Texto: Marcos Anubis
Revisão e fotos: Pri Oliveira

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De todas as edições do evento Meeting & Songs, criado pela produtora curitibana Prime, essa certamente foi a que mais envolveu uma química entre as duas bandas que se apresentaram.

O encontro, que aconteceu na última sexta-feira (26) no Teatro Positivo, reuniu a Nação Zumbi e Os Paralamas do Sucesso. As duas bandas, mesmo sendo de gerações completamente diferentes, possuem alguns pontos de conexão. Entre eles estão os ritmos brasileiros e o uso da percussão como partes importantes de suas músicas.

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Maracatu psicodélico

“Um passo à frente e você não está mais no mesmo lugar.” Há 20 anos, no mítico “Afrociberdelia” (1996), Chico Science profetizava na música “Passeio no mundo livre” o que seria o futuro de sua banda. Um ano depois, ele encerraria precocemente a sua passagem pelo orbe terrestre, não sem antes deixar uma obra que ressoa até hoje na música brasileira.

Seus companheiros, porém, não se entregaram a essa fatalidade e continuaram compondo e lançando álbuns inspiradíssimos, de certa forma, mantendo o legado de Chico. No limiar das décadas de 1980/90, os grupos eram influenciados exclusivamente pelo que vinha de fora. Misturar a pureza do Rock gringo com os ritmos brasileiros? Nunca! Isso é uma heresia!

Coube ao Chico Science e à Nação Zumbi a honra de romper definitivamente essa barreira. E o que eles criaram ainda hoje está anos luz à frente do padrão nacional de qualidade. Em termos de originalidade, talvez só exista um paralelo com o Saravá Metal da Gangrena Gasosa e o Samba/Rock psicodélico Picassos Falsos.

Junte-se a isso o fato de a Nação vir do Recife, e não do eixo Rio-São Paulo, para termos uma equação única. A realidade é que a contemporaneidade da obra da Nação ainda não recebe o valor devido.

Peso e ritmo em doses cavalares

Jorge dü Peixe (vocal), Lúcio Maia (guitarra), Dengue (baixo), Pupillo (bateria), Toca Ogan (percussão), Gustavo da Lua e Tom Rocha (alfaias) abriram o show com “Defeito perfeito”. No som da Nação Zumbi, os alfaias, a bateria e o baixo formam um bloco sonoro com um peso impressionante. Sobre essa base grave e pulsante, Lúcio Maia mistura violência, suingue e psicodelia.

Antes de “Cidadão do mundo” e “Um satélite na cabeça”, Jorge dü Peixe lembrou das coincidências que 2016 reservava na vida da Nação. Além de marcar os 20 anos de lançamento de “Afrociberdelia”, neste ano Chico Science estaria completando 50 anos de vida.

O setlist também teve algumas pérolas do álbum de estreia do grupo, “Da Lama ao Caos” (1994). Uma delas foi “Banditismo por uma questão de classe”, tocada em uma versão mais dançante. A letra dessa música, criada há mais de duas décadas, é um exercício visionário de Chico Science. “Há um tempo atrás se falava de bandidos. Há um tempo atrás se falava em solução. Há um tempo atrás se falava e progresso. Há um tempo atrás que eu via televisão”, cantava.

Hoje, 22 anos se passaram, os bandidos mudaram, depois voltaram a ser os mesmos e a solução continua embaixo do tapete. “Maracatu atômico” encerrou a apresentação. De forma sempre discreta, sem quase nenhuma exposição à “grande mídia”, a Nação Zumbi construiu uma história riquíssima e inspiradora. Como Jorge dü Peixe anunciou que a banda está prestes a lançar um novo trabalho, essa história ainda terá novos capítulos.

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Hitmakers

Na sequência, vieram os Paralamas do Sucesso. Com quase 35 anos de carreira, Herbert Vianna (guitarra e voz), Bi Ribeiro (baixo) e João Barone (bateria) são uma fábrica de hits que sobreviveram ao tempo. Não pense que isso é fácil. Afinal, no mundo moderno, em que sucessos vem e vão com a mesma velocidade, manter-se em evidência é uma tarefa para os que realmente têm algo a dizer.

Antes do início do show, em uma contagem progressiva, o telão posicionado atrás do palco exibiu várias fotos, capas de discos e momentos marcantes da história do grupo. A instrumental “Vulcão Dub”, seguida do megaclássico “Alagados”, abriram o show. No palco, acompanhando o trio, estava o fiel escudeiro João Fera (teclados), além do naipe de metais formado por Bidu Cordeiro (trombone) e Monteiro Júnior (sax).

O show foi um desfile de canções que todos no Teatro Positivo conheciam de cor, da beleza de “Lanterna dos afogados” e “Quase um segundo” ao ritmo contagiante de “Trac trac” e “Meu erro”. Herbert parecia estar feliz por estar em Curitiba e pela parceria com a Nação Zumbi. Seu entusiasmo, claramente, contagiou o público que cantou praticamente todas as músicas com o vocalista.

Nação Zumbi e Paralamas do Sucesso - Teatro Positivo - 26/08/2016

Um talento acima da média

Ao ver um show dos Paralamas, mesmo que não acompanhe diretamente a carreira da banda, qualquer pessoa ficará impressionada com a precisão e a técnica do baterista João Barone. Do Rock ao Reggae, passando pelo Ska ou pelos ritmos brasileiros, sua forma de tocar se destaca naturalmente.

Além disso, os timbres que Barone consegue são límpidos e perfeitos para cada música. Na sequência do show, depois de “A novidade”, Herbert chamou a Nação Zumbi ao palco. Juntos, eles tocaram três músicas: “O beco”, “Selvagem” e “Manguetown”. A união dos alfaias da Nação com a bateria de João Barone foi algo impactante.

A banda encerrou a apresentação com a sua versão para “Que país é este”, da Legião Urbana. Outros grupos, como o Capital Inicial, também costumam fechar os seus shows com o quase “hino brasileiro” criado por Renato Russo. Mas tocada pelo Paralamas, sem precisar de nenhum discurso ou conotação política extra, a música ganhou mais seriedade e contundência.

Bandas como os Paralamas do Sucesso são essenciais dentro do rock nacional. Ver um show desses artistas serve para mostrar às novas gerações que, em algum lugar do passado, muitos desbravadores pavimentaram essa longa estrada que nos trouxe até aqui.

Veja três vídeos do show: “Selvagem” com as duas bandas tocando juntas, “Banditismo por uma questão de classe” com a Nação Zumbi e “Quase um segundo” com os Paralamas do Sucesso.