Texto: Marcos Anubis
Fotos e revisão: Pri Oliveira
Os punks da Plebe Rude não carregam manchas em sua trajetória de quase quatro décadas. Isso acontece por causa de um simples, mas raríssimo motivo: desde o seu primeiro álbum, o clássico “O Concreto já Rachou” (1985), a banda sempre foi coerente com suas ideias e princípios, tanto musicais quanto pessoais.
Por isso, ao revisitar o período que marca os primeiros passos da Plebe, entre 1981 e 1983, o grupo não correu o risco de soar datado. Estabelecido esse contexto, Philippe Seabra (vocal e guitarra), André X (baixo e vocal), Clemente Nascimento (guitarra e vocal) e Marcelo Capucci (bateria) acabam de lançar o álbum “Primórdios”.
Retorno ao passado
A ideia do projeto surgiu em 2016, quando Clemente e o escritor Marcelo Rubens Paiva lançaram o livro “Meninos em Fúria e o Som que Mudou a Música para Sempre”, que conta parte da história do movimento Punk brasileiro. “Foi aí que eu percebi a necessidade de escrever as minhas memórias, também, pela perspectiva única de ser o caçula do rock brasileiro dos anos 1980. Então, liguei para o André para tirar algumas dúvidas sobre as letras dos primórdios da Plebe e foi aí que percebemos que era a hora de registar esse momento mágico da história da banda”, revela Philippe.
A partir daí, Philippe e André contaram com o auxílio dos jornalistas Olímpio Cruz Neto e Paulo Marchetti (autor do livro “O diário da turma 1976-1986: A História do Rock de Brasília” (2001).
O trabalho inicial do quarteto foi levar a cabo uma pesquisa para literalmente resgatar essas canções do limbo. “De algumas, como a ‘Ditador’, eu simplesmente não lembrava. Foi um encontro de velhos amigos, um projeto muito divertido que não deu o mínimo trabalho, pois, mesmo latentes, essas canções estavam na veia”, diz.
“Primórdios” foi gravado ao vivo na casa Espaço Som, em São Paulo, no final de 2017, com direção de Walter Abreu. O palco e o cenário, inclusive, foram montados com a intenção de recriar o clima daqueles shows do início dos anos 1980.
Apenas os amplificadores e um pano de fundo com a logo da Plebe Rude compõem o ambiente da gravação. “O Espaço Som é a cara do tipo de lugar onde tocávamos esse repertório em São Paulo no ano de 1983, como o Madame Satan, o Napalm e o Rose Bom Bom”, diz.
O CD é composto por 17 faixas, sendo nove inéditas: “Bandas BSB”, “Cavalaria rusticana”, “Disco em Moscou” (que tem uma versão ao vivo e outra em estúdio), “Ditador”, “Festas”, “Gritos no escuro”, “Moda”, “Pirataria” e “Tá com nada”. A faixa “Nada” teve a sua letra original gravada em cima de uma base diferente da lançada no segundo álbum da Plebe, “Nunca Fomos Tão Brasileiros” (1987). Já a música “Dança do semáforo” conta com a participação de Gabriel Thomaz e Érika Martins, do Autoramas.
Em uma dessas músicas, a sarcástica “Bandas BSB”, Philippe e André admitem que a intenção era “sacanear” as bandas de Brasília daquela época. “O papel da Plebe era o de sacanear todo mundo e continuamos desse jeito. Isso foi uma coisa que fez com que o Herbert (Vianna, guitarrista e vocalista do Paralamas do Sucesso) se apaixonasse pela banda, tanto que ele produziu três discos nossos”, diz.
Apesar de não ter participado da composição dessas canções, Clemente (que também faz parte de outro ícone do punk brasileiro, a banda paulista Inocentes, e já está há 14 anos com a Plebe) não ficou desconectado do projeto. “Ele lembrava de muitas dessas músicas, pois essa foi a fase em que a Plebe tocava junto com o Inocentes e o Neuróticos, as outras bandas do Clemente, pelo circuito underground paulista em 1983. Ele foi literalmente o primeiro punk que nós conhecemos, pois foi o Clemente quem nos buscou na rodoviária quando chegamos em São Paulo pela primeira vez para o derradeiro show da casa noturna Napalm. O resto é história”, conta.
Outros tempos
As canções do álbum refletem o espírito de uma época e foram escritas de uma maneira direta e simples. Ao ouvi-las, o fã se conecta diretamente ao que é falado. “O som é cru e a postura é punk. A música conectava as pessoas, naquela época, e isso tem se perdido no mar insosso de música pop que começou a tomar conta. E agora, com essa onda de cover, então… Mas a gente não se entrega, e nem os fãs da Plebe. Ainda acredito que vale a pena ter princípios, e nós sempre fomos coerentes na postura de jamais abaixar a cabeça para o mercado, mesmo pagando um preço alto por isso. Essa conexão nós ainda temos com os fãs”, analisa.
Mas talvez a maior preocupação da Plebe durante toda a sua carreira (e ainda é assim) seja o impacto das letras das músicas nos fãs da banda. Só que esse tipo de postura, hoje, não é tão simples e comum quanto era há 37 anos.
Alguns fãs da Plebe ainda mantêm um pouco daquela chama contestadora que inflamava as plateias na década de 1980, quando o Brasil estava recém-saindo da ditadura militar. Porém, a sociedade brasileira pós-impeachment vem se tornando cada vez mais intolerante, em um contraste muito grande com aquele período que viu o surgimento da Plebe e de várias outras bandas importantes.
Musicalmente, Philippe acredita que aquela chama ainda se mantém acesa de alguma forma. “Foi uma época em que as pessoas clamavam pelo novo, pelo inusitado. Sim, as coisas mudaram, mas ainda existem pessoas interessadas em postura, em mensagem, e não apenas em alguma merda que se pode cantar junto”, afirma.
Olhando para o que o mercado musical brasileiro se tornou, nas últimas décadas, Philippe não é tão otimista. “Rola muita coisa bacana no underground, mas o mainstream está fraco, muito fraco. Já tocou Arnaldo Antunes, Plebe e Renato (Russo) na rádio, e olha o que temos hoje. É uma pena”, analisa.
Além do novo CD, Philippe também está preparando a sua biografia, que deve ser lançada no fim de 2018. “Estou escrevendo sem ghost-writer e ela está 75% pronta”, diz. As histórias que certamente serão reveladas no livro certamente incluirão o baixista André X, que é curitibano, o fiel escudeiro de Philippe desde a criação da Plebe.
Por causa disso, a relação da banda com Curitiba vem de longa data. O maior show do grupo na capital paranaense aconteceu recentemente, em 2016, quando o quarteto tocou na Pedreira Paulo Leminski lotada, abrindo o show do Guns N’ Roses. “Foi bacana. Ao todo, fizemos sete shows com o Guns, que nos escolheu para a excursão. Curiosamente, a Plebe e o Inocentes inauguraram a Pedreira, em um festival no ano de 1988. E vale lembrar que o André é curitibano, torcedor do Atlético Paranaense”, conta.
Um retrato fiel do Brasil
As músicas da Plebe, em sua grande maioria, literalmente explicam a história do Brasil nos últimos 40 anos. Frases como “a PM na rua, nosso medo de viver, o consolo é que eles vão me proteger, a única pergunta é me proteger do quê?” (Proteção) ou “Com tanta riqueza por aí onde é que está, cadê sua fração?” (Até quando esperar) são um espelho da sociedade brasileira.
E tal qual um peixe fora d’água no rock nacional do século 21, a veia de inconformismo que a Plebe carrega dentro de si ainda continua viva. A maior prova disso é a quantidade inacreditável de músicas do quarteto de Brasília que foram escritas há décadas e permanecem soando como novas.
“Voto em branco”, faixa do CD “Primórdios”, é um desses exemplos. “Seja alguém, vote em ninguém. Esquerda, direita, em cima, embaixo, você assim e eu assado. Quando vamos parar de tomar lados? Quando vamos parar de ser enganados?”, diz a letra.
O assustador é que ela poderia ter sido composta hoje, mas é o retrato da sociedade brasileira do início dos anos 1980 que basicamente continua a mesma. “Essa música foi uma chacota em uma época em que nem voto direto tinha. E mesmo assim, ela ajudou na prisão da Plebe e da Legião em Patos de Minas, em 1982. Agora, 36 anos depois, a situação é bem diferente, mas igualmente desanimadora. Mas não entregamos os pontos”, diz. “Usamos o espaço que temos na mídia e a potência do microfone para expressar a nossa opinião e dar voz a quem não tem. É postura que expressamos por meio da música, não por blog ou Facebook. Pela música, comprometendo a carreira”, complementa.
Indiferentes ao mercado musical e aos modismos políticos/sociais do momento, a Plebe Rude segue como um artifíce do seu tempo. Musicalmente, a banda continua lançando material novo e com qualidade, fato raro entre os nomes mais antigos do rock nacional. Porém, o mais importante é que o grupo não se vendeu a ninguém, seja por dinheiro ou por ideologias passageiras.
Em seus 37 anos de idade, a Plebe sempre foi a Plebe. “Penso que fazemos o que é certo. Eu vejo a nossa equivalência na música de forma parecida com o médico que poderia estar ganhando mais no setor privado, mas fica no hospital público, pois é a coisa certa a se fazer. Ou como o professor que não se entrega ao sistema falido e acredita que pode ajudar a melhorar o país. No nosso caso, guardadas as devidas proporções, pode ser uma gota no oceano, mas pelo menos fazemos a nossa parte como cidadãos”, finaliza Philippe Seabra.
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