Texto: Marcos Anubis
Fotos e revisão: Pri Oliveira

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Força e alma. Essas duas palavras podem definir muito bem o som da banda pernambucana Cordel do Fogo Encantado. Nesse sábado (1), o grupo se apresentou na Ópera de Arame, em Curitiba, e retomou um legado que começou a ser escrito há mais de 20 anos.

Lirinha (voz e pandeiro), Clayton Barros (violão e voz), Emerson Calado, Nego Henrique e Rafa Almeida (percussões e vozes), acompanhados pela backing vocal Isadora Melo, abriram o show com “O sonho acabou”, “Força encantada ou largou as botas e mergulhou no céu” e “Aqui (ou memórias do cárcere)”.

Na sequência, veio a fantástica “Antes dos mouros”, fruto de um dos muitos momentos inspiradíssimos do poeta/vocalista Lirinha. “Os trovões já batucavam vanguardistas batucadas. O vento já produzia árias de ar e poeira. O mar nunca atrasará o compasso do batuque e o fogo na sua dança toda vida fez um som”, diz a letra.

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Percussão, poesia e minimalismo

Formado em 1999 na cidade de Arcoverde, há 250 km de Recife, o grupo estava inativo desde 2010, após três álbuns de estúdio: “Cordel do Fogo Encantado” (2001), “O Palhaço do Circo sem Futuro” (2002) e “Transfiguração” (2006).

Em fevereiro de 2018, a banda resolveu retomar as atividades. Dois meses depois, o Cordel lançou o álbum “Viagem ao Coração do Sol”, que teve a produção do guitarrista do Cidadão Instigado, Fernando Catatau. “Sentimos no nosso consciente que deveríamos eclodir do casulo, acelerar nosso movimento, reacender a chama da vida e sairmos do centro da Terra em direção ao sol”, explica o percussionista Emerson Calado.

Musicalmente, o Cordel do Fogo Encantado apresenta uma formação muito particular. Diferentemente da configuração “normal” da maioria das bandas (baixo, guitarra e bateria), é a percussão que toma a frente do som do grupo, deixando o violão como único instrumento melódico.

Na prática, esse “minimalismo” deixa as letras e as poesias de Lirinha bem em evidência. “A banda é formada por cinco elementos trazidos de forma elementar para o som do grupo. Cada um traz consigo uma carga ancestral, e isso se reflete no que a música se transforma quando é produzida. Tudo vem da intuição, e isso nos torna verdadeiros no que fazemos musicalmente, pois nos sentimos condutores de uma corrente espiritual muito forte”, diz o percussionista.

Apesar de não ser uma referência colocada de maneira direta nas músicas, realmente a força espiritual que a música do Cordel transmite ao vivo é impressionante. A forma com que as canções tocam a alma do público, principalmente por meio dos atabaques, alfaias e tambores do trio de percussionistas do grupo, é muito forte.

Depois de “Poeira (ou tambores do vento que vem)”, demonstrando todo o carinho dos fãs curitibanos, o público entoou um canto típico das torcidas nos estádios de futebol, exaltando o retorno do grupo. A atitude pegou a banda de surpresa, pois todos ficaram parados no palco observando a plateia e agradecendo. “Voltamos porque chegou a hora”, disse Lirinha.

Os shows do Cordel impressionam pela forma com que todos os integrantes incorporam as músicas no palco. Existe uma aura quase mística nas canções da banda, principalmente ao vivo com a pulsação da percussão que remete aos toques do candomblé. “Os shows são uma grande consolidação do que consideramos uma celebração. Abrimos assim uma relação direta com o público, trazendo as pessoas ali presentes para dentro da nossa corrente energética e assim fazemos ecoar a nossa força”, diz.

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O retorno aos palcos

Na volta da banda, no início deste ano, a primeira canção disponibilizada foi “Liberdade, a filha do vento”. A escolha não poderia ter sido mais certeira, porque a música realmente tem a cara do Cordel. Isso não deixa de ser impressionante, afinal, a banda passou oito anos parada e voltou sem perder a química. “Essa música foi trazida por Lira durante a nossa retomada de composição. Ele nos dizia que ela tinha a fórmula do CFE e que fez pensando em nós. Houve então uma certa descoberta em criar os arranjos, pois ali estávamos novamente colocando em prática o nosso laboratório musical. Essa foi e sempre será a nossa principal receita, que é uma constante construção de um som que vem da alma”, explica.

A volta do Cordel ao mercado fonográfico coincide com um momento em que as plataformas de streaming se tornaram tão ou mais importantes do que os CDS físicos, o que fez com que os artistas precisassem se adaptar a essa nova realidade. “Nós nos enquadramos muito bem a esse mercado. Nós surgimos no período em que a internet vinha ganhando popularidade e quebrando essa ordem de ter que existir veículos de comunicação para que uma música fosse conhecida pelo público. As plataformas nos permitem isso, elas fazem com que os nossos discos sejam ouvidos em qualquer parte do mundo, onde o físico jamais chegaria”, analisa.

Antes de “Conceição ou tambor que se chama esperança”, Lirinha explicou que a música foi composta para os percussionistas Nego Henrique e Rafa Almeida, que são do Morro da Conceição, em Recife. Porém, nessa turnê, o grupo estava tocando a música em homenagem à vereadora Marielle Franco, que foi assassinada no Rio de Janeiro no início deste ano, em um crime de motivações políticas que ainda não foram devidamente explicadas.

Após “Chover”, cantada por todo o público na Ópera de Arame, o grupo saiu rapidamente do palco. Visivelmente emocionados, os músicos se abraçaram no palco e agradeceram a recepção que receberam do público curitibano.

Na volta para o bis, a banda tocou “O palhaço do circo sem futuro (ou a trajetória da Terra)” e “Catingueira”, encerrando a apresentação. “Sempre temos ótimas recordações dos shows que fizemos na Ópera de Arame. O teatro no meio daquela natureza tão formosa e sua caixa cênica nos permitem ter uma integridade na mensagem que queremos passar, uma mensagem de esperança e fé no futuro”, finaliza Emerson Calado.

Confira a música “Chover”, gravada ao vivo no show na Ópera de Arame, e veja também o álbum de fotos da apresentação.

Cordel do Fogo Encantado - Ópera de Arame - 01/12/2018