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Raimundos, da esquerda para a direita: Marquim, Caio, Canisso e Digão na frente (Foto – Divulgação/Patrick Grosner)

 

Vivemos uma época em que as bandas surgem e somem com a mesma facilidade. Na contramão disso, o Raimundos continua sendo um dos grupos brasileiros mais respeitados e queridos pelos fãs. Remanescente de um período extremamente criativo do rock nacional, o quarteto resistiu à mudanças de formação e aos modismos passageiros que assolaram a música tupiniquim nos últimos anos. Prestes a completar três décadas de estrada, a banda retoma a sua discografia mostrando a mesma força do final dos anos 1980.

Com produção de Billy Graziadei“Cantigas de Roda” surge após 12 anos sem um álbum de inéditas. O último havia sido “Kavookavala”, lançado em 2002.  Apesar de a banda ter realizado turnês constantemente durante esse período, os fãs já sentiam a falta de um novo trabalho que desse continuidade à carreira do quarteto. “Aconteceram muitos contratempos, pressões de gravadora, mudanças de formação, mercado, etc. Resolvemos dar tempo ao tempo e fazer o que sabíamos melhor: shows!”, diz o guitarrista e vocalista Digão.

Dois dos maiores responsáveis pelo renascimento do Raimundos são os “novos” integrantes, Marquim (guitarra) e Caio (bateria). Ao lado dos veteranos Digão (guitarra e voz) e Canisso (baixo), a dupla caiu como uma luva no som do grupo, acrescentando ainda mais peso e pegada. “O Marquim e o Caio deram sangue novo ao Raimundos. Descobrimos logo de cara que ao vivo a força era muito grande. Com sabedoria, soubemos esperar o momento certo de passar essa força para as composições e naturalmente criamos uma cumplicidade muito frutífera”, explica Digão.

Nesse período de hiato musical, 2002 a 2014, a banda lançou o CD/DVD ao vivo “Roda Viva” (2011), que traz sucessos da carreira do quarteto além da inédita “Jaws”, e o CD “Ultraje a Rigor Vs Raimundos, o Embate do Século” (2012), onde as bandas trocam gentilezas, uma interpretando canções da outra. Era chegada a hora, porém, de produzir um novo material. “Achamos que esse era o momento certo. A banda estava perfeitamente entrosada, o Caio se preparou muito para ajudar nas composições, Saturno estava em Sagitário, enfim, era o momento certo. A prova é que os fãs estão gostando muito do Cantigas”, afirma Marquim.

Se manter na ativa durante mais de uma década sem lançar um álbum de inéditas e mesmo assim continuar sendo respeitado pelos velhos e novos fãs não é uma tarefa fácil, muito menos comum. “Quando você faz o que gosta, de verdade, a chama de tocar jamais se apaga”, afirma Digão.  “Eu imagino que seja por causa da música, que sempre foi feita com o coração. A banda nunca cedeu a modismos, nunca desistiu de tocar rock de verdade”, complementa Marquim.

 

O financiamento coletivo

 

“Cantigas de Roda” foi custeado por um financiamento coletivo no site Catarse, chamado crowdfunding. A iniciativa arrecadou em apenas uma semana mais do que o dobro do valor pretendido. O valor inicial sugerido pelo grupo era de R$ 55 mil, mas os 1699 apoiadores superaram as expectativas doando R$ 123.278 mil. “Não sabíamos de que forma iríamos produzir o disco. De tanto ouvir falar, inclusive por parte do nosso produtor, resolvemos arriscar o crowdfunding, sem grandes pretensões. Para a nossa surpresa deu mais do que certo! Somos eternamente gratos aos fãs por isso!”, agradece Digão.

Apesar do respeito que o Raimundos construiu em seus quase 30 anos de carreira, as gravadoras inexplicavelmente não quiseram apostar em um novo álbum do grupo. “Já havíamos feito um show em crowdfunding há alguns anos e foi um sucesso. A ideia ficou na cabeça. Vimos o exemplo do Forfun que teve um projeto muito bem sucedido e o próprio Billy Graziadei nos sugeriu o crowdfunding. As propostas de gravadora que tivemos foram pífias, sempre pedindo mais do que ofereciam, então pareceu o caminho mais lógico”, complementa Marquim.

Essa nova realidade de gravação e distribuição musical é muito diferente da que existia no começo da banda, no final da década de 1980. Atualmente, com as possibilidades que a internet oferece, as grandes gravadoras deixaram de ser o único caminho para os grupos chegarem ao seu público. Cabe aos grupos absorverem essas mudanças drásticas na indústria musical. “O mercado hoje é bem diferente daquele dos anos 1990. Não se vende mais música fisicamente como naquela época e se movimenta muito menos dinheiro. Nós nos adaptamos aos novos tempos e independentemente estamos conseguindo seguir em frente numa boa”, afirma Digão.

O grande cartão de visita das bandas continua sendo as suas apresentações. “O principal continua o mesmo, que é o show. Sempre foi e sempre será o ambiente das bandas de rock. A mídia muda com o tempo (do vinil para o CD e para o ‘virtual’), mas sempre nos preocupamos em dar um show inesquecível. O futuro ninguém sabe, então vamos nos adaptando”, analisa Marquim.

 

Peso e ritmos brasileiros

 

O Raimundos sempre soou pesado, com uma mescla entre hardcore e metal apimentada pelos ritmos tupiniquins. Em “Cantigas de Roda” essa mistura está ainda mais evidente, principalmente pelas afinações baixas, o que parece ter sido uma preocupação na produção de Billy Graziadei. “Fizemos o álbum como estávamos sentindo, demos o que cada música pedia, foi muito natural. O Billy trouxe a sonoridade e alguns arranjos que incorporamos, chegamos bem prontos pra gravar e a experiência foi fascinante”, diz Digão.

Um grande álbum sempre conta com a participação de um bom produtor, conduzindo as ideias dos músicos e sugerindo mudanças que contribuam para o resultado final. “O Billy ajudou da pré-produção até o fim. Ele deu muitas ideias (algumas foram usadas, outras não), contribuiu nos arranjos de todos os instrumentos, gravou com qualidade primorosa e passou pelo martírio que é mixar de acordo com as nossas especificações. Espero poder gravar de novo com ele”, elogia Marquim.

 

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Quarteto se apresenta em Curitiba no próximo dia 26 (Foto – Divulgação/Patrick Grosner)

 

Da guitarra aos vocais

 

Após a conturbada saída do vocalista Rodolfo, que se retirou da banda em 2001 alegando que sua religião não era compatível com o estilo de vida “rock and roll”, o grande desafio da banda era suprir a figura carismática do ex-vocalista. A partir daí o guitarrista Digão começou um longo processo que parece ter atingido seu ápice em “Cantigas de Roda”. Sincronizar as linhas de guitarra, que no caso do Raimundos é uma de suas maiores características, com um bom vocal não é uma tarefa fácil.  “Agradeço pelo ‘vocal bem feito’ (risos). Foi difícil por ter sido no susto. Fui aprendendo no palco mesmo, a cada show uma coisa nova, e ainda estou aprendendo”, explica Digão que faz questão de ressaltar o trabalho de seu companheiro de banda. “O Marquim supriu muito bem o posto de guitarrista e me deu a tranquilidade de colocar a guitarra de lado e cantar. Mas ainda toco algumas, amo tocar guitarra”, complementa.

 

De volta a Curitiba

 

No próximo dia 26 o Raimundos se apresenta na recém-reinaugurada Pedreira Paulo Leminski. O local, aliás, já foi palco de um dos grandes momentos da banda. Em 1994 eles se apresentaram ao lado do Viper, Sepultura e dos Ramones, no que seria um dos últimos shows do ícone do punk rock americano.

Curitiba continua sendo uma das cidades onde o grupo tem mais fãs. A prova disso foi o CD “MTV Ao Vivo”, lançado no ano 2000. O álbum foi gravado durante a turnê “Só No Forévis” e registrou as apresentações na capital paranaense, no antigo Aeroanta, e em São Paulo. O show na Pedreira, que ainda terá outros artistas como O Rappa e Criolo, será especial porque marcará o retorno do rock and roll a um dos mais tradicionais espaços culturais da cidade. “Não sei explicar essa relação com Curitiba, é um amor inexplicável! Deve ser pelo fato de gostarem realmente de rock. Amamos tocar aí!”, afirma Digão.

Marquim também elogia os fãs curitibanos. Seu carinho pela cidade vem até antes de sua entrada no Raimundos. “Eu adoro Curitiba. Sempre gostei, mesmo na época do Peter Perfeito, minha banda nos anos 90. Acho o público sensacional e a cidade é fantástica. É só não ir no inverno (risos)”.

Após a saída de Rodolfo, a banda se reinventou com a mesma qualidade musical e manteve o respeito dos fãs. Essa parece ser uma página definitivamente virada no Raimundos. “Sim, graças a Deus!”, sentencia Digão. “Eu entrei na primeira página do segundo volume dessa história, e ela continua sendo relevante e interessante”, complementa Marquim.

Mantendo a fidelidade ao seu som e sobrevivendo aos percalços que o caminho lhes impõe, o Raimundos continua a sua saga. No próximo dia 26 Curitiba verá mais um capítulo dessa história.

Confira o clipe de “Baculejo”, lançado nesta quarta-feira (16),  e um vídeo da banda falando sobre o álbum “Cantigas de Roda” .