Texto: Marcos Anubis
Revisão: Pri Oliveira
Foto: Reprodução
O documentário “Guerrilha – a trajetória da Dorsal Atlântica” será exibido neste fim de semana em Curitiba. As sessões acontecerão no sábado (8) e domingo (9), às 19h, no Cine Guarani, localizado em frente ao Terminal do Portão.
Após a exibição do documentário, acontecerá um debate com a presença dos diretores, Frederico Neto e Alexander Aguiar, sob a mediação do jornalista Sandro Moser.
Resgate histórico
O DVD duplo foi produzido pela Sangue Produções e conta a história de uma das bandas mais importantes da história do Heavy Metal brasileiro. “A ideia do filme surgiu durante uma discussão na CINETVPR, na faculdade de cinema onde eu conheci o Alexander. Na época, tinha sido lançado o documentário do Anvil e aí surgiu a ideia de fazer uma trilogia documental sobre três bandas brasileiras que foram seminais no metal brasileiro: Vulcano, Sarcófago e Dorsal Atlântica. Quando saiu o anúncio do retorno da Dorsal, nós já sabíamos o que fazer”, explica Frederico.
A oportunidade de fazer o documentário surgiu em 2011. Na época, a banda estava prestes a lançar uma campanha de crowdfunding na plataforma Catarse para a gravação de um novo álbum, “2012”, que sairia no ano seguinte. “A conversa sobre o filme começou em 2011, quando eu fui fazer um estágio na Cinemateca do MAM, no Rio de Janeiro. Eu pensava em fazer uma adaptação ficcional do livro ‘Guerrilha’. Seria tipo um ‘Cidade de Deus’ com guitarras e todas essas doideiras da cena metálica carioca dos anos 1980”, relembra Frederico.
A biografia “Guerrilha” (1999) foi escrita pelo próprio Carlos “Vândalo”, que é jornalista. Com o lançamento do crowdfunding para o novo álbum, estavam abertas as portas para o documentário. “Quando rolou o anúncio da campanha na Catarse, eu fiz uma proposta para registrar esse retorno. Com o sucesso da campanha, nós fizemos uma correria pra fazer o filme acontecer na urgência e na precariedade”, complementa.
Morte aos falsos
Carlos “Vândalo” sempre foi a figura central da Dorsal Atlântica. Por esse motivo, um dos grandes trunfos do documentário é ter reunido várias visões diferentes sobre a trajetória do grupo, desvinculando um pouco a figura dele como o único interlocutor da banda. “Toda a trajetória da Dorsal sempre foi muito baseada na palavra do Carlos, herança do livro que ele escreveu sobre a banda. Ouvir outras vozes significava recriar uma memória coletiva, que muitas vezes era conflitante e até mesmo contraditória em alguns momentos”, explica Alexander. “No filme, tentamos inserir essa pluralidade de vozes que conflui justamente no ponto de vista do Carlos sobre o passado e o presente”, complementa.
Coerência e postura
Além de ser a cabeça pensante no conceito ideológico e musical da Dorsal Atlântica, Carlos também sempre foi um músico muito coerente, tanto em sua música quanto nas suas opiniões sobre o mundo do Metal.
Essa postura, exposta claramente em toda a obra da banda, pôde ser sentida no trabalho que Frederico e Alexandre desenvolveram ao lado de Carlos. “Ele tem todo um conceito dentro de si para tudo o que vai fazer e, se as coisas começam a sair diferentes do planejado, ele recomeça tudo. No documentário ‘MMXII’, essa noção fica bem clara em alguns instantes, quando o Carlos abandona a figura de músico e assume a de produtor, dizendo como quer que o disco soe”, afirma Alexander.
Essa maneira de ser é uma característica do Carlos e se reflete em todas as iniciativas em que ele se envolve. “Tudo faz parte de um projeto autoral que ele tem com a própria vida dele, que se reflete nas suas atividades como músico, escritor, ilustrador… Mas, por outro lado, chegamos a um impasse: até onde a voz do filme deveria ser a voz do Carlos? Acho que toda a dramaticidade do filme mora nessa questão e, por isso, trata-se de um processo tão colaborativo. É meio que uma grande bricolagem de como cada um enxerga a banda”, complementa.
Dois focos distintos
O primeiro DVD de “Guerrilha – a trajetória da Dorsal Atlântica” conta a história do grupo por meio de diversos depoimentos exclusivos e imagens raras. Entre os entrevistados estão os críticos musicais André Barcinski e Ricardo Batalha e o radialista e ex-VJ da MTV, Gastão Moreira. O segundo traz o curta-metragem “MMXII”, que documenta o retorno da formação clássica da banda, em 2012, para a gravação do álbum “2012”.
Carlos “Vândalo” Lopes (guitarra e vocal), Cláudio Lopes (baixo) e Hardcore (bateria) não tocavam juntos há 16 anos. “A ideia inicial era justamente fazer um documentário nos moldes do ‘MMXII’ que abarcasse toda a trajetória da banda, mas no decorrer do tempo as entrevistas feitas no processo de pesquisa acabaram tomando uma proporção maior e tivemos que separar uma coisa da outra. São dois filmes distintos e independentes um do outro, com abordagens diferentes, mas que giram em torno de um tema comum”, diz Alexander.
Todo o processo de gravação do documentário acabou demorando mais do que os produtores esperavam. Obviamente, não deve ter sido fácil encontrar e recuperar imagens de bastidores, entrevistas e shows que a banda fez ao longo de sua carreira. “Os registros audiovisuais começaram em julho de 2012 e terminaram em outubro de 2013. O processo de edição foi mais extenso porque necessitava não só dos arquivos da banda e isso demorava um tempo para se obter”, diz Frederico.
Em janeiro de 2015, todo esse esforço foi recompensado. “Ali fechou o corte definitivo, que depois teve umas lapidadas na pós de imagem e som. Prensado o DVD, nós fizemos uma cópia para cinema e tivemos que alterar umas coisas, ou seja, só aí foram cerca de doze versões do filme. Foi um trabalho demorado e feito nas horas vagas, de forma colaborativa e sem recursos”, explica Frederico.
O garimpo para resgatar as imagens que foram usadas no documentário foi exaustivo. Além do arquivo da banda e dos produtores, várias pessoas colaboraram para que o resultado final fosse bem-sucedido. “Existia um acervo de documentação da banda, que está sob a guarda do Carlos, e outros que nós conseguimos com os fãs, entrevistados e colaboradores que nos cederam fitas K7, VHS, fotocópias de zines e fotos. Ocorreu ainda a descoberta inusitada de um circuito de troca de vídeos de shows de bandas nacionais”, conta Frederico.
Parte do material usado veio do acervo de Frederico, que coleciona vídeos e matérias do underground nacional desde a década de 1990. “Eu já tenho um acervo de registros de várias bandas dos anos 1990 (tirei muitas fotos e filmei muitos shows entre 1997-2001) e consegui trocar nesse esquema underground. Aproveito esta entrevista para agradecer ao Salvador Lama, Luciano Vândalo, André Smirnoff e ao Kleber SemSang, que nos ajudaram nos arquivos”, complementa.
A relação entre o fã e o ídolo
A relação entre Frederico e a Dorsal remonta a década de 1990, ainda na condição de fã. “Eu tenho contato com eles desde 1998, quando assisti a um show em Ponta Grossa, na época do ‘Straight’. Aí, na época, nós trocávamos cartas e o Carlos respondia. Algo louvável”, relembra.
Atualmente, Frederico está trabalhando em um documentário que contará a história da banda curitibana Relespública. O filme ainda não tem data definida para o seu lançamento.
Histórias
A oportunidade de gravar o DVD rendeu muitas histórias envolvendo a banda e os produtores. Algumas delas, porém, ficaram marcadas de forma especial. “Foi engraçado notar a ‘aura’ que a Dorsal tem no Rio de Janeiro, mesmo depois de mais de dez anos de atividades encerradas. Não era incomum que, enquanto gravávamos na rua, pessoas completamente aleatórias passavam e gritavam ‘Dorsal!’, em uma prova do grande reconhecimento que a banda tem ainda hoje” conta Alexander.
Algumas dessas histórias, porém, não eram contadas em frente às câmeras. Elas surgiam nos bastidores, fora do set de gravação. “É incrível a relação que algumas pessoas têm com a presença de uma câmera. Grande parte das melhores e mais engraçadas histórias que ouvimos a respeito da cena carioca nos anos 1980 só foram possíveis após todos os equipamentos terem sido guardados. Nesse caso, só o que resta é o folclore”, diz Alexander.
Outro momento emocionante, durante as gravações do documentário, foi o “reencontro” da banda com as gravações originais do álbum “Antes do Fim” (1986). O disco é a obra- prima da Dorsal e um dos mais importantes álbuns da história do Heavy Metal nacional.
A master “reapareceu” durante a gravação do álbum “2012”, na volta da formação original da Dorsal Atlântica. “O Sergio Tullula, da Mutilation Records, conseguiu comprar as fitas originais e negociou com a banda uma nova prensagem. Soubemos disso e pedimos para o Sergio Filho (que remasterizou), filmar tudo. Rolou um ritual de purificação no estúdio, que tem no extra do DVD”, diz Frederico.
“Antes do fim” soa como uma gravação precária, feita com os recursos disponíveis na época. E esse é, justamente, o maior charme do disco. Por não ter uma superprodução ou truques de estúdio, o álbum se tornou um item cult, disputado até hoje entre os fãs do metal brasileiro. “Nós registramos o Carlos e o Claudio fazendo um balanço do disco. É uma das cenas que mais gosto e foi muito difícil tirá-la da versão final do documentário, por causa da representatividade do ‘Antes do Fim’. A propósito, durante a pesquisa descobrimos que ‘antes do fim’ era uma saudação usada nas correspondências da cena metálica na década de 1980. Escrevia-se ‘until the end’ e aí se assinava com o pseudônimo. O álbum é conectado à cena, é seminal e tem um vínculo umbilical e nostálgico”, finaliza Frederico.
A entrada para as sessões deste fim de semana em Curitiba custam R$ 12 (inteira) e R$ 6 (meia-entrada). As pessoas que colaboraram com a campanha da banda no site Catarse têm entrada gratuita. O documentário “Guerrilha – a trajetória da Dorsal Atlântica” será exibido neste sábado (8) e domingo (9) no Cine Guarani.
Nos dois dias as sessões acontecem das 19h às 22h. Durante o evento, será vendido um kit contendo o DVD “Guerrilha – a trajetória da Dorsal Atlântica”, um livreto e o CD “O Retrato de Dorian Gray”, que traz a versão 2012 da música “Guerrilha”, a faixa-título e uma entrevista com Carlos “Vândalo”.
O DVD também pode ser adquirido no site da Sangue Produções e na loja Let’s Rock (Praça Tiradentes, 106, loja 3, Centro. Fone: 3324-2676). O Cine Guarani fica na Avenida República Argentina, 3.432, em frente ao Terminal do Portão.
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