O Álbuns Clássicos de hoje traz o jornalista e músico Fernando Tupan falando sobre o álbum “Low-Life”, da banda inglesa New Order. Terceiro álbum da carreira do quarteto inglês, ele foi lançado pela gravadora Factory no dia 13 de maio de 1985 e consolidou a importância do grupo no cenário musical dos anos 1980.
O título do disco foi inspirado no jornalista inglês Jeffrey Barnard, que mantinha a uma coluna chamada “Low Life” na revista The Spectator Magazine . A banda, inclusive, foi processada por Barnard por samplear a frase “I… live what’s called the low life” na canção “This Time Of Night”.
Do pós-punk ao technopop
A história do New Order é única. Com exceção da tecladista Gillian Gilbert, todos os integrantes, (Peter Hook no baixo, Bernard Sumner na guitarra e Stephen Morris na bateria), faziam parte de outro ícone do rock britânico, o Joy Division. Com o suicídio do vocalista Ian Curtis, em 23 de maio de 1980, o trio remanescente renasceu com outro nome e um novo estilo musical.
O pós-punk do Joy Division ficou para trás, dando lugar a um som baseado nos teclados de Gillian, no baixo marcante de Hook e em vocais melódicos de Sumner. A partir de então, o grupo construiu uma carreira que os colocou como um dos maiores nomes do chamado “technopop”, estilo marcado por bandas que uniam o pop à tecnologia, usando teclados, sintetizadores e baterias eletrônicas. Fundir tudo isso em um som orgânico, onde o resultado final não soasse artificial, foi uma característica que poucos conseguiram.
Destaques
Tupan ressalta duas músicas do disco como as suas preferidas. Uma delas é “Love Vigilantes”, que abre o álbum. “A letra fala em solidão, na guerra que se enfrenta, na imposição, no espaço chamado mundo. A melodia simples, executada com apenas quatro acordes e diferentes ambientações, me remete a um paraíso perdido”, analisa.
Sua segunda canção preferida é “Perfect Kiss”, que se tornaria um dos maiores sucessos da carreira do grupo. “Ela tem soluções inacreditáveis, que me remetem às experimentações de Smetak. Os sapos cantando melodicamente foi uma solução poética. A letra fala em masturbação, no beijo da morte e na ideia de uma terra do amor”, diz.
Uma vida dedicada aos “bons sons”
Se você tem mais de 30 anos e gosta de bandas como The Charlatans, Stone Roses, Pixies e Lloyd Cole And The Commotions, agradeça ao nosso entrevistado de hoje. Fernando Tupan foi um dos idealizadores da extinta rádio Estação Primeira, que esteve no ar entre 1986 e 1995 no prefixo 90.1 FM, que depois foi vendido para a Rádio CBN.
A importância da Estação para a formação musical de toda uma geração de ouvintes curitibanos é difícil de avaliar. Tupan levou ao ar pelas ondas da emissora, inúmeras bandas desconhecidas do grande público, isso em uma época em que a internet não existia.
Essa característica de buscar novas bandas e sons, fugindo do status quo dominante, começou a tomar forma em 1980. Na época, o gosto musical do adolescente Fernando Tupan estava voltado para grandes nomes da música brasileira, como Caetano Veloso, Zé Ramalho e Gilberto Gil. Quando trabalhava no Museu da Imagem e do Som, Tupan descobriu um disco do artista suíço, radicado na Bahia, Walter Smetak. A novidade acabou mudando a sua perspectiva musical. “Era experimental, mas numa linha que convergia para o som do Krafwerk. Fiquei encantado”, relembra.
O impacto acabou renovando até o seu guarda-roupa. “Queimei a bolsa de couro, as roupas de bicho grilo e a minha camisa do Che Guevara, que eu usava influenciado pelos amigos comunistas da PUC-PR. Passei a usar gravata fina, que adoto até hoje, paletó, tênis e calça jeans”, afirma.
Três anos depois, Fernando estava no Rio de Janeiro para divulgar um show da Contrabanda, com quem tocava na época. Foi nesse momento que o rock inglês entrou na sua vida, por meio do single “Blue Monday”, que o New Order lançou em março daquele ano. “O antropólogo Hermano Vianna, irmão do guitarrista Herbert Vianna do Paralamas do Sucesso, foi nosso único espectador no primeiro show que fizemos no Rio. Ele me apresentou o vinil”, conta.
O trabalho gráfico do álbum e as intervenções de teclados e bateria eletrônica chamaram a atenção do curitibano. Na volta para casa, Tupan trouxe um fita cassete recheada de novidades da música londrina, entre elas o Joy Division, a encarnação anterior do New Order. “Quando mostrei para os meus companheiros, a maioria achou um som de desmunhecados. Claro que discordei e aí comecei a pensar em montar uma banda, o que se tornaria realidade um ano e meio depois com o Ídolos de Matinée”, diz.
O sonho realizado
Tupan teve a oportunidade de ver o New Order, ao vivo, em 1988 e 2006, quando se apresentaram em São Paulo, e em 1993 nos Estados Unidos. Em 1988, Fernando trabalhava na rádio Estação Primeira. Como não poderia perder o show de uma de suas bandas preferidas, ele deu um “jeitinho” para assistir a apresentação. “Consegui uma credencial com o divulgador da gravadora WEA e vi o show na frente do palco. Ganhei até uma palheta do baixista Peter Hook”, lembra.
De forma inusitada, uma fã da banda acabou abrindo o caminho para que ele conhecesse os seus ídolos. “Por algum motivo ela me levou para o backstage. Lá conheci todo o grupo e marquei uma entrevista com o Hook, matéria que publiquei no jornal Correio de Notícias”, conta.
A relação com os integrantes do New Order não parou por aí. Tupan também conseguiu acompanhar a banda no hotel onde eles estavam hospedados. “Fiquei durante duas horas com eles tomando cerveja e conversando. Para mim foi o máximo. Eu era apaixonado pelo som do New Order”, relembra.
Esse primeiro contato com o grupo rendeu ao jornalista passe livre nos outros dois shows que o quarteto fez em São Paulo, nos dias seguintes. “A namorada de Summer me levava para o camarim, enquanto amigos de imprensa ficavam do lado de fora esperando a hora de uma brecha para entrarem”, conta.
Após 30 anos do lançamento de “Low-Life”, o disco e a banda continuam fazendo parte da vida de Fernando Tupan e influenciando o seu trabalho como músico. “O New Order foi a salvação da música nos anos 80. Nenhuma outra banda conseguiu fazer arranjos tão surpreendentes. Eles chegaram ao degrau mais alto do estilo, o que não foi possível para o Kraftwerk”, finaliza.
Confira “Blue Monday”, o single que despertou o interesse de Tupan pelo New Order, “The Perfect Kiss” e “Love Vigilantes” do álbum “Low-Life”.
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