Texto: Marcos Anubis
Revisão e fotos: Pri Oliveira

No show no Teatro Guaíra, ao lado de uma banda talentosíssima, Lenine mostrou velhos sucessos e canções do novo álbum 



Muito obrigado por me deixar falar dos meus parceiros”. A frase que o cantor, músico e compositor Lenine disse ao Cwb Live após a entrevista que nos concedeu nessa sexta-feira (23) no Teatro Guaíra, revela muito sobre a sua personalidade. Inteligente, simples e muito consciente de cada aspecto de sua obra, Lenine valoriza as pessoas que o ajudaram a construir sua carreira e faz questão de mantê-las em evidência.

Na sua atual turnê que divulga o álbum “Carbono”, lançado no início desse ano, Lenine vem mantendo uma de suas mais marcantes características: a ousadia. Tudo porque o setlist do show prioriza as canções de seu novo trabalho. Alguns clássicos ainda estão ali, obviamente, mas o foco principal são as inéditas. “Quem é pai sabe que os meninos mais novos precisam de mais atenção. Canções são como filhos, você precisa dar carinho, cuidar deles”, disse durante a apresentação para justificar a sua atitude.

O show

A abertura foi feita pelo músico curitibano Marlos Soares, dentro do projeto Prime Cultural, uma iniciativa bem interessante que coloca artistas locais se apresentando antes das atrações principais nos shows da Prime. Lenine iniciou a apresentação com “Castanho”, seguida de “O Impossível Vem pra Ficar”, as duas primeiras faixas de “Carbono”. Na sequência ele brindou o público com uma das canções que melhor simboliza a sua forma de tocar e compor: “Na Pressão”, faixa-título de seu quarto álbum, lançado em 1999.

No palco, a banda composta por Pantico Rocha (bateria e vocal), Bruno Giorgi (bandolim, guitarra, samplers e vocal), Guila (baixo, teclados e vocal) e JR Tostoi (guitarra, samplers e vocal) dava o suporte melódico e tecnológico para que Lenine interpretasse com maestria suas canções.

Depois de “O Universo na Cabeça do Alfinete”, os músicos se retiraram do palco e Lenine iniciou um diálogo com o público explicando que a base do show era seu novo álbum e pedindo para a plateia escolher alguns de seus sucessos. “Paciência” foi a eleita. Para celebrar essa comunhão, Lenine apenas tocou a canção e deixou que ela fosse cantada pelos fãs. Na sequência ele emendou “Hoje Eu Quero Sair Só”, outra pérola de seu repertório.

Lenine parecia realmente estar em casa, pois elogiou o Teatro Guaíra em vários momentos. “Muito obrigado por me presentearem com essa casa linda”, disse. Um dos pontos alto do show, e um das grandes canções de “Carbono”, foi “Quede água”. A canção, feita em parceria com Carlos Rennó, estabelece um paralelo entre a seca que sempre fez parte do cotidiano dos nordestinos e que agora também se apresentou para o resto do país. “A seca avança em Minas, Rio, São Paulo. O Nordeste é aqui, agora. No tráfego parado onde me enjaulo, vejo o tempo que evapora”, diz a letra.

Como que fechando um ciclo, “Castanho” abriu e encerrou o show. A atitude parecia querer reafirmar o refrão da canção, que diz: “O que eu sou, eu sou em par. Não cheguei sozinho”. Lenine e sua banda saíram do palco sob os aplausos de um lotado Teatro Guaíra e foram vitoriosos na sua opção de priorizar seu novo trabalho. O público curitibano entendeu e apoiou sua escolha, respeitando a obra de um artista que também o respeita.

Lenine - Teatro Guaíra - 23/10/2015



“Para mim, um disco dura uns três anos pra eu poder viajar a todos os lugares que eu quero”

A MPB, de certa forma, é um mundo conservador, pouco aberto a novas abordagens, o que faz com que a maioria dos artistas não ousem sair do “comum”. Essa regra não se aplica a Lenine e isso pôde ser notado de forma mais marcante em seu álbum anterior, “Chão” (2011). Nele, suas levadas de violão características foram mescladas com samplers e batidas eletrônicas comandadas por seu filho, Bruno Giorgi, e pelo músico e produtor JR Tostoi, criando uma sonoridade bem original.

“Carbono” traz a música de Lenine de volta à sua origem pois, como compositor, ele sempre usou os ritmos e nuances da música brasileira em suas canções, pontuando-as fortemente com a percussão. O novo álbum resgata essa faceta em faixas como “Quem Leva a Vida Sou Eu” e “Cupim de Ferro”.

Na perspectiva de Lenine, a trilogia “Labiata” (2008), “Chão” (2011) e o recém-lançado “Carbono” marca uma forma de fazer música. “Tem a ver com o que seu estou ouvindo no momento, com as sonoridades que eu gosto e com os instrumentos que eu tenho à disposição. Quando eu vou fazer um disco, a primeira coisa que eu faço é criar um relevo sonoro. Depois disso eu corro atrás de um título”, diz.

Em outros álbuns, Lenine abria seu “baú de canções” e escolhia o que iria gravar. Isso fazia com que 50% do disco já estivesse praticamente pronto. “Aquilo funcionava como seu eu estivesse fazendo uma foto de ontem, não de hoje”, afirma. “Nesses três álbuns eu me impus a não fazer mais um disco que era uma coletânea de contos, mas sim um romance sonoro. Eles foram feitos em capítulos. A sequência surgiu dessa maneira”, complementa.

“Eu coleciono palavras”

Com um guardião da oralidade, Lenine exalta em cada frase sua, seja em sua arte ou em uma entrevista, a excelência e a preocupação com o que é dito. Se no momento atual da música brasileira, seja ela de qualquer vertente, é necessário garimpar para encontrar artistas que deem a devida importância às letras de suas músicas, é importante ver que alguns artistas ainda procuram manter viva essa chama.

Lenine, assim como Zeca Baleiro, Nando Reis e Arnaldo Antunes, para citar alguns exemplos, estão nesse seleto grupo que ainda valoriza a língua portuguesa. “Em tudo que eu faço 50% é a palavra. Lógico. Eu coleciono palavras. Eu não estaria aqui, hoje, se não fosse a língua portuguesa, por isso eu valorizo muito a língua-mãe”, afirma de forma enfática. “Quando o europeu descobre que nós temos sete vogais… O francês morre de inveja quando ouve ‘lâmpada’, ‘límpido’, ‘líquido’, todas as proparoxítonas”, brinca.

“O que eu sou, eu sou em par. Não cheguei sozinho”

Voltando à frase do começo dessa matéria, Lenine faz questão de mostrar um grande respeito por seus parceiros, que são as pessoas que o ajudam a construir suas canções e acrescentam um pouco de si em cada uma delas. “Eu crio um grande castelo que só existe na minha cabeça. Ele não tem materialidade a não ser na minha cabeça, e então eu divido com os meus parceiros a construção de partes desse castelo. Isso pela cumplicidade, pela permanência, pela busca da excelência e também para experimentar, porque eu nunca trabalhei com alguns desses parceiros, e o melhor momento para experimentar é fazendo um disco”, explica.

Nesse processo, a versatilidade de todos os envolvidos faz a diferença porque abre inúmeras possibilidades de composição. “Eu posso cumprir a função do músico, do letrista ou posso fazer as duas coisas. E existe a turma que pode também fazer as duas coisas comigo. Lula Queiroga, Dudu Falcão, Bráulio Tavares e Ivan Santos são pessoas que, como eu, trabalham tanto com letra quanto com música. Nesse caso é ainda mais ‘promíscuo’, mais confuso, mais irmanado”, diz.

Lenine é um daqueles artistas que provam na prática que é possível alcançar o grande público com músicas e letras que tenham conteúdo poético e harmônico. Em contrapartida, a noite no teatro Guaíra mostrou que ainda existem pessoas que buscam a poesia e a língua portuguesa bem escrita e cantada. Ambas as situações são um alento para os que não se entregam ao “comércio da arte”. Nem tudo está perdido.

Confira três músicas do show: “Paciência”, “Castanho” e “Na Pressão”.

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