Stanley Jordan, um fora de série que foge dos padrões

Stanley Jordan é um fora de série, no significado mais puro do adjetivo. Afinal, o músico norte-americano é, tanto tecnicamente quanto na forma de tocar, um dos guitarristas mais virtuosos do mundo. Jordan desenvolveu um estilo de tocar guitarra, batizado de “técnica de toque”, que é criativo e muito original, pois praticamente transforma a guitarra em um piano. Nela, Stanley executa os acordes e as linhas melódicas simultaneamente, usando as duas mãos, com uma complexidade que realmente impressiona.

Apesar de ser normalmente rotulado como um músico de Jazz Fusion, Stanley absorve e integra vários elementos musicais diferentes. Porém, até chegar a esse formato, ele percorreu um longo caminho. “Meu primeiro instrumento foi o piano, então, eu comecei a tocar guitarra aos 11 anos. Eu amava a expressividade da guitarra, mas sentia falta da complexidade orquestral do piano. Eu queria tocar guitarra, mas trazendo para ela algumas das possibilidades orquestrais do piano. Então, experimentei novas formas de tocar e, finalmente, desenvolvi o que chamo de técnica de toque”, explica.

Superação e criatividade

A história de vida protagonizada por Stanley até o início de sua carreira tem um enredo cinematográfico, afinal, ele foi descoberto da forma mais surpreendente possível. “No início dos anos 1980, eu era músico de rua e, durante esse tempo, conheci o Bruce Lundvall, que era o presidente da Electra Records. Ele me ajudou muito e, a cada dois meses, ele me ligava apenas para avisar que eu tinha um contrato de gravação esperando por mim. Alguns disseram que eu deveria assinar o contrato, mas eu ainda não estava pronto”, conta.

Stanley simplesmente recusou o contrato, naquele momento, por não se achar preparado para assumir aquela responsabilidade. Aos poucos, ele foi refinando a sua técnica e transpondo seu virtuosismo para as composições. Quando resolveu aceitar o convite, porém, uma enorme surpresa aguardava o guitarrista. “Finalmente, me senti pronto e fui ao escritório do Bruce para assinar o contrato. Então, ele me disse: ‘Antes de falarmos sobre isso, eu não trabalho mais aqui. Ontem à noite eu recebi uma ligação do presidente da Capitol Industries. Eles querem reviver a Blue Note Records e começar uma nova gravadora Pop e querem que eu execute a coisa toda. Eu quero que você seja o primeiro artista que eu contrato’. Então, o ‘Magic Touch’ foi mágico antes mesmo de gravarmos a primeira nota!”, relembra. “Magic Touch” (1985), o primeiro álbum de Stanley pela nova gravadora, foi muito bem recebido por público e crítica, o que mostra que a decisão foi acertada.

Nessa época, o conselho que Stanley mais ouvia era “você tem que fazer uma escolha”, no sentido de seguir em um único caminho musical. Porém, ele decidiu apostar na contramão das regras pré-estabelecidas. “No começo, eu tive problemas para fazer apresentações porque o meu show era incomum e os donos dos locais não sabiam o que fazer comigo. É por isso que comecei a tocar nas ruas, onde aprendi que poderia tocar qualquer estilo que quisesse. Adotar essa abordagem da indústria nem sempre foi fácil, mas tenho as lembranças dos dias de rua para me fortalecer, por isso, sei que estou no caminho certo”, analisa.

Uma das pessoas que mais influenciaram a carreira de Stanley foi o músico e compositor norte-americano Milton Babbitt, com quem o guitarrista estabeleceu uma relação de amizade e respeito. “O Babbitt não foi apenas um grande compositor e um importante teórico musical, mas também foi uma pessoa inspiradora – um dos oradores mais eloquentes e pensadores mais brilhantes que já conheci. Ele tinha um senso de humor rápido, um amor verdadeiro pela música e explorava as possibilidades da música. Ele nunca vendeu sua música para o comercialismo”, diz.

Da mesma forma que a maioria dos instrumentistas talentosos, Stanley coloca sua música em primeiro lugar. O problema é que “negociar” com a indústria da música para lançar álbuns com suas ideias sem ceder às pressões do mercado fonográfico não é uma tarefa nada fácil. “Isso é engraçado, pois estávamos falando sobre o capitalismo! Assim como o capitalismo feito corretamente pode apoiar o meio ambiente, ele também pode apoiar as artes – mas, novamente, apenas se for feito da maneira correta. É como enfiar um fio em uma agulha – há mais maneiras de errar do que de acertar. Eu tento fazer música pela pura alegria de deleitar o coração, aguçar a mente, curar o corpo e edificar o espírito. De forma separada, eu repasso o que criei para procurar coisas que posso trazer ao mercado”, explica.

Talvez o maior desafio enfrentado por instrumentistas virtuosos seja, justamente, equilibrar a técnica com a criatividade e lidar com esse dilema é uma atividade diária.  “A habilidade em um instrumento é valiosa, mas é apenas um meio para um fim e não um fim em si mesmo. E não vamos esquecer, o maior instrumento musical é a mente. Algumas das minhas melhores composições vêm a mim quando eu nem sequer tenho uma guitarra em minhas mãos. É o caso da ‘Capital J’, do meu álbum ‘Friends’. Eu ouvi isso em minha mente durante um vôo para Nova York e acabei de escrever em um papel”, explica.

A ligação com o Brasil

No último mês de maio, Stanley se apresentou na 2ª edição do Festival BB Seguros de Blues e Jazz, no Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba, ao lado do Dudu Lima Trio (com a participação do baterista Ivan “Mamão” Conti). A cobertura completa você pode ler neste link.

Tocar no Brasil, aliás, é algo que sempre fez parte da carreira do guitarrista. “Eu me sento em casa com o público brasileiro desde minha primeira apresentação aqui, em 1985. O show com o Dudu Lima não foi uma exceção. Já toquei em Curitiba antes, mas desta vez senti a qualidade de vida. Eu realmente gostei da vibração das pessoas que tiveram um bom dia no parque e tentamos ajudar a criar aquela celebração do momento. Os sábios do Oriente nos dizem que o caminho para a iluminação espiritual requer total atenção plena – estar no momento. Para mim, as artes ajudam com isso porque criam um momento tão maravilhoso que você não quer estar em outro lugar. Em Curitiba, pudemos compartilhar esses momentos brilhantes com o público e por isso me senti verdadeiramente abençoado”, elogia.

Além da música, Stanley também se envolve com outras áreas bem distintas. Uma delas é a conservação ambiental. O guitarrista apóia o Projeto Tamar, que trabalha para a preservação das tartarugas marinhas. A ligação veio após uma apresentação em um evento do projeto. “Sempre gostei de tartarugas – eu tinha três animais de estimação quando criança. Então, um dia, eu me apresentei no Projeto Tamar e foi um momento de mudança de vida. As pessoas geralmente pensam que o capitalismo é inerentemente anti-ambiental, mas o Projeto Tamar transformou a conservação da natureza em um empreendimento florescente”, explica.

Outra faceta pouco conhecida de Stanley é que ele também se dedica ao estudo da Musicoterapia. Entretanto, o guitarrista faz questão de ressaltar a confusão que isso provoca na cabeça das pessoas. “Eu quero esclarecer um equívoco comum sobre a Musicoterapia. Alguns pensam que é apenas sobre a música – como uma música pode curar todo mundo e outra não, ou uma música é para câncer e outra é para uma fraqueza. A Musicoterapia é mais sobre como a música é usada – é sobre os benefícios da atividade. Por exemplo, cantar ou tocar um instrumento de sopro pode ser bom para condições respiratórias. Tocar bateria pode aumentar a massa muscular, liberar a raiva ou criar uma coesão social. Compor pode ajudar alguém a redefinir a história de sua vida”, explica.

Durante a carreira, Stanley procurou não construir barreiras que o impedissem de navegar por qualquer caminho musical. Essa decisão fez com que ele tivesse a oportunidade de ouvir e aprender sobre vários estilos de música de todo o mundo, inclusive do Brasil.

Em 2017, por exemplo, Stanley gravou um álbum com os músicos brasileiros Dudu Lima (baixo) e Conte (Mamão), que ainda não foi lançado. “O Milton Nascimento também cantou em uma música no álbum. Estou ansioso para o lançamento, mas enquanto isso eu já estou planejando outro álbum para ser gravado inteiramente no Brasil durante esta turnê. Fazer música com meus amigos aqui no Brasil tem sido um dos destaques da minha vida e fico feliz por finalmente estarmos documentando a magia dessa música”, finaliza.