Texto: Marcos Anubis
Revisão: Pri Oliveira
Fotos: Raul Krebs
“Eu não acho que nós estávamos à frente do nosso tempo. Os outros é que estavam para trás (risos)”. A frase do vocalista do Defalla, Edu K, reflete um pouco a alma de uma banda que sempre contestou o status quo dominante.
Completando 31 anos de carreira, o grupo acaba de lançar seu primeiro álbum desde 2002. Gravado por Edu K (vocal), Castor Daudt (guitarra), Biba Meira (bateria) e Carlo Pianta (baixo), “Monstro” está sendo distribuído pela Deck Discos e é uma espécie de volta às origens.
Criatividade sem limites
O Defalla nunca impôs barreiras ao seu som. De baladas como “It’s fucking boring to death”, passando por covers tocados com uma roupagem pesadíssima como “Sossego” de Tim Maia, o grupo nunca se prendeu a fórmulas preestabelecidas.
Três décadas depois, essa inegável aura de criatividade que a banda carrega se mantém intacta. “Os anos 1950/60/70 inventaram os anos 1980 e daí pra frente os anos 1980 só foram reciclados. Eu acho que as bases foram lançadas ali no meio do século XX e depois a gente só reciclou e reinventou. O Defalla sempre fez isso. Nós somos um liquidificador sem tampa, porque aí volta tudo para todos os lados (risos)”, analisa o vocalista Edu K.
O recém-lançado “Monstro” segue essa linha de incorporar e reciclar as influências da banda. “Obviamente, nesse disco é a mesma coisa. Ele só tem algumas coisas novas que nunca tinham pintado no nosso som, como o Stoner e o Grunge. Mas ele tem aquele som característico dos dois primeiros discos que muitos fãs acham que é o som da banda, apesar de eu achar que nós temos muitos sons. Esse disco meio que revitaliza isso”, complementa.
A segunda vinda
A volta do Defalla começou a nascer em 2011, quando o grupo foi convidado pelo tradicional bar Beco, de Porto Alegre, para participar do projeto “Discografia do Rock Gaúcho”. No show, a banda tocou na íntegra o seu álbum de estreia, “Papaparty” (1987).
Naquele momento de reencontro, uma coisa ficou clara para toda a banda: a química que sempre marcou a carreira do Defalla ainda estava lá. “Eu sempre soube disso, mesmo sem tocar com eles durante todo esse tempo. É como andar de bicicleta. E é uma coisa rara, porque bandas existem aos montes, mas essa química é uma coisa rara. É como um relacionamento que às vezes é bom, mas não existe essa química. Nós sempre tivemos”, afirma.
Esse entrosamento se reflete tanto no palco, onde o grupo parece sempre fazer uma grande celebração de sua música, quanto nos álbuns do Defalla. “É um lance meio psicodélico de tocar sem se olhar, sem perguntar nada, de sair tocando e pronto. Nós temos esse ‘entrosamento astral’. Então, quando nos reunimos em maio de 2011 para tocar nosso primeiro disco na íntegra em Porto Alegre, dissemos: ‘putz, está tudo aí!’. Foi como se nada tivesse acontecido durante esses anos todos (risos)”, relembra Edu.
Dois anos depois, em 2013, o Defalla se apresentou no Jokers Pub, em Curitiba. Foi um dos primeiros shows nessa volta da banda e, naquela época, o que viria a se tornar o recém-lançado “Monstro” já começava a ser pensado. “O processo começou naquele show de 2011, quando nos reunimos novamente para tocar. Ali nós começamos a pensar em fazer um disco. Acabou demorando muito mais do que imaginávamos. Foram quase cinco anos”, diz Edu.
Ao mesmo tempo, tudo que seus integrantes fizeram nesses 14 anos de “separação” se reflete no momento atual da banda. “Claro que todo mundo hoje tem uma bagagem a mais. Eu, como produtor e um cara mais de música eletrônica e todo mundo como instrumentista. Só a vida ensina. O que acontece na nossa vida se reflete na música, obviamente”, complementa.
Diferente de muitas bandas de sua geração, o Defalla não se deitou sobre os louros do passado. O grupo não voltou para tocar somente suas músicas mais conhecidas, mas sim com um novo trabalho. “Eu sinto como se hoje nós fôssemos outra banda, não a mesma que tocou no Jokers em 2013. Não só pela saída do Flu e a entrada do Carlo, mas porque é outra filosofia, outro relacionamento. A música, os ensaios, tudo está mais intenso. Não é uma volta ou um revival, é um novo ciclo”, explica o guitarrista Castor Daudt.
A “monstruosidade”
Seguindo a sua linha de inovar e não se prender aos velhos padrões, o grupo gravou e mixou o novo álbum em apenas quatro semanas. “A maioria do disco foi criado em três dias de ensaio, tocando e gravando. Depois disso veio o estúdio. Isto é uma coisa que eu faço: usar o estúdio como um instrumento”, explica.
Esse foi o primeiro álbum do Defalla produzido totalmente por Edu K. Antes, o vocalista participou da produção de alguns CDs do grupo e também de trabalhos de várias bandas, entre elas a Comunidade Nin-Jitsu, o Detonautas Roque Clube, o Pavilhão 9 e o Cachorro Grande.
Essas experiências lhe renderam a bagagem necessária para encarar um novo desafio. “Esse foi o primeiro CD do Defalla que eu produzi sozinho mesmo, já com uma bagagem maior. Antes e durante esse processo eu participei da produção de um disco da Comunidade Nin-Jitsu e outro do Cachorro Grande. Tudo isso influenciou bastante a produção e o som”, revela.
Se o “Monstro” nasceu em apenas quatro semanas, durante esse período, o trabalho de refinamento do CD envolveu horas de edição. “Eu fiquei durante muito tempo com o Edu, trabalhando no CD. Apesar dele ter sido feito ‘instantaneamente’, nós pensamos muito. Houve muito empenho. Nós viramos noites trabalhando nele e eu acho que quem escuta nota isso. O que não foi pensado na gravação, foi feito depois na pós-produção. Tem uns exageros porque, afinal, é Defalla! Mas é preciso umas extravagâncias, uma barulheira, uma microfonia. É um caos controlado”, diz Castor.
Rave, Rock, Soul, Funk…
Em algumas canções do novo álbum, é nítida a presença de influências da chamada Madchester, a cena criada na cidade inglesa de Manchester nos anos 1980/90. Nessa época, bandas como Stone Roses, Happy Mondays e The Charlatans quebraram a barreira que existia entre o Rock e os ritmos mais dançantes. “Foi ali, em 1989/1990, que o Rock foi para a Rave e a Rave foi para o Rock e isso passou um pouco para o Defalla também. A Madchester era o Soul e o Funk misturados com a psicodelia”, analisa Edu.
Dessa forma, houve uma conexão entre Manchester e Porto Alegre. Isso porque parte da produção do “Monstro” foi feita ao mesmo tempo em que Edu estava trabalhando no CD “Costa do Marfim” (2014), da banda gaúcha Cachorro Grande. Esse disco também é bastante influenciado pela cena inglesa de quase três décadas atrás.
A mudança na formação
Durante o nascimento do “Monstro”, o baixista do Defalla, Flu, acabou decidindo sair do grupo. Seu substituto foi Carlo Pianta, que também carrega uma bagagem de serviços prestados ao Rock gaúcho.
Entre outros grupos, ele fez parte do Graforréia Xilarmônica. “O Flu gravou 80% do disco e, quando o Carlo entrou, ele gravou os outros 20%. Apesar de cada um ter um estilo distinto como instrumentista, nós fazemos parte de uma mesma família de músicos ali dos anos 1980. Tem muita similaridade em várias coisas. Ele não era um cara que não conhecia a banda, então, não mudou a nossa dinâmica”, explica Edu.
Carlo fez parte da primeira formação do Defalla que participou da lendária coletânea “Rock Grande do Sul” (1986). Foi esse disco que colocou a banda no cenário do Rock nacional da época.
Além do Defalla, a coletânea tinha quatro outras bandas gaúchas que se destacariam nos anos seguintes: Engenheiros do Hawaii, Replicantes, TNT e Garotos da Rua. “O Carlo traz outras coisas que também refletem um pouco esse início do grupo, mais até do que o Flu. Ele, eu e a Biba sempre tivemos uma doença Soul, Funk, Rock e Prog. Isso faz parte do som-base do Defalla. E agora, com a volta dele, isso vem muito mais à tona”, complementa.
O novo mundo fonográfico
De 2002 para cá, muita coisa mudou no famigerado mercado fonográfico. A Internet praticamente dizimou as gravadoras, que antes eram soberanas nesse processo. Hoje, é possível gravar um CD no seu computador e distribuí-lo para o mundo inteiro por meio de plataformas como o Spotify ou o YouTube.
Ao mesmo tempo, o mercado musical ainda é controverso. “Que mercado musical? (risos). Eu acho interessante é que, por mais que ele seja rápido por ser digital, na vida real ele é lento. As pessoas ainda dependem de jornais, de lançar a música em uma rádio ou em um site. As pessoas têm acesso às coisas, mas têm preguiça de ir atrás. Elas ainda dependem de um formador de opinião”, diz Edu.
Essa realidade realmente é estranha. Se as gerações mais antigas foram formadas com a necessidade de ir a um sebo garimpar discos para ouvir, hoje tudo está fácil e à mão. Apesar disso, essa facilidade não garante que as pessoas conheçam e absorvam o que foi e é feito no mundo musical. “Com toda informação que existe, você pode ir atrás do que você gosta ou quer. Mas as pessoas são preguiçosas, elas precisam ir por outro caminho”, complementa.
A realidade é uma só: a volta do Defalla é um alento ao combalido Rock tupiniquim. Em tempos onde cópias se espalham e são enfiadas garganta abaixo, nada melhor do que ter de volta uma banda que sempre fez da inventividade a sua linha-mestra.
Na última sexta-feira (2), a banda fez o primeiro show da turnê do novo álbum. A apresentação aconteceu no SESC Pompeia, em São Paulo. Na sequência, o grupo deve levar o disco a várias cidades do país, inclusive com uma passagem por Curitiba, que já está sendo negociada e pode acontecer ainda neste mês.
Ouça o CD “Monstro” na íntegra.
John Bull, meia-noite. Química pura. Biba, magnífica nas baquetas; Castor, preciso na sua Telecaster-funk-rock-1500 tiros-automática; Pianta pulsando a energia que faz o tapete sonoro para o fantástico e onipresente Edu K. O que mais poderia pedir para hoje?: – O CD, cadê a porra do CD? Tem, mas acabou! Venderam todos… Cacete, eu quero o meu CD!!! Somente o De Falla para fazer este crossover sacana e genial. 30 anos se passaram da primeira vez que ouvi e o som continua fresquinho. Ainda há vida inteligente por estas bandas…