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Dupla mesclou seus sucessos com homenagens a outros grandes nomes da MPB (Foto – Marcos Anubis/Cwb Live)

 

Curitiba recebeu na última sexta-feira (19), no Teatro Positivo, dois gênios da MPB. Toquinho e João Bosco fizeram um show memorável, unindo talentos que não são mais encontrados na atual música nacional. Uma coincidência do destino tornou a noite ainda mais especial. Vinícius de Moraes, ícone da poesia e da música brasileira, e parceiro de Toquinho durante muitos anos, faria 99 anos nesta sexta. A aura do mestre certamente estava pairando sobre o teatro, pois a apresentação foi emocionante.

O primeiro a entrar no palco foi Toquinho. Ele iniciou o espetáculo ao som de “Minha profissão”, canção que fala do seu trabalho de compor e levar a sua obra aos fãs espalhados pelo mundo. “Minha voz dispensa passaporte, pode estar no sul, no norte, na Itália ou no Japão. Construir acordes e harmonias, fazer música e poesia é a minha profissão”, diz a letra.

Na mesma levada, o músico emendou um pout-pourri com “Para viver um grande amor”, “Morena flor” e “Samba de Orly”. No final da música, a unha postiça usada por ele para tocar se desprendeu. Enquanto a colocava no lugar, Toquinho brincou que João Bosco costuma ficar 40 minutos com as mãos na água quente, para endurecer as unhas. Em seguida, resolvido o problema, Toquinho saudou o seu eterno parceiro, de forma emocionada. “Vinícius abriu muitas portas na minha vida”, afirmou.

Ele comentou, também, sobre um dos grandes nomes da música brasileira, Dorival Caymmi, falando sobre a tranquilidade que o falecido mestre tinha. “Dorival era um santo, parecia um anjo. Na Bahia existe um ditado que diz calmo, calmíssimo e Dorival Caymmi”, brincou. Ato contínuo, em homenagem ao bom baiano, um medley de “Marina” e “Saudade da Bahia”. Toquinho ainda relembrou a alegria de viver de Caymmi. “Dorival deixou o Brasil melhor. Se ele não tivesse existido, o país seria pior”, afirmou.

Na sequência, Toquinho contou que recebeu a visita de uma criança no camarim e prometeu tocar uma canção para ela. “É muito gratificante para mim ver essas músicas passando por gerações”, disse. “O caderno”, dedicado ao pequeno fã, levou muitos adultos às lágrimas, inclusive este que vos escreve. “Sou eu que vou seguir você do primeiro rabisco até o be-a-bá. Em todos os desenhos coloridos vou estar. A casa, a montanha, duas nuvens no céu. E um sol a sorrir no papel”, diz a letra.

“Aquarela” fechou a participação solo de Toquinho. Ao chamar João Bosco para o palco, a energia do espetáculo foi dobrada. Ovacionado pela plateia, João tomou o seu lugar e a dupla tocou o clássico “Tarde em Itapuã”. Ao final da música, Toquinho se retirou. João, como de costume, soltou o seu característico “obrigado gente”, para saudar o público. Aos primeiros acordes de “Corsário”, a sensação no teatro era fantástica. Somente com seu violão e sua voz, João encheu o local de som, não existe outra definição.

“Nação”, do álbum “Comissão de Frente” de 1982, foi outra pérola da apresentação. “Dorival Caymmi falou pra Oxum: Com Silas estou em boa companhia. O céu abraça a terra, desagua o rio na Bahia”, diz a letra. Em meio a muitos pedidos para que tocasse várias canções, João disse, em tom de saudosismo. “Faz tempo que eu não venho tocar em Curitiba, então eu queria mostrar uma música para vocês”, explicou. “Sinhá”, parceria gravada no álbum “Chico”, lançado por Chico Buarque no ano passado, tem uma bela melodia e letra.

Em “O bêbado e o equilibrista”, o tempo pareceu ter parado no Teatro Positivo. A canção tem um poder e uma atmosfera tocante que envolveu a plateia. João apenas acompanhou no violão o coral feito pelo público. Emocionante.

“Papel Marchê” encerrou a participação solo de João Bosco. Ao final da canção, Toquinho retorna ao palco. “Nós estamos aqui, tocando, por causa de um cara chamado João Gilberto que, há 52 anos, gravou essa música”, explicou. O impacto que João Gilberto causou no meio musical brasileiro é sentido até hoje. “A nossa geração ficou perplexa querendo saber quem era esse cara tocando e cantando desse jeito”, continuou. “Chega de saudade”, executada por dois talentos desse porte, ficou ainda mais genial.

Para finalizar o show, “Saudosa maloca”, clássico de Adoniran Barbosa, tocada com o feeling da MPB. No bis, Toquinho avisou que eles teriam que repetir uma música e pediu para João escolher. “Tarde em Itapoã” encerrou uma noite mágica em Curitiba. “O céu abraça a terra”, diz a letra de “Nação”. Definição perfeita para o que os curitibanos presenciaram.

Cwb Live Entrevista

A qualidade dos dois como instrumentistas e compositores é fantástica. Como músicos, ambos têm estilos muito pessoais e únicos. Toquinho toca o seu violão de uma forma extremamente técnica, clássica e limpa, com as notas formando um encadeamento harmônico sempre bonito de se ouvir.

João é um daqueles músicos impossíveis de se copiar. Ele usa a técnica que possui mesclando um estilo de execução inconfundível. Sua característica mais marcante é a forma de usar o baixo do violão, as notas mais graves, de forma percussiva.

Em entrevista exclusiva para o Cwb Live, um Toquinho calmo e simpático comentou sobre o parceiro João Bosco e sobre a fusão das duas maneiras distintas de tocar que cada um deles tem. “O João é um músico fantástico e tem uma musicalidade impressionante. Quando toco com ele eu fico muito em função do que ele faz, me adequo às circunstâncias e às harmonias dele, que sempre são muito peculiares, e sai uma amálgama interessante”, explicou.

Os dois se conheceram em Ouro Preto, interior de Minas Gerais, no começo dos anos 1970. Vinícius de Moraes os apresentou. “O Vinícius falou ‘vou te apresentar um parceirinho meu’, ele falava tudo no diminutivo, e veio esse estudante, o João Bosco. Ele não era nem profissional ainda. Ele tocou umas canções que tinha feito com o Vinícius. Geralmente, as pessoas jovens que vinham não eram grande coisa. Aí eu falei, poxa Vinícius esse aí dá pra ficar com ciúme porque ele é bom”, relembrou Toquinho.

Ambos possuem uma ligação com a África, com o candomblé, muito forte. As imagens que os dois constroem nas letras e melodias de algumas de suas canções levam o ouvinte ao continente mãe por meio dos orixás. “Nós tivemos caminhos parecidos. Tivemos influência do candomblé, pegamos a música brasileira na mesma fase, regulamos com idade, tomamos água na mesma fonte, saímos do violão do João Gilberto, tocamos música brasileira à nossa maneira. Ele é mineiro, eu sou paulista, mas eu acho que, no fundo, as paralelas se encontram”, afirmou.

Curitiba

Toquinho não poupa elogios à capital paranaense. Sua relação com a cidade vem desde 1971. “Dá vontade de morar em Curitiba. Eu conheci a cidade no primeiro mandato do Jaime Lerner quando ele e o Aramis Millarch me convidaram, pois eles estavam inaugurando o Teatro Paiol. Foi aí que eu vim com o Vinícius”, relembra.

A forma de apreciar o espetáculo dos curitibanos também foi destacada pelo músico. “O público de Curitiba ouve e depois aplaude. Eles ficam atentos de uma maneira muito mais especial, muito mais sensível do que a maior parte dos lugares do Brasil”, elogia.

O músico gosta tanto da cidade que não descarta morar em Curitiba algum dia. “Eu gosto muito do sul do país pois tem características que eu particularmente admiro muito. E Curitiba, para mim, do sul, é o lugar que eu mais gostaria de morar”, afirma Toquinho.

Confira a entrevista exclusiva com Toquinho e três vídeos do show: Toquinho com “Minha profissão”,“Para viver um grande amor”“Morena flor” e “Samba de Orly”, João Bosco com “Corsário” e Toquinho e João com “Tarde em Itapoã”.