Texto: Marcos Anubis
Revisão: Pri Oliveira
Fotos: Camila Kovalczyk

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Prime Rock Brasil - capa

O mundo moderno é fragmentado e, em vários segmentos da sociedade, os precursores de um estilo ou um cenário musical nem sempre são reconhecidos da forma que merecem. Dessa maneira, muitas referências essenciais ficam, muitas vezes, relegadas a um segundo plano diante dos “sucessos do momento”.

Nesse sábado (8) a Pedreira Paulo Leminski, em Curitiba, recebeu seis monstros sagrados da música brasileira. Ali, no local mais sagrado da música curitibana, eles  ganharam o carinho e o respeito que fizeram por merecer nas últimas três décadas. Assim, Humberto Gessinger (ex-Engenheiros do Hawaii), Os Paralamas do Sucessso, Frejat (ex-Barão Vermelho), Nando Reis (ex-Titãs), Jota Quest e Capital Inicial representaram boa parte da nata do rock brasileiro.

O evento reuniu perto de 15 mil pessoas na Pedreira, em uma plateia composta por duas gerações bem distintas de fãs: os mais antigos, que viram o surgimento dessas bandas nos anos 1980, e o público mais jovem, que conheceu esses artistas nos últimos anos. Essa junção de gerações é uma prova irrefutável de que o rock nacional sobrevive.

Musicalmente, foi muito interessante ver artistas que sempre tiveram como uma das principais características o fato de darem muita atenção às letras das músicas, um cuidado que praticamente não existe nas bandas atuais.

Músicas como “Toda forma de poder”, do Engenheiros do Hawaii; “Ideologia”, parceria entre Cazuza e Frejat; “Independência”, do Capital Inicial; “Veraneio vascaína”, do Aborto Elétrico; e “Selvagem”, dos Paralamas, são exemplos perfeitos. Todas abordam temas que, mais de 30 anos depois, continuam assustadoramente atuais. Ver todos esses clássicos tocados em um mesmo evento, realmente, foi especial para o público.

O show foi tratado como um megaevento e teve até transmissão ao vivo na página da produtora Prime e nos perfis das bandas e artistas no Facebook, em um formato que é adotado em boa parte dos grande festivais ao redor do mundo.

O único “senão” foi a ausência de uma banda curitibana no line-up do show. Algumas, como a Relespública e o Beijo AA Força, também já passaram das três décadas de estrada e construíram uma trajetória importante. Levando isso em consideração, esses grupos poderiam ter feito a abertura no lugar da banda carioca O Rodo, que basicamente fez um show curto tocando covers do Charlie Brown Jr, da Legião Urbana e de outros artistas. Quem sabe em uma próxima edição, visto que o festival deve ter continuidade, essa lacuna possa ser preenchida.

Como disse o baterista dos Paralamas, João Barone, em uma entrevista exclusiva concedida ao Cwb Live nos camarins após o show, “Se alguém perguntar pelo rock brasileiro, ele foi visto aqui hoje!”

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Humberto Gessinger

Ao lado de Felipe Rotta (guitarra) e Rafael Bisogno (bateria), Humberto foi o primeiro a pisar no palco da Pedreira. O trio abriu o show simplesmente com “Infinita highway”, que talvez seja o maior sucesso da carreira dos Engenheiros do Hawaii.

No setlist, Humberto incluiu músicas da carreira solo e, obviamente, alguns grandes sucessos do Engenheiros, como “Refrão de bolero”, “Eu que não amo você” e “Exército de um homem só”.

Em todos os shows desde o fim do Engenheiros, Humberto recebe inúmeros pedidos para que toque alguns dos clássicos da banda. Normalmente, nas apresentações em teatros, ele procura atender o público, mas sempre dando mais atenção à carreira solo.

Já na Pedreira, o repertório foi composto essencialmente por músicas do Engenheiros, e Humberto chegou a  brincar com a situação. “É sempre bom tocar em Curitiba. Neste ano eu já estive aqui com a turnê em que celebrávamos os 30 anos do segundo álbum de uma banda que eu gosto muito, chamada Engenheiros do Hawaii. Eu acho muito interessante as coisas que aquele ‘alemãozinho’ canta e toca, apesar de que, na maior parte do tempo, eu não entenda o que ele está querendo dizer”, disse antes de “A revolta dos dândis I”. Na sequência, Humberto pegou a viola e a banda apresentou um bloco mais acústico com “Realidade virtual”, “Vozes” e “Terra de gigantes”.

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O eterno legado

Durante o show, Humberto se revezou nos instrumentos, tocando baixo (de quatro e seis cordas), guitarra e viola. Bisogno também saiu da bateria em algumas músicas e assumiu uma espécie de alfaia gaúcho, como em “Nau à deriva” e “Terra de gigantes”.

Nas passagens mais pesadas de algumas músicas, como em “Eu que não amo você”, Humberto fazia os acordes de guitarra no baixo de seis cordas, o que dava mais peso às canções, principalmente quando entravam os solos de Felipe Rotta.

“Toda forma de poder” e “Era um garoto que como eu amava os Beatles e os Rolling Stones” encerraram o show. Confira a música “A revolta dos dândis I”, gravada ao vivo no show na Pedreira.

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Os Paralamas do Sucesso

Herbert Viana (guitarra e vocal), Bi Ribeiro (baixo) e João Barone (bateria) abriram o show com “Sinais do sim”, faixa-título do 14º álbum de estúdio da banda, lançado em 2017. Na sequência, “Alagados” e “Meu erro”, duas presenças obrigatórias no repertório do grupo. O trio foi acompanhado pelos eternos parceiros João Fera (teclados), Monteiro Jr. (saxofone) e Bidu Cordeiro (trombone)

É impressionante a quantidade de sucessos que o Paralamas consegue incluir no setlist de um show. O repertório incluiu “Uns dias”, “Lanterna dos afogados” e “Uma brasileira”, entre outros. Um dos pontos altos do show foi a dobradinha “Selvagem” e “O beco”, que retratam um pouco da realidade social brasileira dos últimos 30 anos.

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Conexões

A relação dos Paralamas com a Pedreira Paulo Leminski vem desde a inauguração do local no dia 30 de setembro de 1990, quando a banda tocou com o The Waillers e o cantor Gilberto Gil. Na sequência, na festa de 300 anos de Curitiba, em 1993, o grupo tocou ao lado do Barão Vermelho e dos Titãs. “Foi espetacular! Tinha algo em torno de 50 ou 60 mil pessoas”, relembra Barone.

Devido a essa ligação, a banda também sentiu quando a Pedreira foi fechada, em 2008. “Quando nós soubemos que os eventos aqui foram proibidos, nós lamentamos muito porque a Pedreira é um lugar tão mágico e especial, muito propício para essa catarse, essa aglomeração de pessoas. Hoje, a gente está meio que retomando isso com boa parte da nata do rock brasileiro presente aqui e não deixa de ser emocionante! E a gente vê que ainda existe potencial para mais, daria para fazer vários dias de shows”, disse João Barone.

Na visão de Barone, a reunião de tantas bandas importantes em festival desse porte é uma grande prova do valor que o rock nacional sempre teve. “Isso retrata uma realidade que as pessoas às vezes esquecem: o rock brasileiro vai muito bem, obrigado! Nós não precisamos ficar comparando o Rock com outros fenômenos de popularidade musical. Essa galera aqui vai muito bem, todo mundo está trabalhando pra caramba nos eventos e shows que estão rolando. Todos já são autossuficientes, então nós não precisamos de uma megamídia para continuar funcionando muito bem”, avalia.

“Ska”, “Vital e sua moto” e “Óculos” encerraram a apresentação. Confira a música “O beco”, gravada ao vivo no show na Pedreira.

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Frejat

Ao lado de Billy Brandão (guitarra e backing vocal), Bruno Migliari (baixo e backing vocal) e Marcelinho da Costa (bateria), Frejat abriu o show com “Pense e dance”, “Ideologia” e “Ponto fraco”.

O setlist do show incluiu grandes sucessos tanto no Barão, como “Maior abandonado” e “Exagerado”, que são clássicos absolutos do rock brasileiro, quanto do trabalho solo de Frejat. “Na verdade, essa apresentação foi uma redução do meu show ‘Tudo se Transforma’. Tiramos algumas músicas porque em um festival ninguém faz o seu show completo, talvez só o último a se apresentar, porque aí não atrasa a vida de ninguém. Não tive que fazer adaptação de arranjo algum. Este show tem momentos mais suaves com as baladas, mas, fora isso, a chapa é quente (risos)”, conta.

Depois de uma versão blues para “Me dê motivo”, de Tim Maia, Frejat trocou a guitarra pelo violão para fazer um bloco acústico com “O poeta está vivo”, em uma versão emocionante, “Codinome beija-flor”, “Por você”, “Malandragem” e “Amor pra recomeçar”.

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Memórias

Frejat também tem uma ligação antiga coma  Pedreira, pois participou do show que comemorou o aniversário de 300 anos de Curitiba, em 1993, tocando com o Barão Vermelho ao lado dos Paralamas e do Titãs. “Foi uma noite inesquecível! Eu soube, por meio dos jornalistas, que aquele foi o maior público do local até hoje! Foi uma noite deliciosa, nós nos divertimos muito e lembro de termos feito alguma coisa juntos no final, só não lembro o quê (risos)”, diz Frejat.

Sobre a nova Pedreira, reinaugurada em 2014, Frejat ressaltou algumas mudanças na estrutura do local. “Foi lindo ver a Pedreira lotada novamente e percebi que mudaram o elevador. O antigo dava a impressão que ia encrencar a qualquer momento”, brincou.

O bloco final teve “Bete balanço”, “Por que a gente é assim”, “Maior abandonado” e “Exagerado. O hit “Pro dia nascer feliz” encerrou a apresentação. “Eu adorei! Foi um belo festival de Rock com uma plateia super-receptiva e um elenco muito consistente”, finaliza Frejat.

Confira a música “O poeta está vivo”, gravada ao vivo no show na Pedreira.

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Nando Reis

Nando abriu o show com “Marvin”, “Cegos do castelo” e “Relicário”. Entre os artistas brasileiros, o músico, cantor e compositor paulista é um dos que tem maior interação com o público nas apresentações ao vivo.

O repertório do show incluiu “Luz dos olhos”, “Pra você guardei o amor” e “N”, mas, mesmo em meio a tantos sucessos, um dos pontos altos do show foi “Rock’n’roll”, que acaba de ser lançada.

A música é uma crítica social violenta e direta, feita com a linguagem poética que sempre marcou a trajetória de Nando. “A polícia dos costumes, chafurdada no estrume manipula seu o cardume, acendendo o vaga-lume, aumentando o volume da sirene odiosa da repressão. Uma mão na bíblia, outra no coldre, repetindo seu slogan dente por dente, olho por olho, bandido bom, bandido morto. Parece um contrassenso o argumento que armamento é proteção”, diz a letra.

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O passado titânico

Da mesma forma que Humberto Gessinger é “intimado” a tocar músicas do Engenheiros, Nando recebe a mesma cobrança para incluir canções dos Titãs nos repertórios dos shows. Mesmo assim, ele procura priorizar a carreira solo, que também já possui vários sucessos.

Em “All star”, Nando pediu para que o público acendesse as luzes dos celulares como uma homenagem à eterna parceira Cássia Eller. “Eu acho que essa música fica muito mais linda quando é tocada a céu aberto porque ela foi feita para uma estrela que nos encantou aqui e hoje brilha no céu. Eu gostaria que vocês me ajudassem para que fizéssemos aqui embaixo um céu cheio de estrelas”, disse.

O bloco final teve duas músicas que possuem uma força impressionante ao vivo: “Por onde andei” e “O segundo sol”, que sempre é um dos principais momentos dos shows de Nando por causa da conexão que o público faz inconscientemente com Cássia Eller.

“Do seu lado” encerrou a apresentação. Confira a música “O segundo sol”, gravada ao vivo no show na Pedreira.

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Jota Quest

Mesmo sendo um show diferente, diante de um grande público e em um festival, o Jota Quest optou por manter o formato acústico da turnê atual. Rogério Flausino (vocal), Marco Tulio (violão), PJ (baixo), Márcio Buzelin (teclados) e Paulinho Fonseca (bateria)abriram o show com “Dias melhores” e “O que eu também não entendo”. Eles foram acompanhados pelos músicos de apoio Pedro Cassini (violões), Play e Tibless (backing vocals).

O repertório foi baseado na turnê “Jota Quest Acústico – Músicas Para Cantar Junto”, que tem como base o CD/DVD homônimo lançado em 2017 e incluiu vários sucessos da banda, como “Amor maior”, “Encontrar alguém” e “Fácil”.

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Uma surpresa de peso

O show teve uma participação que não estava programada. Um dos espectadores vips do show era o cantor, músico e compositor Seu Jorge, que foi até o camarim cumprimentar a banda e recebeu o convite para fazer uma participação especial cantando e, inusitadamente, tocando flauta em “Na moral”.

Durante o show, Flausino agradeceu de forma muito emocionada o convite que o Jota Quest recebeu para se apresentar ao lado de cinco referências do rock nacional. Afinal, como surgiu em uma geração posterior a esses grupos, a banda naturalmente foi muito influenciada por todos eles.

Um dos melhores momentos do show foi “O Sol”, música de Milton Nascimento que foi recriada de forma muito competente pelo grupo. A banda encerrou o show com a versão do Jota Quest para “Do seu lado”, composição de Nando Reis. Confira a música “Hoje”, gravada ao vivo no show na Pedreira.

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Capital Inicial

Dinho Ouro Preto (vocal), Yves Passarell (violão), Flávio Lemos (baixo) e Fê Lemos (bateria) foram acompanhados por Fabiano Carelli (violão) e Robledo Silva (teclado). Eles abriram o show com “Depois da meia-noite”. Na sequência, a banda tocou “Independência, uma das melhores composições do repertório do Capital.

Dinho revelou que a banda estava gravando o show e ele será lançado posteriormente. A julgar pelo que foi visto no show, o DVD deve ficar espetacular, porque o Capital é uma banda que se relaciona muito bem com o público. Dinho, principalmente, é um dos frontmen mais carismáticos no rock nacional e domina o palco como poucos.

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O passado metálico de Yves

Yves Passarel é outro músico que possuiu uma ligação antiga com a Pedreira. Ele se apresentou em 1994 no local em um festival que reuniu o Viper (ex-banda de Yves), o Raimundos, o Sepultura e os Ramones. Esse show ficou marcado pela incrível tempestade que caiu sobre Curitiba naquele dia e obrigou o Sepultura a encerrar o show no meio da aprsentação proque os raios estavam caindo ao lado do palco. Na época, o Viper vinha de dois álbuns excelentes, “Evolution” (1992) e “Coma Rage” (1994), que tornaram a banda conhecidíssima principalmente no Japão.

O momento mais emocionante do show foi em “Primeiros erros”, canção de Kiko Zambianchi que foi eternizada pelo Capital no álbum “Acústico MTV” (2000). Na parte final da música, a maioria das luzes do palco foram apagadas, e Dinho pediu que o público cantasse o refrão fazendo uma bela coreografia com os braços. O impacto desse momento, no futuro DVD, deve ser impressionante.

“À sua maneira” encerrou a apresentação. O público se recusou a sair da Pedreira e ficou algum tempo pedindo para a banda tocar mais algumas músicas, mas como os shows no local só podem acontecer até 1h nos fins de semana, o festival teve que ser encerrado.

Sem dúvida nenhuma, a Pedreira Paulo Leminski viveu um de seus momentos mais bonitos e emocionantes. De forma geral, o evento foi muito bem organizado e cumpriu a promessa de ser uma grande celebração do rock brasileiro. Confira a música “Primeiros erros”, gravada ao vivo no show na Pedreira e confira o nosso álbum de fotos do festival.

Prime Rock Brasil - Pedreira Paulo Leminski - 08/12/2018