Texto: Marcos Anubis
Revisão: Pri Oliveira
Fotos: Pri Oliveira, Angelita Muxfeldt, Arquivo pessoal do Blindagem de Suka Rodrigues, Marcelo Stammer
O dia 9 de abril de 2010 na capital paranaense nasceu quieto, se escondendo. Um dos filhos mais queridos da cidade havia partido na noite anterior e deixado um vazio que até hoje não foi preenchido.
Ivo Rodrigues era mais do que o vocalista do Blindagem. Sua vida está de tal forma enraizada na cultura do estado do Paraná que não é possível falar dela sem mencioná-lo. Sua alma, seu coração e sua vida foram literalmente dedicados ao Rock ‘n’ Roll, não de uma forma metafórica.
Ivo Rodrigues partiu aos 61 anos no dia 8 de abril de 2010, no Hospital de Clínicas, em Curitiba. Devido a um câncer, uma parada cardiorrespiratória calou a “voz disfarçada de gente”. Mas Ivo não desejava que esse silêncio perdurasse. Então, seguindo o último desejo de seu vocalista, Paulo Juk (baixo), Rubén Pato Romero (bateria), Paulinho Teixeira e Alberto Rodriguez (guitarras) e Rodrigo Vivazs (vocal), não só procuram manter Ivo Rodrigues presente, mas também continuam a escrever a história do Blindagem.
Em 2015 a banda está completando 40 anos de trabalho ininterrupto. Poucos grupos no mundo possuem essa marca, pois a maioria deles se separou em algum momento de suas trajetórias. Nesse sentido a carreira do Blindagem é intacta. “Nós também somos alimentados pelo passado. É uma coisa gostosa saber que as pessoas curtiram as suas músicas e agora você está atingindo talvez uma terceira geração de fãs. Eu vejo crianças cantando ‘Lá Vai O Trem’, e isso é muito legal”, afirma Paulinho.
Família
Ivo influenciou várias gerações de músicos paranaenses, entre eles seu próprio filho. Atualmente, Ivan Rodrigues é baterista das bandas Escambau, Magaivers e Gripe Forte e desde a adolescência conviveu com a musicalidade de seu pai. “O ambiente em que eu cresci também fez diferença na minha escolha, com certeza. Todas as minhas lembranças de infância são em estúdios de ensaio e gravação, camarins de casas de show e teatros. Essa sempre foi minha vida”, diz Ivan.
Mas, acima de qualquer outra coisa, Ivo se mostrava um pai preocupado com o crescimento dos filhos e a relação deles com o mundo que se descortinava. “Ele era um ótimo pai, presente, amigo, brincalhão, sempre sorrindo. E diferente do que alguns imaginam, ele sabia ser rígido quando precisava. Era o tipo de pai que esperava o filho na frente de casa nas minhas primeiras festinhas e me fazia dar uma ‘baforada’ para provar que não tinha bebido nada alcoólico. Ele era meu melhor amigo”, afirma Ivan.
O fato de seu pai ter realmente vestido a alma do Rock ‘n’ Roll e feito da música mais do que sua profissão, mas um estilo de vida, parecem ter marcado Ivan profundamente. “Ele me influenciou, não diretamente, mas com seu exemplo em casa. Me mostrou que é possível ser um pai de família, dar uma boa vida e educação aos filhos sem abrir mão da sua vocação ou dos seus sonhos”, diz.
Hoje, é o mais novo Rodrigues que faz música autoral na capital das araucárias, procurando ter a mesma centelha criativa de seu pai. “Ele nunca me pressionou. Sempre me deixou à vontade para decidir sozinho o que eu queria fazer na vida, mas acho que ele ficou muito feliz quando escolhi ser um profissional da música e seguir o caminho dele”, opina.
A influência na música paranaense
Um dos grandes admiradores do trabalho de Ivo Rodrigues e do Blindagem é o vocalista e guitarrista da Relespública, Fabio Elias. “Ele foi a minha primeira referência de cantor de verdade. Eu era um piá de 12, 13 anos e o vi pela primeira vez no palco do Penny Lane, pela fresta da janelinha que dava para a rua. Ficava horas ali, só assistindo ao Blindagem tocar e ao Ivo cantar. Eles sempre foram uns monstros sagrados”, diz Fabio.
O músico relembra que Ivo o encorajou a fazer o que achava certo, sem se preocupar com opiniões contrárias. “Na última vez que conversamos eu estava prestes a gravar meu disco sertanejo. Ele falou assim: ‘Fabinho, faz o que teu coração manda e não ligue para esses bundas-moles que não sabem nada da nossa música e não acrescentam nada em nossa cultura. Acredite e vá em frente!’. É, eu fiz exatamente o que o mestre falou. Valeu, Ivo!”, diz Fabio.
Histórias
Ivo Rodrigues não era “apenas” um artista talentoso. Na sua convivência diária com seus companheiros de banda e sua família, o vocalista nunca se desprendia de sua criatividade.
Em 1999, seu filho Ivan Rodrigues, então com 15 anos de idade, fazia o show de lançamento de seu primeiro disco com a banda Wasted. A apresentação aconteceu no extinto 21 Snooker Bar. Ivo estava lá assistindo ao debut do filho. “Antes do bis, meu pai emocionado não se aguentou e invadiu o palco para me abraçar, me matando de vergonha. Coisa de ‘aborrescente’. Tive que pedir para ele esperar lá embaixo porque o show ainda não tinha terminado. E ele, com vergonha e sorrindo, desceu e esperou com os olhos cheios de lágrimas”, relembra.
Outra situação protagonizada pelos Rodrigues aconteceu no camarim do Círculo Militar. Como o Blindagem iria se apresentar naquela noite, Ivo deixou Ivan brincando nos corretores do clube com o filho de Paulo Juk, Kaluan. “Eu acabei batendo a testa em uma parede chapiscada e ele teve que me levar às pressas para um Pronto Socorro. Eu acabei atrasando em uma hora o show do Blindagem”, conta Ivan.
Os companheiros de Ivo no Blindagem também guardaram inúmeras recordações de sua convivência. No começo dos anos 1980 a banda se mudou para o Rio de Janeiro, buscando um novo impulso em sua carreira. Certo dia, Ivo e Pato estavam indo de ônibus para o estúdio, que ficava na Barra da Tijuca, quando foram surpreendidos. “De repente entraram dois meninos dizendo que era um assalto. Nós ficamos assustados, mas eles não deram bola para a gente, talvez por causa do nosso visual, não sei”, conta.
Depois, já na casa em que moravam, Pato começou a tentar entender a atitude dos meninos, argumentando que a vida deles não deveria ser fácil. Ivo interrompeu a explanação e usou a sua percepção: “Isso dá uma música”, disse. O baterista então se sentou no sofá da sala, enquanto Ivo foi ao banheiro. Eis que, com a porta aberta, o vocalista começa a falar. “Então, você é igual a mim, eu sou igual a você, né? Ninguém vai me prender, ninguém vai prender você…”, cantarolou. Os versos acabaram virando a música “Igual A Mim”.
Em 1997 a banda foi para a Itália gravar o álbum “Dias Incertos”. O estúdio ficava no meio de um imenso parreiral e a pessoa que cuidava do local era um fabricante de vinhos. Entre uma gravação e outra, Juk escutou risadas incontroláveis vindas de fora da casa. Curioso, o baixista foi ver o que estava acontecendo e encontrou Ivo e o dono do local rindo à esmo, obviamente embriagados. Indagado sobre a cena, o vocalista respondeu: “Sei lá, esse italiano está falando algumas coisas e eu dou risada, falo outras e ele também ri. Nós estamos nos entendendo. É o spirito di vino”, explicou.
Algumas histórias envolvendo Ivo são hilárias. Uma delas retrata um processo de “camuflagem”. Quando não estavam tocando com o Blindagem, Ivo e Alberto encarnavam uma “dupla sertaneja” chamada Rodrigão & Rodriguinho. Certa vez os dois foram tocar em Araucária e a cidade estava toda decorada para recebê-los, com faixas saudando os músicos: “Rodrigão e Rodriguinho, o sucesso sertanejo”.
Devido à essa repercussão, um repórter de uma rádio local os procurou para gravar uma entrevista. Ao encontrá-los, mesmo com os músicos “disfarçados”, usando bigodes postiços e chapéus, o jornalista disse: “Vocês se parecem muito com uma banda que eu vi em Curitiba, o Blindagem”, conta Alberto.
O guitarrista também lembra com bom humor que Ivo tinha uma estratégia maquiavélica quando os dois iam se apresentar. “Ele tomava um ‘goró’ e comia cebola, alho ou rollmops, tudo para me sacanear porque nós cantávamos no mesmo microfone. O bafo que saía dele era inacreditável. Eu precisava cantar um pouco e me virar para puxar ar”, conta.
Uma característica que sempre esteve presente na vida de Ivo foi a percepção musical que o acompanhou até os seus últimos dias. Em uma noite de 2010, quando o vocalista já estava internado no Hospital de Clínicas, Paulinho Teixeira foi visitá-lo.
Ivo lhe mostrou as cicatrizes dos procedimentos médicos a que havia se submetido e ficou quieto, descansando. Paulinho então pegou um violão, começou a tocar e notou que uma das cordas estava desafinada. Ouvindo o músico procurar a afinação certa, Ivo sussurrou: “Paulinho, tem um afinador ali na capa do violão”. A frase surpreendeu o guitarrista, que achava que o amigo estivesse dormindo. “Mesmo debilitado, ele mentalmente ainda era o mesmo roqueiro de sempre”, relembra emocionado. Essa seria a última vez que os dois grandes amigos e parceiros se encontrariam.
Rodrigo Vivazs foi vocalista da banda curitibana Gypsy Dream e conviveu com Ivo como fã, assistindo aos shows do Blindagem. Certa vez, Ivo, que o chamava de “pupilo”, iria participar da gravação de um álbum do Gypsy e passou para pegar Rodrigo às 11 da manhã, com seu famoso fusca. “Pupilo, estou aqui embaixo. O que você tem para tomar?”, perguntou.
Rodrigo disse que tinha apenas duas garrafas de vinho. Serviria. “Então desça com elas e também traga dois copinhos”, pediu Ivo. Abastecidos, os dois iniciaram a viagem ao estúdio. Diante dos olhares atônitos de outros motoristas, Vivazs, no banco de passageiro do velho fusca, segurava a garrafa e servia Ivo, enquanto o vocalista do Blindagem dirigia.
Uma das ocasiões que mais marcou a relação de Ivan com seu pai acabou sendo uma lição que, no momento, não foi bem entendida, mas que acabou mostrando ao jovem Rodrigues um pouco do “mundo real”.
O fato aconteceu no extinto Bar do Meio. Oito bandas iriam se apresentar na mesma noite. Ivan, então com 13 anos de idade, tinha acabado de ganhar uma bateria nova de seu pai. “Eu a emprestei para todas as bandas e não percebi que eles estavam ali só para usar a minha bateria. Me deixaram tocar por último e ele, indignado, não quis nem saber. Recolheu minha bateria, colocou no fusca e me levou para casa”, relembra.
Ainda sem entender direito o porquê do pai ter tomado aquela atitude, o jovem Ivan, em prantos, o questionou. “Ele não pensou duas vezes ao responder: ‘Estão te fazendo de otário filho. Aprenda a não fazer papel de bobo’, ele disse”, complementa.
Blindagem apoteótico
O momento mais marcante da carreira do Blindagem talvez tenha sido a apresentação que a banda fez em 2007 ao lado da Orquestra Sinfônica do Paraná, no Teatro Guaíra. A sinergia que foi criada entre o grupo e seu público é impressionante. A gravação foi muito feliz em captar as expressões dos fãs, mostrando que as pessoas pareciam simplesmente hipnotizadas por canções como “Gaivota” e “Loba Da Estepe”.
O show foi lançado em 2008 no DVD “Blindagem & Orquestra Sinfônica do Paraná – Rock Em Concerto”, que mostra toda a grandiosidade do momento. “Foi muito importante para o Ivo. Ele ali está inteiro. Foi bom porque deixou um registro muito legal da banda e do Ivo, no auge”, relembra Paulinho Teixeira.
Mas para chegar a esse momento, toda a banda precisou plantar uma semente que foi germinando aos poucos. “Eu sempre tive esse desejo de fazer algo com uma Orquestra. Eu tentei com três maestros do Teatro Guaíra. Eles sempre me chamavam de louco”, relembra Juk.
Mesmo argumentando que várias bandas já tinham se aventurado a unir Música Clássica e Rock, como Metallica, Scorpions e Deep Purple, os maestros curitibanos não achavam viável. “Eles me tiravam totalmente do foco. Eu ficava muito magoado porque eles não achavam que fosse possível fazer”, diz Juk.
Foi então que surgiu o maestro italiano Alessandro Sangiorgio. Um dia, prestes a viajar para a Europa, Sangiorgio recebeu de presente um CD do Blindagem, dado por um amigo, e foi ouvindo na viagem. A identificação com o quinteto paranaense foi imediata.
Tempos depois, em uma reunião no Teatro Guaíra, um dos temas da pauta era tentar descobrir que ações poderiam ser feitas para popularizar a Orquestra, torná-la mais acessível aos ouvidos e corações das pessoas que não estavam acostumadas a vê-la.
Surgiu então uma sugestão de chamar um artista para se apresentar com a Orquestra como, por exemplo, a cantora Maria Bethânia. Sangiorgio não perdeu tempo e cravou: “Vamos fazer com o Blindagem!”. A ideia foi aceita de forma unânime. “Eu me lembro que estava na Vicente Machado quando recebi o telefonema perguntando se a banda aceitava fazer esse projeto. Eu quase sentei no chão porque após 20 anos tentando viabilizar esse sonho, era inacreditável que finalmente nós tivéssemos conseguido”, relembra Juk.
A partir daí, teve início o processo de adaptação das canções para que fossem tocadas junto da Orquestra. “Coincidiu que o Sangiorgio é um roqueiro. Ele não é aquele cara bitolado só em Beethoven, Bach e nos grandes clássicos. Ele tem uma cabeça bem aberta e isso foi fundamental”, elogia Paulinho.
Essa alma Rock ‘n’ Roll se refletiu nas músicas e na própria gravação do DVD. “Eu lembro que quando fomos ensaiar ‘Gaivota’ ele dizia: ‘Eu quero aquele solo, quero aquela virada de bateria!’. Nós argumentávamos que poderíamos tocar de forma mais leve e ele enfatizava que queria tudo aquilo”, conta Juk.
Sangiorgio soube trazer o seu conhecimento erudito e respeitar a pegada Rock do Blindagem. Cinco arranjadores foram incumbidos de recriar clássicos como “Oração De Um Suicida”: Alexandre Brasolin, Davi Sartori, Marco Aurélio Koentopp, Marcos Antonio de Lazzari Junior e Ricardo Petracca. O resultado foram releituras ainda melhores das canções da banda. “Eles fizeram arranjos maravilhosos que as músicas originalmente não tinham. Ficou uma coisa além do que já existia com a banda”, diz Pato. “Cada arranjador tem um estilo diferente. Aquela entrada da ‘Loba Da Estepe’, por exemplo, parece uma trilha de cinema”, acrescenta Juk.
Na primeira vez que a Orquestra foi ler e executar os arranjos das músicas para o show, Juk e Ivo estavam sentados na plateia do Teatro Guaíra, sozinhos. “Nós ficávamos tentando adivinhar qual era a música que eles estavam tocando. Quando o Ivo conseguiu identificar a primeira, acho que era ‘Além Do Silêncio’, ele virou para mim e disse: ‘Cara, eu não sabia que a nossa música era tão bonita assim’ (risos)”, relembra Juk.
Mas o show naquela noite no Guaíra não foi somente da banda, ele teve um personagem especial. “O maestro regeu a Orquestra e o Alberto regeu o público, pois quando acabava a música ele dizia: ‘agora é com vocês’ (risos)”, brinca Juk. “Eu ganhei cachê extra”, arremata Alberto.
O novo álbum
Atentos e respeitando todo o passado que a banda construiu, o Blindagem também busca olhar para frente. O grupo está gravando um novo álbum, o primeiro após 18 anos.
São dez músicas que estavam adormecidas, esperando o momento para serem mostradas ao público de forma mais consistente. “É um resgate das coisas do Ivo. São músicas que estavam esquecidas, guardadas na gaveta ou que nós tocávamos apenas em churrascos, quando nos reuníamos. Nós resolvemos resgatar isso e está sendo mais ou menos a base do CD, esse período bonito que foi a convivência dos ‘loucões’, os grandes parceiros que foram o Ivo e o Leminski”, conta Paulinho.
A gravação e produção estão sendo feitas pela própria banda no estúdio Audio Stamp, em Curitiba. “Na verdade o George Martin queria vir, mas ele está com problemas lá em Londres. Como nós também não podemos viajar porque temos coisas para fazer aqui, acabamos dispensando o George Martin”, brinca Juk. George é um dos maiores produtores musicais da história, considerado o “quinto Beatle” por ter trabalhado nos álbuns quarteto de Liverpool.
As canções do álbum trazem a marca do som do Blindagem aliada aos novos recursos tecnológicos. “Nós fomos quase que fiéis à intenção das músicas, só tentamos dar uma roupagem, uma sonoridade mais moderna”, explica Pato. Apesar de se preocuparem com a qualidade do que será lançado, a banda não gravou o novo álbum com a ideia fixa de que ele seja viável comercialmente. Com quatro décadas de estrada, o Blindagem procura tratar a sua música de forma mais tranquila, abstraindo qualquer devaneio. “O grande lance é não se preocupar mais com o sucesso, com aquela busca de ter as suas canções tocadas nas rádios. Hoje não existe mais isso”, analisa Juk.
A banda pretende lançar nas próximas semanas uma “amostra” do novo trabalho. O single deve ser postado nas redes sociais ou no YouTube. Sinal dos tempos. “Hoje você só vende o CD na emoção, em um show, por exemplo. Nem lojas de CDs existem mais. Atualmente, a venda é feita de forma virtual”, explica Juk. O lançamento do CD físico deve ser feito no máximo até o próximo mês de junho.
Os novos tempos
Obviamente que o trabalho gera muita curiosidade, principalmente em relação às interpretações de Rodrigo. Além de ser o primeiro CD gravado após 18 anos, essa também será a primeira vez que o cantor participará de um registro do Blindagem. “Tirando ‘Valeu’, são músicas que ninguém conhece, inéditas. Então eu tive a oportunidade de interpretar da minha maneira. Eles me deixaram bem livre para isso”, conta.
Ivo era uma referência para Vivazs, e isso certamente ajudou nessa adaptação. “Eu o coloco ao lado do Ian Gillan, do Bruce Dickinson, do Dio e do Paul Di’Anno, que são os caras que eu gosto de ver cantar”, afirma. Rodrigo se mostra muito consciente e tranquilo em relação ao seu papel na banda. Certamente algo que contribuiu para que ele fosse bem aceito pelo público do grupo foi o fato de que em nenhum momento ele quis “substituir” Ivo Rodrigues. Suas interpretações transparecem a sua forma de cantar e não procuram “imitar” o ídolo. “Eu acho que a minha ‘missão’ no Blindagem, de certa forma, seja levar a obra do Ivo adiante. Eu carrego isso comigo, a intenção de propagar a obra dele para outras pessoas que não o conheceram”, diz Vivazs.
Rodrigo foi praticamente “preparado” para assumir os vocais do Blindagem. Durante seus dois últimos anos de vida, Ivo lutou de forma brava contra seus problemas de saúde. Muitas vezes eles o impediam de cumprir os compromissos com a banda, mas mesmo assim o vocalista insistia em sempre estar presente, mostrando o quanto amava o que fazia.
Nesse período, Rodrigo começou a ser convidado pela banda para fazer alguns shows, inclusive dividindo o palco com Ivo Rodrigues. Essa foi uma época de muito sofrimento para toda a banda, pois acompanhar as dificuldades físicas de seu vocalista contrastarem com a sua imensa vontade de não se afastar do que ele mais gostava, cantar, não era fácil. “Ele foi um guerreiro. O show sempre foi a coisa mais importante para o Ivo”, diz Pato.
É nítida a emoção da banda ao falar de seu velho e também de seu novo vocalista e também é perceptível o entendimento que Juk, Alberto, Pato e Paulinho têm da situação. Assumir os vocais do Blindagem não seria fácil para nenhum cantor, pois a aura de Ivo se manterá eternamente sobre a banda, o que é absolutamente natural. Em dado momento da conversa, Paulinho se volta para Rodrigo e diz: “Se existe uma coisa que transcende, e eu acho que existe, o Ivo deve estar muito feliz pelo fato de nós termos continuado, de você se parecer tanto com ele. Ele deve estar dando risada”, argumenta emocionado.
O fato é que o Blindagem sobreviveu a uma imensa perda. Há cinco anos, antes de deixar seu amigo e parceiro de banda em seu descanso final no Cemitério Municipal de Curitiba, Paulinho Teixeira pegou seu violão e tocou os acordes de “Valeu”, uma das mais belas parcerias de Ivo e Paulo Leminski.
A multidão que estava ali para se despedir fez o resto, cantando os versos que soaram literalmente como um agradecimento a Ivo. “Valeu encharcar esse planeta de suor. Valeu esquecer as coisas que eu sei, que eu sei de cor. Valeu encarar essa vida que podia ser melhor. Valeu, mesmo assim valeu”, cantaram os centenas de fãs que foram dar seu último adeus ao ídolo.
Se sua voz se calou, o espírito e a obra de Ivo Rodrigues permanecerão eternamente na história da música curitibana e das pessoas que tiveram a sorte de conviver com esse gênio criativo e inquieto. “Ele me deixou muitas lições. Me deixar levar pelos meus sonhos, tentar sempre ser uma pessoa do bem, com uma atitude positiva sem ser passado para trás ou feito de bobo. Me ensinou a levar a música com profissionalismo e seriedade, a tratar todos que te acompanham e te admiram com educação e paciência as vezes. Ele era um exemplo durante 24 horas por dia. Foi um grande cara. Eu tive muita sorte”, finaliza Ivan.
No próximo dia 21 de abril, na Pedreira Paulo Leminski, Gene Simmons, baixista e vocalista do Kiss, cantará a célebre frase “i wanna rock and roll all night and party every day”. Durante mais de 40 anos, Ivo transformou as noites curitibanas em festas, com sua voz e sua música.
Naquela triste noite de 2010, quando encontrou seu parceiro Paulo Leminski em outro plano, certamente ele pôde falar com orgulho: “Polaco, eu me diverti!”. E na verdade, não é isso que importa?
Confira o Blindagem executando de forma intimista duas pérolas do seu repertório, “Valeu” e “Gaivota”, e também o álbum de fotos da entrevista.
Na verdade, Ivan, filho de Ivo não é mais baterista da banda Escambau. O instrumento atualmente é comandado por Babi Age.