Texto: Marcos Anubis
Fotos e revisão: Pri Oliveira

CAPA 2c

Fugir do lugar comum, em qualquer segmento da vida humana, é uma reação que poucas pessoas conseguem ter. Afinal, seguir o rebanho é sempre uma situação mais cômoda. No meio musical, principalmente no Heavy Metal, desvencilhar-se  de fórmulas preestabelecidas é uma situação ainda mais rara.

Levando em conta tudo isso, na chuvosa noite dessa sexta-feira (10), no Casinha, os duos Giant Gutter From Outer Space e Cassandra mostraram que Curitiba segue como uma das cidades mais criativas do Brasil, ao menos em sua cena underground.

Essa diferenciação acontece porque as duas bandas apresentam uma concepção musical completamente diferente do usual, pois são compostas apenas por baixo e bateria. Além diso, principalmente no caso do Giant Gutter, a música incorpora outras formas de arte.

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Mitologia e peso

O Cassandra abriu a noite. Daniel Silveira (baixo e voz) e Karina D’Alessandre (bateria) montaram a banda em 2014. A inspiração para criar um projeto com esse formato veio do duo Talbot, da Estônia. “Formamos o Cassandra  com o intuito de ser algo simples a ponto de funcionar para dois instrumentos desde o início. A ideia foi nos desafiar mesmo, tentar preencher a música da melhor maneira possível”, explica Daniel.

A banda iniciou o show com “Previsão 1 – O sermão da floresta”. As músicas do duo, aliás, são todas pré-nomeadas como “previsãões, fazendo referência à mitologia grega. “Cassandra é uma personagem da mitologia grega que fazia previsões terríveis. Ela era tida como louca e morreu como uma. As nossas músicas fazem menção às previsões dela”, explica Daniel.

O Cassandra classifica o seu som como Sludge Metal. Na prática, além do peso do Heavy Metal, as canções também mostram influências da Música Industrial e de bandas míticas do underground, entre elas, a alemã Einstürzende Neubauten.

As músicas praticamente não têm letras (somente algumas vocalizações em momentos esporádicos) o que faz com que as linhas melódicas “contem” a história de cada composição.

O resultado é ainda mais sombrio. “As harmonias falam por si e, em alguns pontos, as letras fazem apenas um apontamento ao tema. Preferimos deixar o clima instrumental contar as histórias para que o lado perceptivo do som cumpra esse papel”, diz Daniel.

A discografia da banda conta com dois trabalhos lançados: “Rock To Rua” (2014) e “Antumbra” (2015). Atualmente, Karina e Daniel estão trabalhando em seu segundo full lenght. O CD se chamará  “Animalia” e o lançamento deve acontecer em 2018.

Entre outros projetos, Daniel já fez parte do Meltmen, Correctivo e Visão V. Já Karina tocou nas bandas Em Cápsula, Aberration e Alcoholik Zombies, entre outras.

Fazer um som tão diferente, mesmo que estejam inseridos no difícil cenário da música curitibana, não parece ser problema para o Cassandra. “Estamos satisfeitos com a aceitação do som na cidade. Creio que o fato de ser diferente causou curiosidade nas pessoas, até mesmo por ser livre e de certa forma surpreender por isso”, analisa Daniel.

“Previsão 7 – A formação dos valos” encerrou a apresentação. Confira um vídeo do show e o nosso álbum de fotos da apresentação.

Cassandra - Casinha - 10/11/2017

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Brutalidade

Em seguida, foi a vez do Giant Gutter From Outer Space, que fechou a noite. Formado em 2014 por Hernan Borges de Oliveira (baixo) e Johnny R. Rosa (bateria), o grupo está chegando ao seu quinto trabalho em três anos de vida.

O novo álbum foi gravado nesse final de semana no estúdio curitibano Clínica Pró-Music com a produção de Murillo da Rós. “Charred Memories” é composto por cinco músicas e será lançado digitalmente em dezembro pela gravadora Sinewave Net Label.

O CD também contará com a participação especial do tecladista Fernando Nahtaivel. “Sempre tivemos vontade de ter elementos da música eletrônica barulhenta em nosso som. O Nahtaivel tem um trabalho brilhante há muitos anos. É um grande artista”, diz Hernan.

O mais interessante é que o processo de composição do duo também não é usual. Afinal, Johnny mora atualmente na cidade de Mannheim, na Alemanha, e veio a Curitiba especialmente para a gravação do novo álbum. “Nossa organização para compor e produzir música sempre foi muito objetiva. É uma característica pessoal do Johnny, ele sempre foi um cara extremamente organizado. Conversamos na metade deste ano, em uma das estadias dele no Brasil, sobre a possibilidade de fazer um disco full, porém, nosso tempo era muito curto. Então, nós planejamos que ele viria passar dez dias aqui e o processo aconteceria nesse período. Ensaiamos entre quatro e seis horas todos os dias. Tivemos uma dedicação total ao trabalho”, explica Hernan.

Até hoje, a discografia da banda ainda conta com os EPs “The Edge Within” (2016), “Set Adrift” (2016), “Stumm” (2016) e o full lenght “Black Bile” (2016). Hernan e Johnny vêm da escola do Death Metal, uma das vertentes mais tradicionais do underground curitibano. Entre outras bandas, eles já fizeram parte do Anmod e do Fornication. No show, a banda tocou seis canções, entre elas as cinco que farão parte de seu novo álbum. Como foram compostas nas últimas semanas, nenhuma delas ainda tem nome.

Além da música em si, a preocupação do duo com a parte visual dos seus trabalhos também chama muito a atenção. “Conceituamos a música com a literatura e com estética visual, fotografias, cinema e outras formas de expressão artística. A música faz parte de todo esse contexto”, explica Hernan. “A ideia de mesclar fotografia na arte de nossos discos, bem como o cinema em alguns dos vídeos que lançamos, está diretamente relacionada com nossos gostos pessoais e o modo pelo qual queremos conceituar nosso trabalho. E isso vem se concretizando por meio das nossas parcerias com fotógrafos, artistas gráficos, desenhistas, enfim, com amigos que se envolveram com a nossa proposta. O Giant Gutter, de certa forma, é resultado desta sinergia, deste esforço coletivo e solidário, de parcerias que fizemos ao longo desses ainda poucos, mas intensos, anos de trabalho”, complementa Johnny.

Unir essas vertentes culturais que transcendem a própria música é, nitidamente, uma forte característica do Giant Gutter. “A literatura (em diversas vertentes, como a historiográfica, a psicanalítica e a filosófica) também tem sido uma ferramenta auxiliar fundamental neste processo. Para o ‘Charred Memories’, por exemplo, a poesia do holandês Hugo Claus, textos do historiador americano Dominick LaCapra, do filósofo e compositor alemão Theodor Adorno e a literatura mais geral sobre testemunhos de vítimas da violência foram fundamentais na orientação estética do álbum”, finaliza o baterista.

“Ruinen” encerrou a apresentação. Confira um vídeo do show e o nosso álbum de fotos.

Giant Gutter from Outer space - Casinha - 10/11/2017