Texto e fotos: Marcos Anubis

Zeca foi acompanhado pelo fiel escudeiro, o músico Tuco Marcondes



O pocket show do cantor e compositor Zeca Baleiro, que foi realizado na última terça-feira (31), na Livrarias Curitiba do Shopping Estação, lembrou aos mortais que ainda existe vida inteligente na música nacional.

Houve um tempo em que música e letra caminhavam juntos no Brasil. A MPB, principalmente, produziu canções magníficas usando essa roupagem. “Construção”, de Chico Buarque e “Topázio” do cantor e compositor Djavan são exemplos categóricos do quanto um bom texto é importante para valorizar, ainda mais, uma melodia.

A apresentação, organizada pela rádio Lumen FM dentro do projeto “Trajeto Lumen”, teve um formato bastante intimista. Zeca intercalava as canções com respostas ao público que fazia perguntas sobre a sua carreira.

O setlist foi baseado no mais recente trabalho do artista, “O Disco do Ano”, lançado no começo de 2012. Mesmo assim, o cantor presenteou os fãs com alguns sucessos antigos como “Disritmia”, regravação da música do sambista Martinho da Vila, e “Cantor de bolero”, composta em parceria com o cearense Fagner.

Zeca mistura vários estilos e ritmos dentro do seu caldeirão sonoro. Das guitarras pesadas de “Heavy Metal do Senhor”, passando pela levada folk de “Quase nada”, tudo é diluído dentro da sua arte. “Para mim, isso foi sempre uma coisa muito natural. Nunca foi de caso pensado”, dizze Eca em uma entrevista exclusiva ao Cwb Live, concedida após o show.

As apresentações em formato acústico revelam o artista de uma forma surpreendente. Uma canção mostra a sua qualidade quando se mantém forte mesmo ‘nua’, tocada somente com violão e voz.

As músicas de Zeca, de certa forma, são baseadas nesse formato, o que faz com que não percam o seu brilho sendo tocadas dessa forma mais limpa. O cantor estava acompanhado do talentoso guitarrista Tuco Marcondes, que cria toda uma teia de solos, baixos e dedilhados que fazem com que a atmosfera das canções se torne muito envolvente, mesmo nesse formato mais cru.

Simpatia e inteligência

Ao lado de alguns artistas como Arnaldo Antunes, Nando Reis e Lenine,Zeca é um dos compositores brasileiros que mais prezam o texto nas composições.

Na entrevista, o cantor falou sobre o momento da música brasileira, no qual a banalização das letras das canções se torna cada vez mais comum.

De acordo com ele, de certa forma, isso não é novidade. “Não me aborrece. O que me incomoda é a superexposição disso. É uma coisa que sempre existiu. Enquanto havia Noel Rosa, também existiam marchinhas carnavalescas de baixo calão”, brinca.

A maneira com que essa cultura massificada e descartável é imposta ao grande público, e aceita por ele, é o que incomoda. “O que me espanta é que isso se alastre tão fortemente. Isso vira uma coisa tão poderosa que contamina até pessoas ‘ditas’ inteligentes”, completa.

Essa espécie de “massacre midiático” que acontece com estilos ou artistas que estão sendo comercialmente viáveis, naquele momento, não é uma exclusividade do Brasil.

No mundo todo isso acontece. “A correnteza, hoje, é muito forte. Quando se instaura um gênero de sucesso, como agora o Sertanejo Universitário, fica uma coisa ‘monocultural’, um massacre. É isso que eu acho que é pernicioso dessa música de qualidade questionável, mas tem que ter música para todos os gostos, inclusive gosto ruim”, afirma Zeca.

Fora da grande mídia, se o ouvinte garimpar, existem artistas procurando fazer um trabalho original e com conteúdo, dentro do país. “Hoje tem muita gente trabalhando a favor do texto da canção. Essa conversa de que a canção vai acabar é papo-furado. Ela vai acabar quando a raça humana acabar. Enquanto houver gente respirando nós vamos querer cantar, dançar, compor”, afirma. Em sua terra natal essa renovação também já está acontecendo. “No Maranhão tem gente trabalhando com o Bumba-meu-Boi, Tambor de Crioulo e isso é muito auspicioso. Dá uma esperança de que coisas boas virão por aí”, conclui.

Esse futuro da música brasileira, segundo o músico, pode estar na mão das gerações mais novas que, mesmo com a imposição de certos gêneros musicais, buscam outras formas de expressão. “A gente vai fazendo o que pode para manter a canção. Viva ela está, mas fazer com que ela chegue ao jovem. É o que vai, talvez, fazer com que isso permaneça”, afirma.

Saber diferenciar o que tem conteúdo em relação ao que não tem, é uma arte que só se aprende com o interesse pela história da música e o conhecimento dos artistas e de suas influências. “Hoje, sendo pai, eu fico querendo que meus filhos ouçam de tudo, inclusive o que se julga como lixo cultural, porque é assim que você cria filtro. Se você ouvir só coisas elitistas, aristocráticas, você vai se tornar um aristocrata da cultura”, explica Zeca.

A crença em um amanhã promissor, representado pelos novos artistas que, mesmo no submundo da música nacional, estão surgindo, anima Zeca. “Hoje, há uma geração muito talentosa, posterior a minha. Gente que está redescobrindo gêneros quase extintos. Em Belém do Pará tem uma cena incrível. Pessoas trabalhando com a Guitarrada e com o Carimbó, que eram uma coisas de velho até outro dia e agora são uma coisa Pop, jovem”, conta.

Após o show, o cantor continuou seu bate-papo com o público e autografou CDs. A imagem que Zeca Baleiro deixou, nessa curta passagem por Curitiba, é a de um ser humano inteligente e humilde, antes de ser o músico talentoso que é.

Assim como está cada vez mais difícil encontrar música com conteúdo, a dificuldade é a mesma para artistas que amam o que fazem e respeitam o seu público. Zeca tem as duas qualidades.

Confira a entrevista em vídeo com Zeca Baleiro e três músicas do show, “Quase nada”, “Bandeira” e “Toca Raul”.

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