Michael Stipe R.E.M entrevista2

Michael Stipe encarando seus medos no palco com o R.E.M. (Foto – Reprodução/Facebook R.E.M)

 

Quebrando um silêncio quase total que durava já durava dois anos, o ex-vocalista do R.E.M., Michael Stipe, concedeu uma entrevista ao jornalista Markus Jans, do portal espanhol El País. A conversa aconteceu no palacete Alma Sclosshotel, na cidade de Berlim, capital da Alemanha. Michael falou sobre vários assuntos, entre eles a sua ojeriza pela fama e sua vida pós-rock and roll.

O R.E.M. terminou em 2011, após 30 anos de estrada e 85 milhões de discos vendidos. Desde então, Stipe tem se dedicado à fotografia e à escultura. Michael, que completa hoje, 4 de janeiro, 54 anos, sempre foi considerado uma pessoa “estranha” por se manter distante da mídia e ser extremamente reservado. “Há milhões de pessoas que jamais suportaram o som da minha voz, um contingente enorme de pessoas que nos valorizava como compositores, mas que sempre achou que com outro vocalista a banda teria sido melhor”, analisa. Apesar das críticas dessa minoria e da aura que carrega consigo, Michael não parece se importar. “Com isso, sim, você se acostuma rápido. Por isso recomendo a qualquer um que se mude para Nova York, porque lá qualquer um diz o que acha a seu respeito no primeiro minuto. Não há filtros. Muitas vezes, cruzam com você na rua, lhe dão uma cacetada e continuam andando. É muito saudável”, complementa.

 

Man on the Moon

 

Stipe tem uma maneira muito particular de escrever. Suas canções expressam sentimentos, frustrações e medos de uma forma intensa. O vocalista diz que demorou algum tempo para as pessoas entenderem o que ele queria passar. “Muito. Como letrista sofria, mas não só porque me parecesse difícil escrever, mas sim porque sou uma pessoa a quem custa horrores se comunicar com os outros. Sou muito tímido”, confessa.

Essa aversão ao mainstream já vitimou, entre outros artistas, o ex-vocalista e guitarrista do Nirvana, Kurt Kobain. Apesar de ser inquieto no palco, e nos clipes, Michael nunca se sentiu confortável com a exposição excessiva que o mundo do rock exige. “Meu trabalho me obrigava a falar com as pessoas, e eu odiava. Não sou um narcisista, mas posso me virar sendo um artista sobre o palco. Não sou mau, mas sofro. E agora já não estou mais a fim de sofrer. Não haverá disco solo, embora eu não descarte voltar quando tiver 70 anos, como Leonard Cohen”, afirma.

Um exemplo que retrata bem a forma como Michael escreve é “Losing my Religion”, do álbum “Out of Time”, lançado em 1991. “Cada sussurro, de cada hora acordado. Estou escolhendo minhas confissões, tentando ficar de olho em você, como um bobo magoado, perdido e cego. Oh, não, eu falei demais. Eu puxei o assunto”, diz a letra.

 

Out of Time

 

Michael se dedica à fotografia e à escultura, principalmente em bronze, desde 2005. Suas fotos são postadas no Tumblr “Futurepicenter”. Segundo ele, a paixão pelas artes sempre o acompanhou. “Comecei a escola de arte antes da banda. Tinha 13 anos quando comecei a fazer fotos e 15 quando descobri o punk rock, por meio do CBGB e de Patti Smith”, relembra.

As críticas ao seu trabalho não cessaram com o fim do R.E.M. Se antes suas letras não eram bem entendidas por algumas pessoas de mente fechada, suas atuais formas de se expressar também são recebidas com ressalvas. Para o vocalista, isto faz parte do trabalho. “Sempre vivi com ruído ao redor. As pessoas antes me diziam: ‘Isso não é uma música, isso não é pop’. Agora dizem que isso não é uma escultura. Acusavam-me: ‘Não entendo suas letras, não sei do que você está falando’. Agora comentam: ‘Não entendo por que você faz isso’. Nada disso importa”, afirma.

Em seu processo de esculpir, Michael segue o mesmo princípio básico da criação de uma música, por exemplo. Lapidar a ideia até um ponto em que ela esteja “apresentável” ou descartá-la, se não atingiu o resultado desejado. “Confio no meu instinto. Se sentir que devo fazer, faço e depois avalio se tem valor suficiente para mostrar ao mundo. Existem peças nas quais trabalhei durante um ano até concluir que não são boas. Fiz coisas muito belas que não significam nada, por isso não são válidas”, comenta.

Alguns artistas não evoluem com o passar dos anos, achando que os malabarismos da juventude os acompanharão durante toda a sua carreira. O problema é que, com o passar do tempo, eles não são mais tão “naturais”. Stipe parece perceber essas nuances. “Agora tenho 53 anos e não quero subir num palco e me comportar como se tivesse 28. Quando fazia música só encontrava soluções de vez em quando. Hoje sinto que a cada manhã me levanto encontrando soluções para algum problema. Isso é genial para começar o dia”, diz.

 

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R.E.M., da esquerda para a direita Mike Mills, Michael Stipe e Peter Buck (Foto – Reprodução/Facebook R.E.M)

 

It’s The End Of The World As We Know It (and I Feel Fine) 

 

As três décadas em que o R.E.M. esteve na ativa foram bem digeridas por Michael. Após 17 discos de estúdio, as canções que o grupo gravou e levou ao seu público refletiram bem a vida e os pensamentos de Stipe. Apesar de estar curtindo a vida de forma diferente da que levava nos tempos de banda, Michael não renega o seu passado. “Minha vida mudou, sim, para o bem. Mas isso não quer dizer que eu tenha algo de ruim a dizer do R.E.M. Fizemos o que fizemos, bastante bem e durante muito mais tempo de que pensávamos. Em alguns momentos fomos felizes, em outros nem tanto”, relembra.

 

Drive

 

Michael também falou sobre o público do R.E.M. que, como o de qualquer outra banda, é formado por fãs bem heterogêneos. Segundo o vocalista, perceber isso acabou sendo um processo complicado. “Foi horroroso. Até que descobri que sou um artista populista. Hoje estou convencido de que apresentar algo subversivo no seio da arte popular é o que melhor eu posso fazer”, diz.

O R.E.M. teve início em 1980 na cidade de Athens, nos Estados Unidos. A formação tinha Michael Stipe no vocal, Peter Buck na guitarra, Mike Mills no baixo e Bill Berry na bateria. O primeiro EP da banda, “Chronic Town”, foi lançado em 1982. No ano seguinte saiu o debut de estúdio, “Murmur”. As rádios universitárias americanas logo “adotaram” o quarteto, que passou a ter o status de “alternativo”. O quarteto começou a se ser reconhecido pela grande mídia a partir de seu quinto álbum, “Document”, de 1987, produzido por Scott Litt. O grande destaque do disco foi a música “The One I Love”. A passagem da banda para o estrelato foi conquistada com “Green”, de 1988, que tinha canções como “Orange Crush” e “Stand”. Michael fez uma análise desse período de ascensão do grupo. “Agora, a verdade é que isso é algo que falo com tranquilidade, hoje em dia. Mas quando, depois de sete ou oito anos negociando a falta de popularidade, de repente você se vê por aí fazendo sucesso diante de milhões de seres humanos que muito provavelmente em qualquer outra conjuntura o massacrariam, a primeira coisa que você pensa é que isso vai dar errado”, avalia.

Após “Green”, o R.E.M. passou de shows em pequenos clubes dos Estados Unidos e Europa para grandes apresentações em estádios. Os constantes hits elevaram a banda a uma das grandes atrações do mundo do rock, rapidamente. Essa transição do alternativo para o mainstream não foi fácil para Stipe. Por força de contrato, os artistas acabam se sujeitando às obrigações de seu trabalho. Mas, no fundo, Michael acumulava cada vez mais frustrações e fobias. Na década de 1980, o vocalista acreditava que tinha Aids, mesmo sem ter feito o teste da doença. Existia uma lista pública com os nomes de quem se submetia ao procedimento e o medo de que essas informações fossem divulgadas pela imprensa amedrontava Michael.

Outro grande tabu, em sua vida pessoal, era a sua orientação sexual. Se hoje esse assunto está cada vez mais explícito na sociedade, nos anos 1980/90, falar sobre homossexualismo ou bissexualismo não era uma atitude comum. Foi só a partir de1994 que Michael começou a se sentir mais confortável para falar do assunto. “Deixei claro na época e não quero voltar a falar disso. Só penso em dizer que, desde que o mundo deixou de ser sexualmente binário, eu me sinto muito mais à vontade”, desabafa. Apesar dos complexos e medos, era preciso aceitar a conviver com a fama, mesmo não se sentindo confortável. “Existem situaçõess em que é preciso dar um passo atrás e ver que não é um sonho, que você está realmente dentro desse mundo que você antes entendia como uma pura abstração”, afirma.

Para ilustrar esse mundo surreal em que vivem os astros do rock and roll, Stipe contou uma situação vivida por ele. Há algumas semanas o vocalista foi a um show beneficente, em Nova York, e ficou em uma mesa com David Byrne, Laurie Anderson e Brian Eno. “Percebi que, se tivesse 17 anos e me olhasse de fora, não acreditaria jamais que essa seria uma mesa em que eu seria não só aceito, como inclusive recebido de braços abertos. No final, essa gente é gente”, diz.

Figuras excêntricas sempre foram comuns no mundo musical. Hendrix, Joplin, Morrison, Ozzy Osbourne, todos são famosos por seus comportamentos “estranhos”. Stipe não é uma exceção. “Se você olha a história do rock, sempre encontra essa gente que é esquisita e ‘inabarcável’, mas veio o punk e o hip hop e ambos mudaram o mundo para melhor. Hoje não posso pensar em ninguém que não seja próximo”, analisa.

O fato é que a obra do R.E.M. fala por si só. O grupo conseguiu unir criatividade em suas composições e letras inteligentes, fato raro em uma banda, atualmente. “O R.E.M. sempre foi um grupo de pessoas que não iriam mudar, e não mudaram. Jamais fomos uma banda cool”, finaliza.

Relembre alguns dos grandes sucessos do R.E.M. : “Losing my Religion”, “The One I Love” e “Shiny Happy People”.