Texto: Marcos Anubis
Revisão: Pri Oliveira
Foto: Fernanda Pompermayer

Em 2011, uma banda curitibana conseguia o inimaginável: tornar-se uma celebridade nacional praticamente da noite para o dia. E, para tornar a ocasião ainda mais surreal, o objetivo se tornou realidade com apenas um clipe gravado sem grandes expectativas.

A autora dessa façanha foi A Banda Mais Bonita da Cidade que, quase sem querer, passou a conviver com os louros e os perigos da fama. “O grupo surgiu despretensiosamente. Era um escape musical em relação ao que fazíamos na época para ‘ganhar dinheiro’. Era onde podíamos testar e experimentar arranjos, tocar as músicas que eram dos nossos amigos e que achávamos incríveis. O clima era esse. Como eu trabalhava com audiovisual, sempre gravávamos algumas coisas até culminar em 2011 com o vídeo de ‘Oração’, que deu no que deu”, explica o tecladista e diretor musical do quinteto, Vinícius Nisi.

Nesta sexta-feira (30), o grupo celebra a sua maioridade com um novo álbum. O lançamento do CD “De Cima do Mundo eu Vi o Tempo”, seu 3º trabalho de estúdio, acontece em um show especial no Teatro Positivo, em Curitiba, e terá vários convidados.

O novo trabalho

Nos anos 1970, megabandas como o Led Zeppelin e o Black Sabbath costumavam se isolar em castelos ou mansões para gravar seus álbuns. Mergulhar em sua arte, sem nenhuma interferência de fora, costumava gerar grandes trabalhos.

O novo CD da Banda Mais Bonita também nasceu da mesma forma. Obviamente, não foi em um castelo, mas na Fazenda Santa Guilhermina, em Arapoti, no interior do Paraná.

Foi nesse bucólico cenário que Uyara Torrente (voz), Thiago Ramalho (guitarra), Vinícius Nisi (teclado), Marano (baixo) e Luís Bourscheidt (bateria), além dos convidados Lorenzo Flach (guitarrista de Ian Ramil), Felipe Ventura (guitarrista do Baleia) e Felipe Ayres (guitarrista do ruído/mm) construíram seu novo álbum.

Esse clima introspectivo, de certa forma, pode ser sentido na audição do CD. “Se isolar do ‘resto do mundo’ para realizar um trabalho artístico é o sonho de qualquer banda. O imediatismo e a falta de tempo são os maiores vilões para um artista. É preciso parar, refletir, estudar, testar e experimentar. A ideia boa (e sua realização) pode aparecer em alguns minutos ou em muitas horas. O processo de criação precisa acontecer em seu próprio tempo. Um processo de imersão, como fizemos, é muito gratificante enquanto banda, para todos se conhecerem mais, ‘largarem’ suas amarras e permitirem que as ideias fluam, convirjam e confluam”, explica Vinícius.

Praticamente todo o CD nasceu dentro dessas condições que o grupo criou para si próprio. “Nesse isolamento, nós fizemos toda a pré-produção do disco e gravamos todas as baterias também, para aproveitar a acústica do local (uma sonoridade que não poderíamos recriar em estúdio). O restante nós gravamos em casa mesmo, para continuar em um clima de fazer as coisas no nosso tempo”, complementa.

O próprio título “De Cima do Mundo eu Vi o Tempo” mostra o estado de espírito que cercou a banda durante as gravações. “Quando estávamos na fazenda, a Uyara havia pré-selecionado umas 30 músicas (para daí escolhermos as que comporiam o disco). Durante os ensaios, fomos percebendo o caminho que estávamos tomando, que muitas músicas que queríamos muito gravar acabaram ‘não fazendo sentido’, pela temática do disco, pelo clima que ele estava tomando. Um dia, a Uy chegou com esse nome e não tivemos dúvida, esse é o nome do que estamos fazendo aqui”, conta.

Vinícius também ressalta que uma das características da Banda Mais Bonita é absorver composições de amigos e parceiros e transformá-las, dando uma nova leitura a essas músicas.

Esse modo de pensar se reflete no novo álbum. “Não compomos as canções que tocamos. Nós trabalhamos conceitos e arranjos, ‘digerimos’ as canções e inventamos o nosso jeito de tocá-las. Isso é a Banda Mais Bonita: uma banda-intérprete. Temos canções de compositores/artistas de muitos lugares diferentes, do Rio Grande do Sul ao Acre. Temos recifense, paulistanos, curitibanos, tudo misturado para virar um disco!”, diz.

Convidados

O CD teve a participação de alguns convidados especiais. Um deles foi o guitarrista do grupo curitibano ruído/mm, Felipe Ayres. Em várias canções do CD, entre elas, “Inverno”, é possível perceber claramente o estilo da guitarra de Felipe.

As ambiências, característica fundamental do trabalho de Felipe Ayres com o ruído/mm, adicionaram ainda mais criatividade às interpretações da Banda Mais Bonita. “Quando decidimos nos isolar para fazer esses arranjos, sentimos que seria legal agregar mais pessoas para criarmos algo especialmente diferente. Pensamos no Felipe, que é um cara genial e muito criativo. Ele tem outra visão do instrumento e já ia para o caminho de sonoridade que estávamos querendo. Foi algo muito fluido: convidamos, ele topou (mesmo sem entender bem o que ele faria) e aí foi uma convivência deliciosa que culminou até na participação dele nos nossos shows. É bem mais legal tocar esses arranjos com a participação dele”, revela.

O lançamento do novo álbum acontecerá no Teatro Positivo. É raríssimo uma banda ou um artista curitibano ter uma casa tão grande para um show. A expectativa de Vinícius e seus companheiros, como não poderia deixar de ser, é enorme. “Temos sentido calafrios (risos)! Estamos bem emocionados por tocar em um teatro tão grande na nossa cidade. Já tocamos em muitos lugares grandes, mas esse show é muito especial. É o lançamento do nosso disco, depois de todo esse processo na fazenda. Tem bastante afeto nesse show e é muito gratificante poder fazê-lo com bastante gente junto! É uma responsabilidade enorme e estamos preparando uma apresentação linda para todo mundo se emocionar com a gente!”, diz.

Inteligência, boas letras e um toque Indie

Ao ouvir o álbum, duas músicas chamam a atenção. A primeira é “Inverno”, composição de Alexandre França. “Ele é um grande poeta/escritor/compositor daqui de Curitiba de quem a gente já roubou várias outras canções. Já tínhamos nos apaixonado por essa música nas versões dele. Então, pensamos que poderíamos fazer uma versão ‘nossa’, também, que ficaria bonita em um clima melancólico, ‘ondulado’. Ela acabou virando a nossa faixa de abertura!”, conta.

A outra canção é “Suvenir”, de Ian Ramil. “Ela é incrível! O Ramil lançou recentemente no disco dele em uma versão linda e bem parecida com o que poderíamos fazer com ela. Por isso, foi difícil decidir se gravaríamos ou não. Acabamos pensando em várias ‘novidades’ e ela entrou. É uma das minhas preferidas. Inclusive, é a música que vai abrir o nosso show. Podia contar (risos)?”, diz.

“De Cima do Mundo eu Vi o Tempo” também tem algumas versões para canções gravadas por outros artistas. Uma delas é “Trovoa”, do multi-instrumentista Maurício Pereira, que tornou-se conhecido nos anos 1980 ao lado de André Abujamra no grupo Os Mulheres Negras. “O Maurício é um gênio. ‘Trovoa’ foi a música mais arriscada que escolhemos. A Uya adorava cantá-la, então pensamos em gravar e acabou dando tudo certo. É uma música que está sendo redescoberta, né? Sei lá quantos anos ela tem, mas é legal participar da ‘proliferação’ dela em uma geração mais nova”, diz.

O mercado fonográfico e a cena curitibana

Nos anos 1980/1990, as grandes gravadoras eram o único caminho para um artista chegar ao público. Hoje, são as plataformas digitais que possuem o poder de alçar um grupo ao estrelato.

A Banda Mais Bonita da Cidade é um grande exemplo dessa força, pois já nasceu dentro da realidade da internet e, por meio dela, tornou-se um grande fenômeno de público. “As grandes gravadoras oferecem facilidades, mas também tem muita coisa estranha. Vai de cada artista pensar o que considera necessário para a própria carreira. Mas, sem dúvida, a internet é uma peça essencial. Divulgação do trabalho é tudo para quem faz arte. A gente já pensava assim desde o começo, mesmo com praticamente zero público nós já colocávamos tudo na internet, justamente para que mais pessoas pudessem ser tocadas por aquilo que fazemos. Fazer e difundir arte é o famoso ‘me ajuda a olhar!’, do Eduardo Galeano. A internet está aí para ajudar a olhar”, analisa.

A palavra “sucesso” pode significar muitas coisas, dependendo da forma com que ela é utilizada. A realidade é que Curitiba sempre teve bandas fantásticas, mas a esmagadora maioria não conseguiu destaque fora da cidade. “Aqui existe uma cena incrível. Meio tacanha, meio engraçada, meio blasé, meio tudo isso. ‘Fazer sucesso’ é extremamente relativo, né? Curitiba teve e ainda tem muitas bandas fantásticas, que nasceram e morreram sem que todos que poderiam ser tocados por elas fossem de fato”, avalia. “Tivemos a sorte do estouro de ‘Oração’, que ninguém mais teve. Acho que isso demanda uma responsabilidade. É uma razão para trabalharmos com muito amor e dedicação naquilo que a gente cria. A cada lançamento, a cada show, fazer valer essa sorte!”, complementa.

O nome A Banda Mais Bonita da Cidade, que sempre despertou curiosidade nas pessoas, veio do conto “A mulher mais linda da cidade”, do escritor Charles Bukowski. “A banda nasceu porque queríamos tocar as canções dos nossos amigos. Dizíamos: ‘o mundo precisava conhecer essas músicas, vamos fazer uma banda para tocá-las!’. Então, saímos tocando coisas do Troy Rossilho, do Luiz Felipe Leprevost e do Leo Fressato (que já faziam shows, mas muito ocasionais) e também músicas da Mordida, da Poléxia… Queríamos agregar tudo em uma banda só e fazer um ‘top hits’ de Curitiba. Daí, achamos que o nome A Banda Mais Bonita da Cidade combinaria. Ele é bem suntuoso, engraçado, pretensioso, enfim… E, se a gente consegue abstrair ‘Os Paralamas do Sucesso’, conseguimos abstrair qualquer coisa, né?”, explica.

Além do lançamento de seu novo trabalho, o grupo também acaba de firmar uma parceria com a produtora curitibana Urso de Óculos (UDO). A ideia é deixar a empresa cuidar do gerenciamento de sua carreira e manter a sua atenção voltada para a música. “Eles nos procuraram e foram muito receptivos aos nossos anseios e necessidades. É muito bom ter outras pessoas pensando conosco, com uma visão de fora e profissional sobre o nosso trabalho. Queremos sempre dar passos maiores, comunicar e emocionar mais pessoas e é bom agregar gente interessada no mesmo ideal para caminhar conosco!”, explica.

Sem dúvida, Vinícius e seus companheiros de banda possuem uma história única dentro da cena curitibana. Hoje, oito anos após o seu nascimento, eles podem olhar para trás e perceber o quão inusitada foi aquela situação. “Foi a melhor coisa que nos aconteceu, e também a mais louca. Acho que ninguém passou por algo tão bizarro na vida. Literalmente, de uma hora para outra, nós já não tínhamos mais referência de nada. Foi um susto mesmo, algo completamente inesperado. Houve coisas ruins, sobretudo relacionados à imprensa e à crítica, mas que nos fizeram entender e amadurecer. Disseram que a gente era ‘um bando de jeca’ e, quer saber, nós éramos mesmo. E ainda somos (risos)!”, finaliza.

O lançamento do álbum “De Cima do Mundo eu Vi o Tempo” acontece nesta sexta-feira (30), às 21h, no Teatro Positivo, que fica na Rua Pedro Viriato Parigot de Souza, 5.300, no Campo Comprido. Confira neste link os valores e pontos de venda dos ingressos.