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A criação do festival e o esforço de Roberto Medina para “convencer” as bandas a se apresentarem no Brasil

O ano é 1985. A democracia no Brasil começava a dar os primeiros passos. Por causa da ditadura que sufocou o país durante duas décadas, o conhecimento musical do brasileiro era restrito essencialmente aos artistas que faziam parte da programação das rádios da época. Foi nesse contexto que o empresário Roberto Medina teve uma ideia visionária e ousada que mudou todo esse cenário.

O festival Rock In Rio, realizado entre os dias 11 e 20 de janeiro de 1985, no Rio de Janeiro, é considerado um divisor de águas na história da música brasileira, pois colocou o país na rota dos grandes shows internacionais e ratificou a força do Rock nacional.

A construção de um sonho

No começo de 1984, Roberto Medina pretendia se mudar para outro país, desiludido com a realidade brasileira. A esposa dele, Maria Alice, achava que esse não era o caminho ideal, pois o marido poderia se arrepender. Indeciso, e com o início da democracia se aproximando, Medina teve um sopro de ânimo.

Em janeiro de 1980 o empresário trouxe Frank Sinatra para cantar no estádio do Maracanã, diante de 175 mil pessoas, e isso fez com que ele acreditasse que era possível dar um passo ainda maior. Com esse entusiasmo, na mesa de projetos na agência Artplan, uma ideia grandiosa começava a surgir: realizar um megafestival chamado Rock In Rio, que aproveitasse aquele momento de euforia do povo brasileiro, principalmente da juventude. O parâmetro? Woodstock, o evento musical mais conhecido do mundo, realizado entre os dias 15 e 18 de agosto de 1969 na cidade de Bethel, Nova York, com um público total de 500 mil pessoas.

A expectativa era reunir 1,5 milhão de expectadores em dez dias de shows. Os custos seriam enormes, pois os ingressos deveriam custar dez vezes menos do que um show nos Estados Unidos, contrastando com o valor de produção que chegaria ao dobro. A explicação é simples: o Brasil não dispunha de mão de obra qualificada para um projeto dessa magnitude.

A ideia foi apresentada na Artplan e não houve muito entusiasmo. O publicitário Cid Castro, que desenhou a logomarca do Rock In Rio, diz no livro “Metendo o Pé na Lama” que, entre os presentes na reunião, 90% saíram céticos, 8% entusiasmados e 2% ufanistas. Obviamente, a perspectiva não era muito animadora.

Pelos cálculos da agência, apenas 30% dos gastos seriam cobertos pela bilheteria, o que exigiria patrocinadores fortes. Sem desanimar, Medina procurou a cervejaria Brahma e conseguiu o apoio necessário para poder seguir em frente com o projeto.

Como a Artplan não era uma profunda conhecedora do mundo do Rock, Medina procurou o jornalista Luiz Antonio Mello, que na época dirigia uma das rádios mais importantes do país, a Fluminense FM, do Rio de Janeiro. “Rapaz, foi quase inacreditável. Ele ligou para a rádio, em meados de 1984, nos convidou para ir até a sua agência e apresentou os croquis do Rock in Rio. Não acreditávamos no que estávamos vendo. Encaminhamos vários nomes que foram contratados, entre eles o AC/DC, o Yes e o Whitesnake”, conta Mello.

O próximo passo seria, talvez, o mais difícil: viajar para os Estados Unidos para não só contratar, mas convencer, literalmente, as bandas a se apresentarem no Brasil.

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Roberto Medina e os filhos dele nas obras da Cidade do Rock




A desconfiança dos grandes nomes da música mundial

Esperançoso, Medina embarcou para Nova York ao lado do produtor Luiz Oscar Niemeyer e do empresário Oscar Ornstein. O primeiro obstáculo foi a desconfiança em relação à terra brazilis. Motivos para isso não faltavam. Em 1983, o Kiss teve o equipamento de som da banda extraviado durante a passagem do grupo pelo Brasil. No mesmo ano, o The Police não recebeu na íntegra o cachê pela apresentação no Maracanãzinho e o Van Halen passou pela mesma situação.

O caso do Queen era ainda mais complicado. Em 1983, quando veio pela primeira vez para a América do Sul, a banda pretendia se apresentar no Maracanã. Era quase uma obsessão do grupo, que era apaixonado pela aura daquele que era considerado o maior estádio de futebol do mundo. Inacreditavelmente, o pedido foi negado por Chagas Freitas, governador do Rio na época, sob a alegação de que o local só poderia ser usado em eventos esportivos e culturais.

Diante de tudo isso, quando recebeu Medina e sua comitiva, o empresário do Queen, Jim Beach, enviou uma garrafa de champanhe dizendo que não acreditaria em um projeto dessa magnitude nem se ele fosse apresentando por um americano.

Os alvos

Medina, Luiz e Oscar passaram 70 dias em Nova York e organizaram 70 reuniões com vários artistas, sem sucesso. A lista de possíveis contratados tinha 114 nomes, entre eles os Rolling Stones, o The Who, o Deep Purple, o The Smiths, o Depeche Mode, Michael Jackson e até bandas que não estavam mais na ativa, como o Led Zeppelin e o Pink Floyd. Cada um deles exigia no mínimo quatro reuniões com os empresários, o que foi levando a um desgaste inevitável. Faltava confiança de que o Rock In Rio não seria mais um calote brasileiro.

Desanimados com a recepção em Nova York, o trio partiu para Los Angeles esperando encontrar novos ares. Quase desistindo da ideia, Medina encontrou um cartão do empresário de Frank Sinatra, Lee Solters. Em uma última tentativa ele ligou para Solters e explicou todo o projeto e a situação de desconfiança que encontrou nos Estados Unidos.

Ficou combinado que o brasileiro deveria organizar um coquetel para cerca de 50 pessoas. Foram convidados os 70 jornalistas mais influentes da terra dos EUA, no que seria a chance derradeira para que o Rock In Rio deixasse de ser um sonho e se tornasse uma realidade. No dia seguinte, os principais veículos de comunicação americanos espalhavam a notícia de que o Brasil organizaria o maior festival de música de todos os tempos.

Com a ajuda de Lee Solters, a confiança das bandas no projeto se solidificou, fazendo com que os artistas aceitassem o convite para se apresentar no Brasil. Ozzy Osbourne foi o primeiro e o Queen veio em seguida. Jim Beach, inclusive, concedeu uma coletiva no Hotel Savoy, em Londres, elogiando o festival.

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O escritório da Artplan




Os contratos

Para diminuir o custo dos contratos com os artistas, ficou acertado que os shows aconteceriam à noite e que todos poderiam trazer a própria equipe de profissionais de som e luz. Depois do acerto com as atrações internacionais, Medina passou a fazer contato com as brasileiras. A primeira a ser convidada foi a cantora Rita Lee. Ela recusou dizendo que estava prestes a começar a gravação de um novo álbum.

No final de agosto, quatro meses antes do início do festival, estavam confirmados Barão Vermelho, Moraes Moreira, Elba Ramalho, Blitz, Baby Consuelo e Pepeu Gomes, Eduardo Dussek, Erasmo Carlos e Gilberto Gil. No dia 19 de dezembro, depois de muita insistência, Rita Lee e Roberto de Carvalho assinaram um contrato. O maior cachê entre os brazucas foi o de Ney Matogrosso, que abriria o Rock in Rio.

Em um festival desse porte, é normal que aconteçam desistências de última hora. Foi o caso do Men At Work, que encerrou suas atividades pouco antes do começo do festival, e do Pretenders, por causa da gravidez da vocalista e guitarrista Chrissie Hynde. A situação mais triste foi a do Def Leppard. O baterista Rick Allen sofreu um acidente de carro no dia 31 de dezembro 1984, duas semanas antes do Rock In Rio, e precisou amputar o braço esquerdo. O grupo acabou sendo “substituído” pelo Whitesnake que, por ironia do destino, aproveitou muito bem a oportunidade e fez uma apresentação histórica.

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