Texto: Marcos Anubis
Revisão: Pri Oliveira
Foto: Divulgação
Em 1987, uma banda paulista causava espanto no Brasil ao mesclar de forma magistral todas as influências musicais possíveis. Unindo Rock, Heavy Metal, Funk, Rap e tudo o que aparecia pela frente, o Gueto lançou um dos álbuns mais importantes da história da música nacional.
Hoje, 30 anos depois, “Estação Primeira” (1987) ainda se mantém como uma referência. Para celebrar as três décadas do álbum, Márcio (guitarra), Marcola (baixo), JC (vocal) e Edson X (bateria) estão preparando um show especial. Nas apresentações, eles também mostrarão algumas composições novas, pois o grupo está retomando as suas atividades.
Nos anos 1980, ser “descoberto” por uma grande gravadora era a única maneira de uma banda conseguir um contrato, gravar um disco e se tornar conhecida. Foi o que aconteceu com o Gueto.
Na época, a banda já chamava a atenção pela originalidade de suas composições e pela energia de seus shows. Atentos a isso, em 1986, a revista Bizz, a mais importante publicação musical da história do Brasil, lançou uma coletânea com os melhores artistas do ano. Uma das faixas do compacto era “G.U.E.T.O” que, na sequência, se tornaria um dos clássicos do grupo.
Outras duas músicas da banda, “Luta” e “Fotografia”, foram incluídas na coletânea “Não São Paulo II” (1987). “A negociação para o lançamento do álbum começou depois que a música chegou até o Pena Schmidt, que na época era o ‘olheiro’ da WEA. Nós também fizemos um show no bar Kaleidos, no bairro do Bexiga, em São Paulo, e alguém da WEA assistiu e gostou do som. Na época, as gravadoras estavam interessadas em novidades e isso também ajudou”, explica JC.
A partir daí, a WEA assinou um contrato com a banda e deu início a ao processo de gravação do primeiro álbum. A pré-produção foi realizada no estúdio RAC, no bairro de Pinheiros, em São Paulo. “Como estávamos com a nossa sonoridade baixo, bateria, guitarra e vocal, fizemos o nosso mix Soul/Samba/Rock/Heavy/Rap com muita energia! Os técnicos chaparam! Mas a cartilha do Funk sempre incluía metais, teclados, percussão, etc. Então, nós adicionamos algumas pitadas. O Pena Schmidt trouxe a ideia das participações. Talvez as mais marcantes sejam o trombone do Raul de Souza em ‘Ensaio geral’, os scratches do DJ Marlboro em ‘G.U.E.T.O’ e ‘Estação primeira’ e o solo de teclado do Paulo Calasans em ‘A mesma dor’. No final, a produção do Geraldo D’arbilly acabou marcando a sonoridade do álbum. Foi ele quem trouxe a ideia de samplear sons de bateria eletrônica e usar o trigger”, explica Marcola.
A primeira música do álbum a se tornar conhecida foi “G.U.E.T.O.”, faixa que colocou o grupo em todas as rádios rock do país. O irônico é que ela quase não entrou na versão final do LP. “Sem dúvida, ela foi um acontecimento. Foi a última música que fizemos antes de gravar e não sabíamos que a WEA ficaria interessada, pois a ‘Borboleta psicodélica’ tinha um refrão que pegava desde o início quando tocamos pela primeira vez. A palavra final foi da gravadora. Como a música foi divulgada no país todo, ela ficou muito marcante por se tratar de algo inédito no Brasil, talvez no mundo: um power trio com vocal fazer um Rap falando sobre suas influências e apresentando os músicos! Outro detalhe importante é o impacto que essa música tem nos shows”, conta Márcio.
Em Curitiba, por uma feliz coincidência, a rádio mais importante que a cidade já teve também se chamava Estação Primeira. A emissora entrou no ar em novembro de 1986 e o interessante é que ela foi batizada com esse nome sem que seus criadores soubessem da gravação do disco do Gueto.
A conexão aconteceu com a faixa-título do álbum, que retratava muito bem aquele momento na comunicação brasileira, em que as chamadas rádios rock começavam a surgir. “A letra veio de uma vontade de encontrar uma rádio com as influências que temos. Ouvir rádio no meio dos anos 1980 era garimpar no dial e conseguir achar na sorte. Hoje, você faz a sua playlist ou procura e acha tudo na internet”, diz Edson X.
Em 2014, em uma entrevista concedida ao jornalista Marcos Anubis, o criador da rádio Estação Primeira, Helinho Pimentel, explicou como foi a reação da direção da emissora ao ouvir pela primeira vez o álbum de estreia do grupo. “Houve um dia na rádio em que estávamos eu, o Mário Ribeiro (diretor comercial), o Fernando Tupan (programador musical) e meu irmão Arnoldo, que era uma grande figura. Aí chegou um disco do Gueto, o ‘Estação Primeira’, enviado pelo divulgador da Warner. Como ele tinha uma música chamada ‘Estação primeira’, nós fomos direto nela”, explicou Helinho.
A surpresa e o entusiasmo das pessoas que estavam na rádio, naquele momento, seria ainda maior ao ouvir o álbum. “Colocamos o disco em uma pickup do estúdio, que tinha uma ‘sonzeira’ e duas caixas fabulosas e quando a música entrou nós percebemos que ela tinha uma letra sensacional e simplesmente contava a história da rádio. Ela dizia que o jovem não tinha mais com o que se preocupar, que agora ele tinha uma rádio para ouvir”, continuou.
A partir daí, o Gueto se tornou uma das preferidas da casa e também dos curitibanos. Tudo por culpa da faixa-título do álbum e da visão de Helinho, que abriu espaço para inúmeros artistas nacionais que não encontravam espaço em outras emissoras. “Ela pegou em todo mundo, se transformou em vinheta e virou um hit da rádio. Por conta disso, nós fizemos a primeira festa de aniversário da Estação Primeira com um show do Gueto. Aquilo foi uma coisa muito marcante para todo mundo, porque nós não conhecíamos a banda e todos ficaram enlouquecidos com a levada. E realmente esse disco era mesmo muito bom. Na hora nós já ligamos para a gravadora e os convidamos para tocar na nossa festa”, finalizou Helinho Pimentel.
O grupo também se surpreendeu com o convite e com o impacto que a banda tinha causado na capital paranaense. “Quando chegamos em Curitiba, ficamos felizes por saber que, além de existir uma rádio com esse nome, ela ainda usava a música ‘Estação primeira’ como vinheta. Eles sempre foram muito gentis e divulgaram bastante o Gueto”, relembra JC.
Na sequência, o grupo fez uma turnê de lançamento do álbum que passou por várias capitais brasileiras. “Em Curitiba, nós tivemos uma conexão especial, tanto que quando voltávamos para fazer shows no Aeroanta de Curitiba, a casa ficava lotada e o público conhecia todas as músicas. Sem dúvida, foram alguns dos melhores shows que já fizemos!”, relembra Marcola.
Mas além de apresentar uma mescla única de estilos musicais, “Estação Primeira” também tem letras bem inteligentes, entre elas “Uma estória” e “Esse homem é você”. Isso ajudou a fazer com que o álbum se tornasse uma obra-prima da música brasileira.
Essa preocupação em criar um bom texto, além de boas composições, aliás, é uma das características da geração de bandas dos anos 1980. “Sempre percebemos que o rock brasileiro tinha um conteúdo poético e, algumas vezes, sentíamos a necessidade de uma sonoridade adequada do som da banda com o som das palavras. Então, trabalhamos para isso. Recebemos elogios e também críticas, porém, as letras sobrevivem com a sua ideia filosófica simples, que se comunica através do arranjo. Acho que conseguimos algo e sempre estamos tentando melhorar”, opina Márcio.
Hoje, 30 anos depois de seu debut, o Gueto está se preparando para voltar aos palcos definitivamente. Existe a possibilidade, inclusive, de a banda se apresentar em Curitiba nos próximos meses. “A ideia é trabalhar novas canções. Temos quatro pré-produções e a intenção é continuar compondo”, finaliza Edson X.
Confira a participação do Gueto no programa Show Livre (que foi ao ar no dia 12 de setembro), apresentado pelo músico Clemente Nascimento, guitarrista e vocalista do Inocentes e da Plebe Rude.
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