Texto: Marcos Anubis
Revisão e fotos: Pri Oliveira
Banda passou a limpo os seus 14 anos de estrada na Ópera de Arame
“Carrego pra onde vou o peso do meu som, lotando minha bagagem. Meu Maracatu pesa uma tonelada de surdez, e pede passagem”. Os versos cantados por Jorge Du Peixe são uma definição clara do som da Nação Zumbi. E para alegria do público curitibano que lotou a reformulada Ópera de Arame no último sábado (18), todos puderam comprovar que ainda hoje, mais de 20 anos após o início de sua trajetória, a Nação continua criativa e inovadora em sua música.
No setlist da apresentação, a banda passou a limpo suas mais de duas décadas de estrada e deu uma aula de história da música brasileira. Tudo porque até a metade da década de 1980, o abismo entre a MPB e o Rock era praticamente intransponível. Você só podia pertencer a um dos lados.
A primeira banda a quebrar esse muro imaginário, de forma mais consistente, foi o Picassos Falsos com o emblemático álbum “Supercarioca” (1988). Na esteira dessa transgressão, vieram Chico Science & Nação Zumbi, Mundo Livre S/A, Otto, Raimundos e outras bandas que não tinham medo de unir o peso das guitarras aos ritmos regionais.
E essa influência se estendeu até o Heavy Metal brazuca. No álbum “Chaos A.D.” (1993) o Sepultura começou a flertar com os ritmos brasileiros e no seguinte, “Roots” (1996), assumiu definitivamente a percussão em suas composições, o que acabou revolucionando o mundo metálico e colocou o quarteto mineiro em evidência.
O show
Jorge Du Peixe (vocal), Dengue (baixo), Lúcio Maia (guitarra), Pupillo (bateria), Toca Ogan (percussão) e Gilmar Bolla 8, Gustavo Da Lua e Tom Rocha (tambores), conseguem um peso na execução de suas músicas, ao vivo, que realmente impressiona.
O grupo abriu a apresentação com “Foi de amor” e “Defeito perfeito”, do recém-lançado “Nação Zumbi”, oitavo álbum de estúdio do grupo, o primeiro desde “Fome de Tudo” (2007). Como em uma cerimônia tribal, os tambores da Nação ditam a marcha das músicas, impondo um rufar grave e pesado.
Sobre essa base rítmica poderosíssima, Lúcio Maia fica livre para exibir toda a sua criatividade, mesclando levadas suingadas e riffs mais pesados. Lúcio é um dos guitarristas mais inventivos do Rock nacional, pois não se limita a acompanhar de forma básica a melodia das músicas. Como instrumentista, ele procura sempre um fato novo na construção de suas harmonias.
Durante o show, Du Peixe fez várias citações a Chico Science, mostrando que sua presença ainda é sentida não só pelo público do grupo, mas também entre os próprios músicos. Uma delas foi a lembrança do álbum “Da Lama Ao Caos” (1994), que no ano passado completou duas décadas de seu lançamento. “Risoflora”, “Rios, Pontes E Overdrives” relembraram um dos discos mais importantes da história da música brasileira, por sua inovação e mescla de ritmos.
Duas canções chamaram a atenção do público, pelo impacto que tiveram: “Blunt Of Judah” e “Meu maracatu pesa uma tonelada”. Na obra da banda, elas são os dois maiores exemplos da união entre o peso da guitarra de Lúcio Maia, a condução marcada de Dengue e a percussão violenta de Gilmar Bolla 8, Gustavo Da Lua e Tom Rocha.
A massa sonora proveniente dessa fusão teve um impacto enorme, até porque a acústica da nova Ópera melhorou muito, fruto do trabalho da radialista e musicista Marielle Loyola que comandou todo o processo de revitalização da Ópera.
Em uma entrevista que fiz no fim do ano passado, o gestor do Parque das Pedreiras, Helinho Pimentel, disse que a Ópera de Arame iria se tornar o melhor lugar do país para shows. Parece que caminhamos para que essa promessa se torne realidade. “A praieira”, “Etnia” e “Quando a maré encher” encerraram a apresentação.
Ecos do passado
Em 1996 eu assisti a um show da Nação Zumbi, ainda com Chico Science, no extinto Aeroanta, no Rebouças. A banda havia acabado de lançar seu segundo álbum “Afrociberdelia” e estava no auge de sua criatividade. Músicas como “Macô” e “Criança de domingo” eram executadas maciçamente nas rádios e o grupo tinha emplacado um grande sucesso, a regravação de “Maracatu Atômico”, composição de Nelson Jacobina e Jorge Mautner. O cenário estava desenhado para o futuro do grupo.
Na apresentação, já era nítido o potencial que Chico tinha como letrista e o que a banda poderia criar em seus trabalhos posteriores. Então, eis que entra em ação o destino, esse agente imaginário que nós não conseguimos entender. No dia 2 de fevereiro de 1997 o imponderável tirava a vida de Chico em um acidente de carro na rodovia PE1, no trecho entre Recife e Olinda. Ele estava prestes a completar 31 anos.
Esse show de 1996 é lembrado até hoje como uma das melhores apresentações da Nação em Curitiba. “Eu tinha 14 anos e era super fã deles, sabia todas as letras de cor. Depois da morte do Chico eu pouco acompanhei a banda, só escutava uma ou outra coisa. Até que eles lançaram esse último CD, que eu achei genial”, diz o psicólogo Lucas Sant’Ana (32).
Realmente superar a ausência de Chico Science não foi nada fácil. Mas o que poderia sacramentar o fim do grupo, serviu como motivação para os membros remanescentes continuarem a levar a Mangue Beat para velhos e novos fãs. “Percebi uma banda muito mais madura que, talvez pela morte do Chico, ficou mais sóbria. A presença de palco dele era fantástica. Era como uma entidade que tinha baixado ali no palco, inigualável. Mas sem ele a banda teve que crescer. Atualmente eles têm letras de uma profundidade freudiana, além de um som visceral”, analisa Lucas.
“Somos todos juntos uma miscigenação e não podemos fugir da nossa etnia. Índios, brancos, negros e mestiços. Nada de errado em seus princípios. O seu e o meu são iguais. Corre nas veias sem parar”, diz a letra de “Etnia”. Se hoje, misturar no mesmo compasso Rock, Baião ou Frevo é mais do que comum, muito se deve ao pioneirismo de Chico Science e sua Nação Zumbi. E como politicamente e até socialmente a segmentação está cada vez mais em voga na terra brazilis, ao menos na música o país pode se orgulhar de não ter mais barreiras.
Assista aos vídeos das músicas “Manguetown”, “Meu Maracatu pesa uma tonelada” e “Blunt of Judah”, gravados ao vivo no show da Nação Zumbi na Ópera de Arame, e veja o nosso álbum de fotos.
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