autorais, com raríssimas exceções, os donos desses locais acabam optando pelo que lhes dá mais retorno.

Avaliando o público que estará presente, e consequentemente a grana arrecadada, o cover sempre vai sair na frente. “Acho que existem dois lados da moeda. Um pouco é o público, sim, que hoje tem preguiça de sair de casa. Mas muito do que acontece vem dos músicos que se distanciaram do povão. Little Richards e Eddie Cochran eram caras populares. O Punk e o underground são importantes, mas falta aquela veia pop, (mas sem perder o que é importante), que antigamente existia. Todo artista tem de ir aonde o povo está”, analisa Jansen.

 

No future?

 

Diante de todos esses desafios que se repetem e se acumulam, será possível vislumbrar um futuro para essa cena, algo melhor do que temos hoje? “Sim, sempre! O que é reacionário sempre fica para trás. As coisas daqui algum tempo vão melhorar musicalmente. Tenho fé. Sempre vai ter um moleque de saco cheio dessa merda toda. E a coisa tende a se multiplicar. Nós, que somos mais velhos, talvez não os entendamos. Mas eles estão aí”, afirma Jansen.

Conhecido por não ter meias palavras, o guitarrista do Imperious Malevolence e do Axecuter, Daniel Danmented, é enfático e não compactua dessa visão otimista. “Não evoluiu. São as mesmas panelinhas e bandas que se arregam porque possuem bons contatos. A música nunca vai ser o mais importante. E o público é bunda-mole, geralmente tem preguiça de conhecer novas bandas e só elogia as bandas dos amigos porque pega bem. É parte do faz de conta”, sentencia.

O Motorocker vem mostrando que é possível construir um futuro mais favorável aos artistas da capital paranaense. Pelo menos para o quinteto curitibano, a estrada parece estar sendo bem construída. “Acredito que sim. Aqui nós temos excelentes músicos e artistas. Existe mesmo muita coisa bacana, mas precisamos exterminar todos os problemas citados, caso contrário daqui a alguns anos estaremos mais velhos e nos queixando dos mesmos problemas, o que acontece desde os anos 1970”, finaliza Índio.