Texto: Marcos Anubis
Fotos: Pri Oliveira

Considerado um dos mais criativos instrumentistas do mundo, o “Bruxo” acaba de lançar dois CDs em menos de um ano  

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Nas artes ou nos esportes, adjetivos como Bruxo ou Mago são usados para definir gênios. No mundo da música, poucos são os que merecem um termo tão ousado. Aos 82 anos, completados na última sexta-feira (22), o brasileiro Hermeto Pascoal está nessa seleta lista.

O Bruxo é um cidadão universal, como a sua música. Hermeto morou durante aproximadamente 12 anos em Curitiba, quando estava vivendo ao lado da instrumentista e cantora Aline Morena. A ligação com a cidade, porém, é anterior a esse período. “Antes de eu morar em Curitiba, eu já tinha uma relação com a cidade, pois foi um lugar que sempre me acolheu”, conta Hermeto.

Entetanto, mesmo com toda a sua genialidade, Hermeto involuntariamente também conheceu o lado pouco atrativo da capital paranaense: a falta de espaço mesmo para os artistas mais consagrados. “Nos 12 anos em que eu morei em Curitiba, talvez, eu tenha tocado umas 12 vezes só. Eu senti falta disso, mas nunca poderei reclamar do público curitibano. Eu ficava ansioso para tocar e o povo para me ouvir. Curitiba é um dos meus xodós, é uma namorada que eu nunca vou esquecer”, diz.

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Quase meio século de Música Universal

A trajetória artística de Hermeto começou em 1973, com o álbum “A Música Livre de Hermeto Pascoal”. Desde então, o Bruxo é conhecido por compor o que ele chama de Música Universal. “Com 14 anos, eu fui para Recife e lá eu ouvia os maestros Duda e Nelson Ferreira, entre outros, ou os grandes músicos tocando Frevo, e isso foi se formando cada vez mais na minha cabeça. Por isso, a minha cabeça e a minha música são universais, porque tem de tudo. Se eu leio um livro, eu analiso do meu jeito, não da forma da pessoa que escreveu. Seja o Frevo, o Jazz, o Chorinho ou o Samba, todos têm o seu estilo, mas isso não quer dizer que eles não tenham semelhanças um com o outro. São todos parecidos, no sentido da criatividade”, explica.

Os dois mais recentes trabalhos de Hermeto foram lançados com de menos de um ano de intervalo. O primeiro, “No Mundo dos Sons” (2017), é um álbum duplo com 18 músicas inéditas que possuem títulos bem inusitados, como “Para Miles Davis”, “Para Thad Jones” e “Viva Piazzolla”.

Ao batizar as canções usando os nomes de grandes artistas da música international, Hermeto, de certa forma, mergulha ainda mais na liberdade que busca em tudo que cria. “Todos nós que respiramos o mesmo ar, temos a mesma influência. Quando ela é procurada, é errado, tem que deixar fluir. Quando você admira outra pessoa, de qualquer área, já é uma influência, é um calor bonito, uma somatória universal. Eu não conheci o Piazolla ou o Miles Davis, mas a gente se via nos aeroportos, correndo, porque cada um tinha um horário. Parecia até que a gente não se dava, mas é ao contrário. Quando a coisa é muito espiritual, as pessoas até se encontram menos. A música segura o mundo, enquanto a gente viver. Ela é a maior fonte de alegria e prazer”, diz.

Já na sequência, no final de maio, foi lançado “Hermeto Pascoal e sua Visão Original do Forró”, disco que, originalmente, foi gravado em 1999 e conta com algumas participações especiais, entre elas, a do cantor, músico e compositor pernambucano Alceu Valença.

Os dois trabalhos mostram faces diferentes, mas que revelam toda a criatividade que o Bruxo carrega dentro de si e que sempre fez parte da alma de Hermeto. “Eu não premedito. A criação pra mim é solta, ela vem, é com o meu pensamento. Eu me surpreendo quando eu escuto esse álbum e com os parabéns que tenho recebido de pessoas no mundo inteiro. A música não passa, ela vai ficando e você vai subindo degrau por degrau, você não para de subir. A música é eterna como o vento, a água do mar ou as estrelas”, explica.

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Bruxo no estúdio, Mago ao vivo

No último mês de maio, Hermeto se apresentou na 2ª edição do Festival BB Seguros de Blues e Jazz, evento que reuniu um grande público no Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba. Como a entrada era gratuita, muitas pessoas, provavelmente, tiveram uma oportunidade única de assistir a um show do Bruxo e das outras atrações do festival: Stanley Jordan & Dudu Lima Trio (com a participação do baterista Ivan “Mamão” Conti), Pepeu Gomes, Nuno Mindelis, O Bando, Milk’n Blues e BB Seguros Jazz Band.

Dentro da simplicidade de Hermeto Pascoal, estar perto do público é uma das diretrizes que devem nortear a carreira de um artista. “As pessoas vão quando elas querem ir. Quando eu vou tocar, eu vou sentindo o clima do que está acontecendo na hora. É por isso que no palco, nos momentos que eu não estou tocando, estou fazendo esse trabalho de sentir a música e o público. Eu não acho que o artista seja o máximo. Um artista sem o público não está com nada. O público também é o artista da música. A mesma música que eu toco em um Teatro Municipal, eu posso tocar na rua, sem qualquer tipo de preconceito. O público vai porque tem muita gente lá que eles querem escutar”, diz.

Nas músicas compostas por Hermeto, nada é fixo, tudo sempre está em movimento e em transformação. Essa liberdade também é estendida aos músicos Itiberê Luiz Zwarg (baixo), André Marques (piano), JP (instrumentos de sopro), Fábio Pascoal (percussão) e Ajurinã Zwarg (bateria), que acompanham o Bruxo em sua jornada. “A primeira coisa que os músicos precisam ter é uma concepção boa, que não se estuda na escola. Elas tentam ensinar, mas não podem, porque é o dom, é preciso nascer com ele. Todos nascem com o seu e cada um fazendo o seu nível bem feito, se soma em um todo universal. É sobre isso que eu falo quando digo Música Universal. Porque o mundo corre, corre, e eu brinco dizendo ‘pera aí, rapaz, eu não vou te pegar, não”! Eu acho que nós temos que tocar e não premeditar porque, quando chegar a hora, não é aquilo que você premeditou”, analisa.

Há alguns anos, Hermeto tomou a atitude corajosa de liberar todas as suas músicas para que qualquer músico pudesse gravar sem a necessidade de muita burocracia. Hoje, os resultados dessa decisão podem ser melhor avaliados e, ao que parece, são bem diferentes do que ele imaginava. “Essa é uma boa pergunta! Quando eu tomei essa decisão, o meu interesse maior foi justamente escutar as minhas músicas, só que eu não tenho nem duas músicas para escutar depois de tudo isso que eu fiz. Pouca gente me manda ou, então, quase ninguém gravou. Nesse ponto, eu estou em uma espera. Não é ruim, é uma espera boa porque aguardar uma música é como esperar o vento pra respirar”, diz.

Hermeto Pascoal é uma alma rara, desprovida de amarras em um universo fonográfico cada vez mais comercial. Sua visão do que é a arte transcende a mesmice criativa que define a música no mundo, atualmente. Mas o mais importante, acima de tudo isso, é que essa alma continua produzindo de forma inquieta.

Confira um vídeo da apresentação do Bruxo na 2ª edição do Festival BB Seguros de Blues e Jazz.

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