O vocalista do Iron Maiden se apresentou no Teatro Positivo ao lado de um time de grandes músicos no “Jon Lord’s Concerto For Group And Orchestra”
Postulante eterno ao posto de maior vocalista da história do Heavy Metal, Bruce Dickinson fez o último show solo na capital paranaense no dia 23 de abril de 1999, em uma fria noite na antiga Fórum (que hoje é a Live Curitiba).
Naquela ocasião, ele estava fazendo a turnê mundial do fantástico álbum “The Chemical Wedding” e tinha acabado de anunciar que retomaria o lugar no gigante Iron Maiden, banda da qual ele tinha saído em 1992.
Além dessa apresentação, Bruce também tocou em Curitiba no dia 19 de novembro de 1997, no Marumby Expo Center, em um show que também contou com o inigualável Ronnie James Dio e com Jason Bonham (filho do baterista do Led Zeppelin, John Bonham).
Nessa quarta-feira (19), Bruce Dickinson voltou a capital paranaense, dessa vez para um show no Teatro Positivo com o espetáculo “Jon Lord’s Concerto For Group And Orchestra”, que é uma grande homenagem ao lendário tecladista do Deep Purple, falecido em 2012.
Para entender o poder que o vocalista do Iron ainda tem, todos os 2.300 ingressos (a capacidade máxima do local) estavam esgotados em março, justamente por causa da presença dele.
Na verdade, nos últimos anos, Curitiba se tornou uma espécie de segunda casa para Bruce por causa da relação com a Cervejaria Bodebrown, produtora da “Trooper”, uma das cervejas oficiais do Iron Maiden. Por causa disso, Dickinson tem vindo a capital paranaense em algumas ocasiões e está mais do que habituado ao carinho dos curitibanos.
Música da mais alta qualidade
O espetáculo “Concerto For Group And Orchestra” tem como base o álbum ao vivo homônimo lançado em 1969 pelo Deep Purple, que contou com a participação da Royal Philharmonic Orchestra. O projeto foi dirigido por Malcolm Arnold e gravado no Royal Albert Hall, em Londres, e se tornou um dos primeiros a juntar o Rock com arranjos mais complexos.
Por causa dessa configuração orquestral, a primeira parte do espetáculo é divida em três movimentos e é composta por canções longas e essencialmente instrumentais: “Allegro”, “Andante” (no qual Dickinson fez a primeira intervenção vocal da noite) e “Vivace – Presto”.
Para dar conta da enorme gama de camadas instrumentais que o concerto exige, as músicas do show são executadas por uma banda formada por Kaitner Z Doka (guitarra – Jon Lord, Ian Paice), Tanya O’Callaghan (baixo – Whitesnake), John O’Hara (teclados, Jethro Tull), Mario Argandonia (percussão – Scorpions) e Bernard Welz (bateria – Jon Lord, Don Airey).
Além dos músicos da parte Rock’n’roll da apresentação, o show também contou com a presença de aproximadamente 80 instrumentistas da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (OSESP) e de algumas das principais sinfônicas do Brasil.
A condução é do maestro inglês Paul Mann, que também regeu várias outras apresentações do espetáculo, entre elas, a histórica performance de 1999, no Royal Albert Hall. Ou seja, a grandiosidade musical do “Concerto For Group And Orchestra” tem uma complexidade que poucas vezes foi vista em um show de Rock no Brasil.
Em um paralelo rápido, é possível comparar a obra de Lord com as trilhas sonoras que foram compostas para as superproduções de filmes do início do século XX, entre elas, “Ben Hur” (1959), “Os Dez Mandamentos (1956) e “Quo Vadis” (1951).
Após essa primeira parte em três movimentos, os músicos saíram do palco, fazendo um intervalo de 15 minutos que também serviu para que o público se preparasse para o segmento mais Rock’n’roll do show.
Revivendo duas pérolas do trabalho solo
Na volta ao palco, era chegado o momento mais aguardado do show, quando Bruce interpreta duas canções que não eram executadas há 24 anos no Brasil. Para mostrar o quanto essas músicas fazem parte do imaginário dos fãs, no vídeo de divulgação da tour, Bruce diz que fez questão de incluí-las no setlist porque achava que o público brasileiro gostaria da surpresa. Obviamente, ele estava certo.
Naquela época, em 1999, quando os privilegiados curitibanos que lotaram a Fórum tiveram a chance de ouvir essas duas canções, Dickinson estava fora do Iron Maiden desde 1992 e tinha acabado de lançar um dos álbuns que estão até hoje entre os melhores da história do Heavy Metal.
Afinal, “The Chemical Wedding” (1998) é um daqueles discos perfeitos, que você escuta do começo ao fim sem conseguir encontrar nenhum defeito.
Basta dizer que a banda que gravou o CD era um dreamtime formado pelo fiel escudeiro Adrian Smith e o genial Roy Z nas guitarras, Eddie Casillas (baixo) e David Ingraham (bateria). Quem sentiu a potência sonora que esse quarteto conseguia apresentar ao vivo, não esquece jamais.
Entretanto, além da parte instrumental, o álbum também chamava a atenção porque era um mergulho no ocultismo, com influência direta do poeta inglês William Blake, e resultou em letras que só alguém com a bagagem intelectual de Bruce poderia escrever. Entre elas, estavam “Book of Thel”, “Trumpets of Jericho” e “Gates of Urizen”. A própria capa do CD é uma pintura de Blake, chamada “Ghost of a Flea”.
Dois meses antes daquele show em Curitiba, o Iron Maiden tinha anunciado que o vocalista estava retornando à banda, mas, mesmo assim, Bruce ainda fez algumas apresentações que já estavam agendadas para divulgar o álbum e uma delas foi justamente na Fórum.
Dali em diante, ele deixou o trabalho solo de lado, apesar de ter lançado o álbum “Tyranny of Souls” (2005), mas o impacto de “The Chemical Wedding” nos fãs continua muito forte até hoje.
Entretanto, por causa da estafante rotina de turnês mundiais anuais e as exigências contratuais que provavelmente impedem que o vocalista invista em outras frentes, todos achavam que Bruce não tocaria essas músicas novamente enquanto estivesse no Iron. Felizmente, ainda que só por duas músicas, isso aconteceu.
Bruce voltou ao palco do majestoso Teatro Positivo perguntando “se todos ainda estavam ali”, devido a grandiloquência que é a marca da primeira parte do show. Na sequência, aos primeiros acordes do dedilhado de “Tears of the dragon”, do álbum “Balls to Picasso” (1994), o público foi ao delírio.
Na verdade, a execução da música até superou as expectativas, se é que isso é possível, pois se ela já é belíssima na gravação original, com a presença dos arranjos da orquestra, ela ficou ainda mais marcante.
Em seguida, antes da enigmática “Jerusalem”, Bruce falou um pouco sobre a música e a influência de William Blake no álbum “The Chemical Wedding”. A música tem como base um poema de Blake chamado “And did those feet in ancient time”, que faz parte do livro “Milton: A Poem in Two Books”, um clássico da literatura inglesa.
Bruce é formado em História e isso faz com que esses temas sempre estejam presentes nas letras que ele escreve. No Iron, um dos grandes exemplos disso é o álbum “Powerslave” (1984), que aborda a cultura egípcia de maneira profunda.
É preciso enfatizar que essas duas canções foram lançadas há 29 e 25 anos, respectivamente, mas Bruce cantou cada nota exatamente como elas foram gravadas nos CDs, sem enganar com falsetes ou fugir das partes mais altas.
Para quem já está com 64 anos de idade, essa é uma enorme exceção à regra, pois praticamente todos os cantores da mesma geração que ele não possuem a metade da capacidade vocal que tinham no começo, o que é absolutamente normal e acontece com qualquer ser humano com o passar do tempo.
Na sequência do show, vieram seis canções do Deep Purple: “Pictures of home”, a maravilhosa “When a Blind Man Cries” (com outra interpretação fantástica de Bruce), “Hush”, que é uma composição do músico, cantor e compositor estadunidense Joe South, gravada no álbum de estreia do Purple, “Shades of Deep Purple” (1968), e “Perfect Strangers”. Para encerrar a apresentação, Bruce cantou os clássicos “Burn” e “Smoke on the water”.
No final, quando se juntaram para agradecer o público, Bruce e os músicos foram ovacionados em pé pelas 2.400 pessoas que lotavam o Teatro Positivo, em um reconhecimento mais do que merecido em função do espetáculo que eles apresentaram.
É óbvio que as constantes turnês mundiais com o Iron Maiden não deixam muito tempo para qualquer outra aventura, mas é impossível não pensar que, em algum momento, Bruce Dickinson poderia (ou deveria) organizar uma turnê que fizesse jus ao valor do álbum “The Chemical Wedding”.
Afinal, não parece justo para a própria trajetória artística de Bruce que todas aquelas músicas fantásticas sejam deixadas para trás sem, no mínimo, uma grande tour mundial para que os fãs possam realmente contemplar aquele álbum da maneira certa e com a reverência que ele merece.
Assista aos vídeos de “Tears of the dragon” e “Jerusalem”, gravados ao vivo no show “Concerto For Group And Orchestra”, no Teatro Positivo, e veja o nosso álbum de fotos.
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