Mais de 30 mil curitibanos acompanharam o show na Ligga Arena 

Em uma chuvosa manhã na lisérgica Londres dos anos 1960, alguns muros da capital inglesa amanheceram pichados com a frase “Clapton is God”.

O elogio messiânico fazia referência ao guitarrista Eric Clapton que, na época, integrava o grupo John Mayall & The Bluesbreakers.

Alguns anos antes, quando Clapton tinha feito parte do The Yardbirds, ele já despertava a admiração de muitos jovens britânicos que estavam impressionados com a qualidade técnica e o sentimento que o músico conseguia impregnar em cada nota que tocava.

Na sequência, após sair da banda de John Mayall, Eric montou o power trio Cream, ao lado do baixista Jack Bruce e do baterista Ginger Baker, o que só aumentou a idolatria em relação ao guitarrista.

Dali em diante, Eric Clapton construiu uma trajetória mágica, tocando com os maiores nomes da música mundial e consolidando um trabalho solo que se tornou referência dentro do Rock/Blues.

Nessa terça-feira (24), na Ligga Arena, mais de 30 mil curitibanos tiveram a chance de ver de perto, pela primeira vez na capital paranaense, o “Deus” britânico do Rock/Blues e ouvir alguns dos maiores clássicos destes gêneros que se complementam.

Eric Clapton (guitarra e vocal), Natan East (baixo), Doyle Bramhall II (guitarra), Chris Stainton (teclados), Tim Caarmon (órgão), Sharon White e Katie Kisson (backing vocals) e Sonny Emori (bateria) abriram o show com “Sunshine of your love”, um dos clássicos do Cream, seguida por “Key to the highway”, de Charles Segar, e do clássico “I’m your hoochie coochie man”, de Muddy Waters.

Logo de cara, mostrando que o foco seria totalmente na música, chamou a atenção o fato de todos entrarem juntos e sem nenhum tipo de artifício característico dos shows modernos (pirotecnia, anúncios mirabolantes ou coisas do gênero).

Depois de “Badge”, do Cream, a banda iniciou um set acústico com “Kind hearted woman Blues”, do Rei do Blues, Robert Johnson (o homem do pacto com o Diabo).

Um dos momentos mais bonitos, e o mais emocionante, foi quando Clapton encerrou esse bloco desplugado cantando “Tears in heaven”.

A música foi escrita em homenagem ao filho do guitarrista, Conor, que morreu de maneira trágica em 1991, após cair do 53º andar do prédio no qual estava com a mãe, Lory Del Santo, em Nova York.

Conor tinha apenas quatro anos, nessa época, Clapton tinha acabado de tomar a decisão de estar mais presente na vida do filho.

Durante o show, entre os músicos que acompanharam Clapton, um dos grandes destaques foi o excelente baixista Nathan East, que já tocou com alguns dos maiores nomes da música internacional, entre eles Michael Jackson, Stevie Wonder, Joe Satriani, George Harrison e Phil Collins.

Outro ponto alto foi o tecladista Chris Stainton que, entre outros trabalhos, gravou os álbuns “Quadrophenia” (1973) e “Tommy” (1975), do The Who, além de ter integrado durante muito tempo a banda do vocalista Joe Cocker.

Polêmicas

Se na parte musical, Eric Clapton construiu uma trajetória brilhante e fez parte de bandas que se tornaram lendárias, na vida pessoal do guitarrista, essa genialidade passou longe das opiniões e atitudes que ele protagonizou fora do palco.

Durante a fase mais mortal da pandemia, por exemplo, Clapton se tornou um grande crítico das vacinas que, simplesmente, fizeram com que o mundo conseguisse voltar à normalidade.

Essa postura negacionista, aliás, fez com que ele se tornasse persona non grata em uma parte significativa do círculo musical britânico.

O ápice dessa postura aconteceu em dezembro de 2020, quando o guitarrista lançou o single “Stand and deliver”, canção composta pelo cantor e compositor britânico Van Morrison.

Basicamente, a música era uma maneira de protestar contra as medidas de lockdown e de distanciamento social implantadas pelo governo inglês para conter o aumento das mortes que estavam ocorrendo devido ao coronavírus. Na visão da dupla, essas medidas “restringiam a liberdade”.

Outro “causo” que ficou marcado na vida de Clapton aconteceu no final dos anos 1970, quando o guitarrista “roubou” a esposa do ex-Beatle George Harrison, a modelo britânica Pattie Boyd.

Nos anos seguintes, Boyd deve ter se arrependido do relacionamento, pois Clapton estava completamente mergulhado no alcoolismo e nas drogas. O casal se divorciou em 1989.

Desse amor conturbado, nasceu “Layla”, um dos clássicos do guitarrista, que foi composta em homenagem à companheira.

Outra mancha na trajetória de Clapton aconteceu em 1976 quando, durante um show, ele fez um discurso agressivo contra a imigração, pedindo que os ingleses fizessem com que a Inglaterra “se mantivesse branca”.

Esse pensamento, vindo de um dos grandes nomes do Blues, estilo criado e popularizado por músicos negros (dos quais Clapton é fã e parceiro desde o início da carreira) é, no mínimo, bizarra. Robert Johnson, por exemplo, uma das maiores influências de Eric, era negro.

O discurso racista de Clapton fez com que alguns músicos da cena musical inglesa da época criassem o movimento Rock Against Racism.

Ou seja, coerência e bom senso nunca fizeram parte da vida pessoal do guitarrista, em contraste com a genialidade que ele sempre demonstrou no palco e nos estúdios.

“Cocaine”, talvez o maior clássico de Eric Clapton no Brasil,  encerrou a primeira parte do show, com todo o público cantando o refrão.

Na verdade, a música foi originalmente gravada pelo músico, cantor e compositor estadunidense  J. J. Cale no álbum “Troubadour” (1976).

Na sequência, a banda se retirou do palco, voltando logo depois para o bis. Nesse momento, o público que estava na pista premium começou a gritar “Layla”, pedindo a Clapton que tocasse um de seus grandes hits.

Porém, o guitarrista não deu ouvidos para os fãs, encerrando o show com uma versão de “Before you acuse me”, de Bo Diddley, que contou com a participação de Gary Clark Jr.

Durante a canção, Clapton usou uma guitarra que trazia a bandeira da Palestina estilizada ao lado da ponte do instrumento.

Durante o show, aliás, Clapton se limitou a agradecer os aplausos dos fãs, em algumas ocasiões, mas não conversou diretamente com o público.

Além de “Layla”, que era um dos temas das vinhetas de identificação da rádio Estação Primeira, a maior rádio Rock que Curitiba já teve, Clapton também deixou de fora do setlist algumas canções que foram um grande sucesso no Brasil, entre elas “I shot the sheriff” (Bob Marley), “White room” (Cream) e “Lay down Sally”.

É óbvio que o setlist dos shows fica a cargo de cada artista e, no caso de Clapton, a quantidade de canções que ele gravou nos 60 anos de carreira permite uma combinação diferente para cada espetáculo.

Porém, também é preciso ressaltar que o artista precisa ter essa sensibilidade de saber quais são as músicas preferidas do público na cidade na qual ele vai se apresentar e, dentro do possível, atender aos desejos dos fãs que vão aos shows esperando ouvir esse ou aquele hit.

Assista ao vídeo de “Tears in Heaven”, gravado ao vivo no show de Eric Clapton, na Ligga Arena.

Aproveite para assinar o Cwb Live, pagando a quantia que você achar justa. É só acessar a plataforma Catarse (campanha “Eu Apoio o Cwb Live”).

Assim, você ajuda o site a se manter na ativa, fazendo um jornalismo independente e com conteúdos exclusivos (entrevistas em texto e vídeo, coberturas de shows, fotos, vídeos e matérias).

Inscreva-se no nosso canal no YouTube para assistir aos vídeos de shows e entrevistas exclusivas e siga as nossas redes sociais no Instagram e Facebook.




Gary Clark Jr.

A abertura da noite coube ao guitarrista texano Gary Clark Jr. que, mesmo apresentando um setlist curto com apenas sete músicas, conseguiu impressionar o público com muita técnica e, sobretudo, criatividade e liberdade para tocar.

Gary abriu o show com a atmosférica “Maktub”, seguida por Don’t owe you a thing” e “When my train pulls in”.

Um dos momentos que retrataram com mais clareza a pegada musical do guitarrista texano foi a versão para “What About the Children”, de Stevie Wonder, que empolgou o público.

Gary Clark. Jr. tem uma característica que, invariavelmente, marca a obra dos grandes músicos: não se preocupar em ficar preso a fórmulas ou estilos pré-estabelecidos. Nas composições, o guitarrista mistura Blues, Jazz, Soul, Funk e até elementos da música africana.

Acima de tudo, o guitarrista estadunidense tem uma pegada cheia de energia que transforma essas nuances diferentes em uma química muito harmoniosa e que não é nada fácil de alcançar.

Para a tour no Brasil, o músico texano veio acompanhado por King Zapata (guitarra), Elijah Ford (baixo), Dayne Reliford (teclado) e J.J. Johnson (bateria) e as backing vocals Shawn, Savannah e Shanan, que são irmãs de Gary.

O guitarrista já havia se apresentado no Brasil em 2011, trazido pelo próprio Clapton para abrir os shows que ele fez naquele ano.

Na época, Gary estava lançando o álbum “Blak and Blu”. Dois anos depois, ele voltou ao país para tocar no festival Lollapalooza.

Gary Clark Jr. encerrou o show com “Habits” e saiu do palco aplaudidíssimo pelo público, o que abriu uma grande possibilidade do guitarrista texano voltar a Curitiba, em outra oportunidade, para fazer um show completo como headliner.

Assista ao vídeo de “Maktub”, gravado ao vivo no show de Gary Clark Jr., na Ligga Arena.

Aproveite para assinar o Cwb Live, pagando a quantia que você achar justa. É só acessar a plataforma Catarse (campanha “Eu Apoio o Cwb Live”).

Assim, você ajuda o site a se manter na ativa, fazendo um jornalismo independente e com conteúdos exclusivos (entrevistas em texto e vídeo, coberturas de shows, fotos, vídeos e matérias).

Inscreva-se no nosso canal no YouTube para assistir aos vídeos de shows e entrevistas exclusivas e siga as nossas redes sociais no Instagram e Facebook.