Texto: Marcos Anubis
Fotos: Divulgação
A banda carioca Gangrena Gasosa acaba de lançar o DVD “Desagradável” que conta toda a história dos criadores do “saravá metal”. O documentário, que vem acompanhado de um show gravado no Inferno Club, em São Paulo, foi produzido pela Blackvomit que já tinha feito o DVD “Guidable”, do Ratos de Porão.
O filme traz depoimentos de ex-integrantes da banda, do ex-vocalista do Dead Kennedys, Jello Biafra, dos membros do Ratos de Porão, Jão e João Gordo, do ex-guitarrista da Legião Urbana, Dado Villa-Lobos, além de várias outras pessoas importantes na história do grupo. “Muita gente que saiu ainda contribui com letras, músicas, conceitos e ideias. Isso é bom porque muita gente saiu por motivos de força maior, mas a máfia continua unida. É um bando de tosco fazendo o que gosta, mesmo sem estar mais na banda”, afirma o vocalista do Gangrena, Angelo Arede.
A ideia era dar voz ao maior número possível de músicos, amigos e colaboradores que fizeram parte, de alguma forma, da história do grupo. “Muita gente não entrou no documentário porque simplesmente sumiu no tempo. Quem sabe no próximo a gente não acha esses doidos que faltaram? Até quem foi babaca faz parte da história da banda, todos foram importantes!”, diz Angelo.
Os integrantes do Gangrena dizem, abertamente, que uma das metas do grupo quando foi criado, era de, um dia, poder abrir um show do Ratos de Porão, uma das grandes influências dos músicos. No show que acompanha o documentário, um dos momentos mais surreais é a participação do guitarrista do Ratos, Jão, que entra no palco vestido de pai de santo para cantar a música “Kurimba ruim”. O convite partiu do diretor Fernando Rick. “Tanto o Jão como o Gordo são muito gente boa, curtem o grupo e se divertem. Para nós é um orgulho termos a preza da maior banda de esporro do Brasil”, elogia Angelo.
A formação atual do Gangrena Gasosa tem Minoru Murakami (Exu Caveira) na Guitarra, Gê (Pomba Gira) na Percussão, Will Vilante (Exu Tranca Rua) no baixo, Angelo Arede (Zé Pelintra) no vocal, Heitor Peralles (Caboclo Sete Flechas) na percussão, Rocco (Omulu) no vocal e Renzo (Exu Mirim) na bateria.
Folclore, lendas e fatos
Entre os entrevistados que fazem o fio condutor do filme está o ex-vocalista Paulão, uma das figuras mais identificadas com o Gangrena Gasosa. No documentário, ele conta várias passagens marcantes da sua trajetória do grupo, de tocar pelado a quase morrer, em duas ocasiões, em situações, no mínimo, estranhas. Atualmente, Paulão faz parte da banda Seletores de Frequência, do vocalista BNegão. “Ele manda um groove black de primeira qualidade. É um dos casos de pessoas que tiveram que sair sem querer realmente”, revela Angelo.
Apesar de não fazer mais parte do grupo, Paulão ainda mantem contato com os membros da Gangrena e até participou de alguns shows recentes. “Ele foi o para-raios de uma época grindcore de atitudes e consequências pesadas da banda. Fez o que tinha que fazer. Mesmo assim, nunca deixou de fazer parte do nosso círculo e sempre foi um cara sensacional conosco. Cada um na sua. Hoje ele continua fazendo o que gosta, em uma vibe mais tranquila”, conta Angelo.
O último registro de um dos maiores incentivadores do rock carioca
Uma das figuras mais importantes na história da Gangrena, e de todo o rock carioca, é o falecido Fábio Garage, ex-dono da casa de shows Garage, que aparece em vários momentos do documentário. “Falo sem medo de errar que, se não fosse por ele, bandas como Planet Hemp, Los Hermanos, Matanza e muitos outros grupos cariocas não teriam como lançar suas propostas, não teriam um palco decente pra tocar no início de suas carreiras”, afirma Angelo.
A estrutura oferecida pelo Garage, com um bom som de palco, fato raro no underground brasileiro e essencial para uma banda conseguir mostrar o seu trabalho, também é ressaltada por Angelo. “Você pode ter a melhor proposta mais do planeta, mas mostrar isso em um amplificador ruim, uma bateria que ninguém vai entender nada e com microfones que emitem sons de liquidificadores acaba destruindo a sua ideia no berço”, diz.
O Garage tem, para o Rio de Janeiro, a mesma importância que o 92 Graus possui em Curitiba desde os anos 1990. Ambos deram oportunidade para os grupos autorais brasileiros iniciarem as suas carreiras e serem conhecidos pelo público. “Sem contar o mérito de abrir espaço mesmo para bandas que nem eram tão boas musicalmente. Hoje, com a internet, essa abertura pode parecer comum, mas nos anos 90 não era. Saudades daquele gordo ‘torneiro’ de som”, diz Angelo.
A produção do documentário
O convite para o diretor Fernando Rick comandar o projeto partiu do ex-vocalista do Gangrena, Chorão. A princípio, a ideia era fazer um show com projeções 3D em um espetáculo ao vivo. “Fizemos o projeto, mas ia sair ultra caro e ninguém nunca iria gastar tanta grana com uma banda maldita dessas”, brinca Fernando.
Talvez a maior dificuldade encontrada na produção do documentário tenha sido encontrar imagens que retratassem a história do Gangrena. “Mas o que tem que ser considerado é que a maioria das bandas alternativas da época não eram formadas por playboys. Os grupos mais extremos, tanto no som como na proposta, normalmente eram suburbanos”, conta Angelo.
Essa peculiaridade fez com que poucos shows da história do Gangrena fossem registrados e pudessem, hoje, serem usados no filme. “Mesmo que alguém tivesse uma filmadora ou câmera legal, não iria de ônibus com esses materiais para as quebradas sinistras onde os shows underground aconteciam por aqui, arriscando perder tudo na volta”, complementa o vocalista.
Outra dificuldade foi o deslocamento da equipe de produção para realizar as gravações. A Blackvomit é baseada em São Paulo e a grande maioria das pessoas que foram entrevistadas moravam no Rio de Janeiro. Como o documentário foi feito de forma independente, qualquer custo pesava no orçamento. “Além do fato de que a maioria desses caras são ultra malucos. Nós marcávamos as entrevistas e nego não aparecia, sumia e não avisava nada”, relembra Fernando.
Como em todo trabalho de reconstrução histórica, certos “fatos” ficaram de fora da versão final do documentário, por motivos óbvios. Muitos dos que conviveram, tocaram ou fizeram parte da trajetória do grupo e tinham, na época, uma vida digamos mais “desregrada”, hoje possuem uma realidade completamente diferente. “Eram coisas que poderiam ser interessantes ou até engraçadas para quem está de fora, mas que fogem do foco da construção da identidade da banda, coisas pessoais. É o ‘Proibidão’ da Gangrena. Quem sabe no DVD de 30 anos já não dê para jogar essas bizarrices no ventilador”, brinca Angelo.
O resultado final do documentário superou as expectativas. O trabalho da Blackvonit soube retratar com precisão a história folclórica do Gangrena Gasosa usando o know how de sua produção anterior, o excelente “Guidable”, que conta a história do Ratos de Porão. “Acertamos em cheio na parceria com a Blackvomit. É muito fácil cair no erro de fazer um documentário onde só se fala a parte boa e bem-sucedida da coisa… Disponibilizar um material assim atentaria contra a essência da banda”, analisa Angelo.
Na visão do grupo, o produtor Fernando Rick foi essencial para esse acerto na hora de definir o rumo do filme. “Para a nossa sorte ele é um louco que, se tocasse algum instrumento, seria um integrante em potencial da Gangrena, assim como toda a equipe da Blackvomit”, explica o vocalista.
Para a Blackvomit, ficou a sensação de mais um bom trabalho realizado no segmento de documentários musicais. “No geral tudo correu bem e foi legal ir descobrindo as histórias conforme as pessoas iam contando, porque eu não tinha nem ideia da maioria das coisas que foram ditas. Estamos muito contentes com o resultado. Espero que agrade aos malucos de plantão por aí, também”, afirma Fernando.
Segundo Angelo, “Desagradável” ilustra não só a trajetória da banda, mas toda a história da cena que os cercou. “É um documento que mostra como pessoas comuns podem expor suas loucuras e se identificar com todos os doidões que pensam igual, fazendo um esporro dos infernos, melecando tudo com farinha, cachaça e pipoca. Espero que todos se divirtam como nós acabamos nos divertindo fazendo o filme”, finaliza.
O DVD pode ser adquirido neste link. Assista ao trailer de Desagradável” e um trecho do show que acompanha o documentário.
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