Texto – Marcos Anubis
Revisão – Pri Oliveira
O mundo musical curitibano vive dias de apreensão. O 92º, considerado o templo da música autoral da cidade está correndo o seríssimo risco de encerrar suas atividades. O impacto que isso teria na fomentação da música paranaense não pode ser medido. Depois de tantas décadas de luta e dificuldades, é possível vislumbrar um futuro para a discutida “cena curitibana”?
A construção
O Rock nacional começou a se estabelecer de maneira mais concreta, principalmente em termos de estrutura, a partir da década de 1980. O marco zero foi o primeiro Rock In Rio, realizado em 1985. Foi nesse período que a mídia nacional e as gravadoras perceberam que as bandas brasileiras eram viáveis comercialmente.
Em Curitiba essa lenta transformação também aconteceu. Na visão do baixista Jansen Luiz, que já integrou várias bandas importantes na cidade, como o Magog e o April Seven, o cenário musical curitibano como um todo evoluiu desde a década de 1980. “Mudou muito. A cena musical dos anos oitenta era muito voltada para as bandas covers. Era raro ter algum bar ou casa noturna que tocasse música autoral. Na maioria das vezes tínhamos que tocar em clubes, festivais de colégio, em matinês ou teatros”, afirma. “Lembro que quando eu tocava com a Fobos de Deimos nós nos apresentamos na Santos Andrade lotada e usamos umas caixas Frahm no talo em uma palco totalmente bambo. Era comum isso”, complementa.
As maiores fichas da música curitibana atualmente estão apostadas no Motorocker. Com muito trabalho, fazendo shows em todos os recantos do país, o grupo vem conquistando seu espaço e sendo reconhecido nacionalmente.
O guitarrista da banda, Índio Véio, tem um ponto de vista diferente diante do contexto local. “Não quero parecer purista, até porque tenho uma visão muito contemporânea da música. Hoje percebo que se tem mais informações e com isso mais esclarecimento. Mas quando lembro do que foi feito nos anos 1980 e 1990, com o que se tinha, não vejo evolução em muita coisa”, analisa.
Uma percepção que todos os agentes desse cenário têm é que hoje a quantidade e variedade de estilos das bandas que militam na cidade, do Black Metal ao Reggae, é muito maior. De acordo com o carioca Andre Smirnoff, que mantém o site X-PressON e faz produção de eventos em Curitiba, as próprias bandas cresceram musicalmente. “Foi o Rock que amadureceu. Quando cheguei a Curitiba, há mais de 15 anos, vi uma cena limitada a poucas bandas e que ao meu gosto pouco agradavam, apesar de terem um nome forte localmente, mas só localmente”, diz. “Foi-se o tempo em que contávamos nos dedos de uma única mão quantas bandas tinham futuro ou trabalhos consistentes. Com o tempo e entre idas e vindas, fui percebendo que muitos destes grupos menores/iniciantes foram amadurecendo seus trabalhos e melhorando sua qualidade, mas ainda seguiam sem grandes perspectivas”, complementa Andre.
O grande aliado nessa luta das bandas locais é a tecnologia. Atualmente a Internet possibilita contato quase instantâneo com seus artistas preferidos. Um fã, por exemplo, pode gravar um vídeo e postar no mesmo momento, dando oportunidade para que milhares de outras pessoas vejam quase que em tempo real.
Essa maior variedade de informações e o acesso à arte em um todo é um dos fatores mais importantes do século 21. “LPs, livros, documentários e instrumentos musicais eram coisas muito caras nos anos 1980. Era difícil alguém que conhecesse os Smiths, por exemplo. Hoje a quantidade de jovens que conhecem a cena local e o mercado da música internacional aumentou”, compara Jansen.
Em contrapartida, existe tanta informação que ela pode se tornar banal na vida de alguns desses jovens. “O que diminuiu eu acho que foi a atitude, o feeling, o sangue nos olhos. A Internet deixou o povo menos entediado e mais pacato”, critica Jansen.
Existe segredo?
De forma consistente, nenhuma banda curitibana conseguiu até hoje se estabelecer nacionalmente. Diante de todas as conjecturas e teorias que procuram explicar esse “fenômeno”, Índio Véio é categórico ao dizer que o grande segredo é o trabalho. “O que falta é trabalho, levantar a bunda do sofá e ir à luta. Esquecer o ego e focar na união, tentando ajudar a resolver os problemas ao invés de procurar defeitos nos colegas de profissão. E obviamente focar no profissionalismo e tratar a sua carreira como uma empresa e um emprego que lhe garanta o resto da sua vida. Acorda e vai trabalhar!”, afirma Índio.
Encarar a música como uma profissão, e não apenas como um hobby, pode fazer a diferença na hora de conseguir seu espaço. “Eu acho que o principal é o profissionalismo. Tem muita banda que reclama de tudo, mas não tem nem equipamento para tocar. Também não tem a noção do que é produzir uma música ou um trabalho como um disco. Tanto que hoje vemos uma linearidade musical. Sempre mais do mesmo”, diz Jansen.
Outra dica é ter bagagem musical, conhecimento para separar o joio do trigo. “O pessoal precisa ouvir mais música e trabalhar com música. Sei que é difícil fazer isso em um país onde comprovadamente a arte vem em 3º plano, mas não é impossível. Não temos que só reclamar e ficar nesse clima paternalista de só esperar acontecer. É necessário fazer acontecer”, afirma Jansen.
Na próxima sexta-feira, na segunda parte desta matéria, Índio, Andre e Jansen continuam o debate sobre a cena musical de Curitiba.
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