Texto – Marcos Anubis
Revisão – Pri Oliveira
O mundo da música perdeu nesta madrugada um de seus mais puros e legítimos filhos. O guitarrista americano B.B. King faleceu à 1h40m (horário de Brasília) da madrugada desta sexta-feira (15) em Las Vegas, nos Estados Unidos. Ele tinha 89 anos de idade e foi vítima de complicações causadas por uma hepatite 2. King estava dormindo e morreu “pacificamente”, segundo seu perfil oficial no Facebook.
Uma vida dedicada ao Blues
Definição para “lenda”, segundo o dicionário Michaelis: 1 – Tradição popular. 2 – Narrativa transmitida pela tradição, de eventos geralmente considerados históricos, mas cuja autenticidade não se pode provar. 3 – História fantástica, imaginosa. 4 – Mentira, patranha. 5 – História fastidiosa”. A partir deste momento ela passa a ter mais um significado: B. B. King.
Riley Ben King nasceu no dia 16 de setembro de 1925 em Itta Bena, no Mississipi. Sua infância foi escrita da mesma forma que muitos músicos americanos de Blues: colhendo algodão nas plantações da região.
Ainda quando jovem ele comprou seu primeiro violão. Na década de 1940 o instrumento servia como lazer para a população local, por conta da falta de energia elétrica. Seu tio, um pastor, lhe ensinou os primeiros acordes. Assim, o jovem Riley passou a usar seu novo dom para complementar a sua renda, se apresentando nas esquinas de Itta Bena.
Em 1947 ele decidiu viajar para Memphis, acreditando que ali seria possível tentar a vida na música. Na época a cidade era a Meca dos artistas americanos de música negra e a cena local costumava apoiar o trabalho desses músicos. Chegando lá, seu primo, Bukka White, considerado um dos artistas de Blues mais importantes nos Estados Unidos, lhe deu o suporte necessário para o início de sua carreira.
A primeira grande oportunidade veio em 1948, quando B.B. se apresentou no programa de rádio de Sonny Boy Williamson na rádio KWEM. O sucesso fez com que ele fosse convidado para tocar na Sixteenth Avenue Grill, em West Memphis. Mais tarde ele foi protagonista de outro programa, desta vez na rádio WDIA, chamado “King’s Spot”.
Como sua carreira estava começando a deslanchar, ele precisava de um nome artístico. Riley passou a usar a alcunha de Beale Street Blues Boy, posteriormente encurtada para Blues Boy King e finalmente B.B. King.
Seu primeiro grande sucesso foi “Three O’Clock Blues”, no início dos anos 1950. Nascia ali a incrível capacidade que B.B. tinha de fazer um grande número de shows durante o ano. Em 1956, por exemplo, foram impressionantes 342 apresentações.
O nascimento de “Lucille”
A marca registrada de King era a sua Gibson ES-355, carinhosamente apelidada de “Lucille”. Nela, o músico imprimia seu estilo de solar usando poucas notas, mas carregadas de um sentimento que só os gênios conseguem impor. “Consigo fazer uma nota valer por mil”, dizia ele.
O músico fazia de sua guitarra uma extensão de si mesmo. Sua forma de tocar usando muito o vibrato e com frases curtas criou um estilo único e inigualável. “Quando eu canto, eu toco na minha mente. Quando eu paro de cantar por via oral, eu começo a cantar tocando a Lucille”, afirmava.
Lucille nasceu de uma forma inusitada. Em meados da década de 1950, King estava se apresentando em um baile na cidade de Twist, no Arkansas. Durante o show, dois homens se envolveram em uma briga, disputando uma mulher. Durante o embate a dupla derrubou um fogão de querosene, ateando fogo ao salão.
Para escapar do incêndio, B.B. correu para fora do local, junto com o público, mas chegando lá ele percebeu que tinha esquecido a sua guitarra acústica, que custava US$ 30. O músico então entrou novamente na casa, em meio ao fogo, e salvou o seu instrumento. Mais tarde King descobriu que a mulher que foi “disputada” pelos brigões se chamava Lucille.
O nome então passou a batizar todas as suas guitarras. Com o sucesso da atitude, a Gibson passou a fabricar um modelo especialmente para o músico, que foi chamado obviamente de Lucille.
A vida na estrada
Durante a sua carreira, King fazia em média 300 shows por ano. E foi assim durante toda a sua carreira. Em 2012, mesmo já enfrentando problemas de saúde, ele ainda fazia perto de 100 apresentações. Poucos artistas se dedicaram tanto à sua arte. Aos poucos o reconhecimento foi surgindo. Em 1969, por exemplo, os Rolling Stones convidaram B.B. King para abrir 18 shows que a banda faria em sua turnê pelos Estados Unidos.
O site de King aponta o lançamento de 34 álbuns durante os seus quase 70 anos de carreira. Ele influenciou fortemente músicos das mais variadas gerações e estilos, como Eric Clapton e Stevie Ray Vaughan.
Números e curiosidades
Em 1984 King foi incluído no Blues Foundation Hall of Fame, dedicado aos grandes nomes do estilo. Em 1987 ele passou a fazer parte do Hall da Fama do Rock and Roll.
Ele ganhou vários prêmios Grammy Awards durante a sua carreira, entre eles os de “melhor desempenho vocal masculino de Rhythm & Blues” com a música “The Thrill is Gone” em 1970 e “melhor gravação de Blues tradicionais” com “Blues’N Jazz” em 1983.
Em 1988 King participou do álbum/DVD “Rattle And Hum” do U2, cantando e tocando a música “When Loves Comes To Town”.
Em 2011 a revista Rolling Stone publicou uma lista elegendo os 100 melhores guitarristas de todos os tempos. O júri era composto por jornalistas, editores e músicos, entre eles Eddie Van Halen e Brian May. King ficou na 6ª posição.
Em 1997 B.B. foi até o Vaticano e presenteou o Papa João Paulo II com uma Lucille.
Em 2012, em um show na Casa Branca, até o presidente dos Estados Unidos entrou no embalo do bluesman. Obama cantou a música “Sweet Home Chicago” ao lado de King.
B.B. se casou duas vezes. Entre 1946 e 1952 ele viveu com Martha Lee Denton e de 1958 a 1966 com Sue Carol Hall. Ele teve 14 filhos, que lhe deram mais de 50 netos.
Em 2012 foi lançado o documentário “The Life Of Riley”, dirigido por Jon Brewer e narrado pelo ator Morgan Freeman. O filme traz depoimentos de personalidades do mundo da música, como Bono, Eric Clapton, Keith Richards e Mick Jagger, além de fãs como o ator Bruce Willis e até o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama.
Em 2012 B.B. King se apresentou pela última vez no Brasil, fazendo shows em Curitiba, Rio de Janeiro e São Paulo.
Os últimos dias
Infelizmente a despedida do B.B. parece não ter sido muito tranquila. Ele enfrentava a diabetes há mais de 20 anos, mas desde 2012 a doença passou a incomodá-lo de forma mais evidente.
Sua última apresentação foi no dia 3 de outubro de 2014 no House of Blues, em Chicago. Ele passou mal no palco e a avalição médica constatou desidratação e exaustão, fazendo com que o show e a tour acabassem sendo cancelados.
No último dia 7 de abril, três das 14 filhas de King, (Karen Williams, Rita Washington e Patty King), afirmaram que suspeitavam que a empresária do pai, Laverne Toney, estaria roubando dinheiro e negligenciando as necessidades médicas cada vez mais evidentes do Rei do Blues, além de impedi-las de o verem em casa.
Eles acusaram Toney e sua assistente de espoliar perto de US$ 30 milhões de B.B. King e reter os medicamentos do músico enquanto ele estava em turnê, além de roubar vários relógios Rolex e um anel no valor de US$ 250 mil. A polícia investigou as denúncias, mas nenhuma acusação foi formalizada.
No último dia 6 de abril, Patty disse ao site TMZ que teve que chamar a polícia para poder levar seu pai ao hospital, porque a empresária se recusou a levá-lo. Chegando no local, os oficiais chamaram os paramédicos e eles concordaram que B.B. King precisava ser examinado pelos médicos. Patty afirmou que o pai tinha sofrido um pequeno ataque cardíaco.
King foi hospitalizado, mas liberado alguns dias depois. Sua última mensagem publicada em seu perfil no Facebook no dia 1º de maio diz: “Já estou em casa, recebendo cuidados paliativos em minha residência em Las Vegas. Obrigado a todos pelos pensamentos positivos e orações”.
Segundo Toney e o principal advogado de B.B. King, Brent Bryson, as visitas continuavam podendo ser agendadas. Eles também acusaram as três de estarem somente atrás do dinheiro do pai. A decisão da guarda de King acabou sendo decidida por um juiz de Las Vegas. Ele afirmou que haviam evidências de que B.B. estivesse sendo abusado. Laverne Toney, então, continuou sendo responsável pela guarda do músico e pelo controle legal de seus negócios.
Paty divulgou uma foto, na época, mostrando o pai em condições lamentáveis, supostamente no momento em que a polícia chegou em sua casa. O fato é B.B. King faleceu um mês após o alerta feito por suas filhas. Certamente essa história ainda terá desdobramentos.
O reconhecimento do mundo da música
Feito o anúncio de sua morte, vários artistas manifestaram o seu pesar pela morte de King. Veja algumas declarações:
“Nós perdemos uma lenda. Nossas condolências aos seus familiares e fãs em todo o mundo!” (Living Colour).
“Hoje eu venho até vocês com o coração pesado. B.B. King é o maior homem que eu já conheci. O tom que ele tirava de sua guitarra, a forma como ele balançava a pulso esquerdo, a forma como ele apertava as cordas… Cara, ele saiu com essa e era tudo novo para todos que tocavam guitarra. Ele podia tocar tão suave, ele não tem que colocar em um show. O que o B.B. fez é o caminho para todos nós fazermos isso, agora. Ele era meu melhor amigo e pai de todos nós. Sentirei saudades, B. Eu te amo e prometo manter vivo esse maldito Blues. Descanse bem”. (Buddy Guy)
“A emoção se foi. Obrigado pelo Blues, B.B. King”. (Cowboy Junkies)
“Muito honrado por ter te conhecido, sir. Verdadeiramente um dos maiores. O mundo fica mais vazio sem você. Amor e gratidão a você, sempre e para sempre”. (Garbage)
“Viva o Rei! Descanse em paz, irmão B.B. Sua magia ainda está passando por mim. Deus só está um pouco mais feliz e o juke joint acima tem uma nova empresa. Deus abençoe”. (Roy Z)
A música perde mais um de seus alicerces, um gênio que soube forjar o seu estilo e fazer dele a base de seu trabalho. “A emoção se foi. Foi embora para o bem. Algum dia eu sei que eu estarei de braços abertos. Justamente como eu sei que um bom homem deveria estar”, diz a letra de “The Thrill Is Gone”. Lendas não morrem, elas se fortalecem e se tornam eternas.
Veja alguns momentos da carreira de B.B. King.
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