A apresentação foi uma celebração com várias referências a história da música inglesa das últimas três décadas
Para falar do Gorillaz, é preciso abordar a trajetória do Blur, uma das bandas mais representativas do Rock inglês dos anos 1990. Afinal, o músico, cantor e compositor Damon Albarn é um nome essencial do movimento indie daquele período, e o álbum de estreia do grupo, “Leisure” (1991), está na lista de referências do rico cenário da Inglaterra dos 90’s.
No disco, os riffs de guitarra suingados, a batida hipnótica da bateria e o vocal melódico de Albarn fizeram história. Hoje, “Leisure” está ao lado de outros álbuns que se tornaram pilares da cena independente britânica, como “Nowhere” (1990), do Ride; “The Stone Roses” (1989), do The Stone Roses; ”Some Friendly” (1990), do The Charlatans, e “Definitely Maybe” (1994), do Oasis.
Esses artistas influenciaram bandas em todo o mundo, inclusive em Curitiba, que foi um dos celeiros das Guitar Bands brasileiras nesse período. Afinal, na capital paranaense, várias bandas do estilo se destacaram, entre elas, o Magog, o Tods e o C.M.U. Down.
O álbum seguinte do Blur, “Parklife” (1994), já começou a mostrar algumas mudanças nesse som mais cru, pois a banda foi caminhando cada vez mais para o Pop Rock. De certa maneira, com essa guinada, o grupo perdeu um pouco daquela “inocência indie” que caracterizava o trabalho deles no início. Mesmo assim, o Blur continuou a ser uma das bandas mais importantes daquela geração de ouro na Inglaterra.
Por todos esses fatores históricos, o show do Gorillaz nessa quarta-feira (18) na Pedreira Paulo Leminski, em Curitiba, foi uma espécie de revival para os aproximadamente 10 mil fãs que enfrentaram o clima polar da capital paranaense para assistir a apresentação.
Uma experiência musical completa
Perto das 21h, as luzes do palco se apagaram e o telão começou a exibir uma animação em uma grande tela de TV que terminou com a frase “The static channel”. Depois, surgiu uma mensagem que mostrava a palavra “olá”, enquanto a banda entrava e pegava os instrumentos.
2-D (Damon Albarn, vocal, guitarra e piano), Noodle (Jeff Wootton, guitarra), Murdoc Niccals (Seye Adelekan, baixo) e Russel (Remi Kabaka Jr., bateria e percussão), acompanhados por dois músicos nos teclados e sintetizadores, quatro backing vocals e mais um baterista/percussionista, abriram o show com a pesada “M1 A1”.
Na sequência, o grupo tocou “Strange timez”, faixa do álbum “Song Machine, Season One: Strange Timez” (2020). A gravação original da canção tem a participação do vocalista e guitarrista do The Cure, Robert Smith, que também aparece no clipe que foi exibido no telão.
Nesse momento, quando os integrantes virtuais também apareceram, o público veio abaixo. Essa reação é interessante porque mostra o quanto a banda estava à frente de seu tempo quando foi criada. Afinal, eles estavam falando de um mundo virtual, com personagens vivendo paralelamente a realidade, duas décadas antes disso não causa mais tanto espanto.
Na Pedreira, aliás, havia inúmeras crianças e adolescentes que já nasceram dentro desse bravo mundo novo repleto de tecnologias cada vez mais surpreendentes. É justamente essa conexão que faz com que esses jovens se mostrem realmente ainda mais fanáticos do que os fãs mais antigos, o que evidencia claramente a popularidade do Gorillaz entre esse público específico.
Dois shows em um
Diferentemente da maioria das bandas, o Gorillaz faz com que o telão no palco seja realmente parte do show. Isso acontece porque, em todas as músicas, são exibidos os clipes e imagens criados por um dos fundadores da banda, o cartunista Jamie Hewlett, que são verdadeiras obras-primas e ilustram muito bem as canções.
Esses vídeos são histórias construídas com enredos criativos que, na prática, fazem com que o público possa acompanhar dois shows: um dos músicos no palco e outro da “banda virtual” no telão, o que proporciona uma experiência bem interessante.
Essa abordagem multimídia, inclusive, está prestes a ganhar mais um produto, pois a banda está trabalhando em um longa-metragem em parceria com a plataforma de streaming Netflix.
O famoso “caldeirão sonoro”
Albarn formou o Gorillaz em 1998, ao lado do cartunista Jamie Hewlett, cocriador da HQ “Tank Girl”, e fez com que a banda não se prendesse a nenhum estilo musical específico. Assim, a sonoridade do grupo transparece uma mistura de referências sonoras que passam por vários gêneros musicais. Entre eles, estão o Dub, Britpop, Ska, Trip Hop e o Shoegaze.
Essa diversidade pode ser percebida claramente durante o show, pois o setlist foi composto de músicas bem diferentes entre si. “Aries”, por exemplo, é uma parceria com o ex-baixista do Joy Division e do New Order, Peter Hook, e tem uma pegada totalmente voltada para o Pós-punk do início dos anos 1980. Atualmente, o lendário músico de Manchester faz parte do Peter Hook & The Light.
Outras, como “Rhinestone eyes” (que tem uma linha de sample muito parecida com a música “Sign o’ the times”, lançada em 1999 pelo cantor, músico e compositor estadunidense Prince), e “Saturnz barz” demostram uma forte ligação com a Música Eletrônica. Já a dançante “Andromeda” flerta claramente com a Disco Music do final dos anos 1970. Esse passeio por estilos diferentes agrada em cheio os fãs do grupo.
Personalidades diferentes até no palco
No palco, a personalidade de cada um dos integrantes do Gorillaz mostra que as influências diferentes vão além da parte musical.
O baixista nigeriano Seye Adelekan, por exemplo, chama muito a atenção pela postura mais Rock’n’roll de tocar. Já as batidas dançantes do grupo ficam a cargo de Remi Kabaka Jr., que é filho do também baterista Remi Kabaka.
Entre outros trabalhos, o pai do responsável pelo ritmo do Gorillaz gravou simplesmente os álbuns “Band Of The Run” (1973), dos Wings, banda criada por Paul McCartney, e “Rhythm Of The Saints”, lançado em 1990 por Paul Simon e que se tornou um dos discos que estabeleceu as bases da World Music. Ou seja, na família Kabaka, a música está no sangue.
Inclusive, a lista de figuras marcantes no mundo da música que participaram de alguma forma dos 24 anos de trajetória do Gorillaz é bem grande e conta com alguns grandes ícones do Rock’n’roll. Entre eles, estão o ex-baixista do The Clash, Paul Simonon, e o ex-guitarrista e vocalista do The Clash e do Big Audio Dynamite, Mick Jones.
Virtual orgânico
Nos shows do Gorillaz, as bases pré-gravadas e samples não são o foco principal, pois esses recursos tecnológicos são complementados por baixo, guitarra e bateria. Isso dá uma aura orgânica ao som da banda e faz toda a diferença ao vivo.
Em “O green world”, por exemplo, Albarn assumiu o piano para tocar uma balada belíssima que os mais desavisados nunca esperariam escutar em um show do Gorillaz.
Depois, em “Superfast jellyfish” e no clássico “Fell good inc.”, o vocalista do lendário grupo estadunidense De La Soul, Posnduos, assumiu os vocais. A participação do cantor mostra outra conexão com a história da cena independente, pois o grupo foi um dos precursores do crossover de RAP, Soul, Jazz e Hip Hop que dominou a música mundial nos anos 1990.
Em “Dirty Harry”, foi a vez do animadaço rapper estadunidense Bootie Brown, integrante do The Pharcyde, assumir os vocais. Ao mesmo tempo, outra animação criativa mostrava vários rostos de crianças, com a banda no meio, cantando como se fossem um coral.
Após “Plastic beach”, a banda deixou momentaneamente o palco. Na volta para o bis, o grupo tocou a sensacional “The pink phantom”, que tem a participação de Elton John na gravação original. Durante a música, o ícone do Pop aparece no telão tocando um piano cor-de-rosa.
Porém, Elton teve o rosto “transformado” de maneira brilhante por Hewlett, que utilizou as características dos avatares da banda e fez com que ele se tornasse um integrante do Gorillaz.
Na sequência, Bootie Brown voltou ao palco para cantar “Stylo”. Depois, um integrante do staff da banda recebeu uma bandeira do Brasil repleta de mensagens de carinho, entregue por um fã que estava perto do palco, e levou até Damon. “Obrigado, foi realmente maravilhoso! Brasil, nós amamos vocês!”, disse o vocalista, sob os aplausos da público.
Depois de guardar a bandeira, para encerrar o show, Albarn pegou a escaleta e tocou os acordes iniciais do clássico “Clint Eastwood”, faixa do álbum homônimo de estreia da banda, lançado em 2001. Essa foi a canção que apresentou o Gorillaz ao mundo e fez com que eles se tornassem um sucesso imediato.
No clipe, que também foi exibido no telão, Hawlett teve uma sacada genial ao colocar uma gangue de simpáticos “gorilas possuídos” para dançar a coreografia do clássico “Thriller”, de Michael Jackson.
A música foi cantada por todo o público que estava na Pedreira, afinal, ela tem um daqueles refrões que grudam na cabeça do ouvinte. “I ain’t happy, I’m feeling glad. I got sunshine in a bag. I’m useless but not for long. The future is coming on”…
No final da música, o DJ Sweetie Irie praticamente invadiu o palco para dividir os vocais com Damon. Nesse momento, o andamento da canção foi acelerado e Albarn teve que se virar para acompanhar a velocidade da letra, ao mesmo tempo que Irie fazia vocalizações Ragga e chamava o público para participar.
Depois, Damon agradeceu o público e o grupo se retirou rapidamente do palco, ao melhor estilo inglês. Essa foi a primeira vez que o Gorillaz se apresentou em Curitiba e, ao que parece, o grupo ficou surpreso com o reconhecimento e o carinho demonstrado pelo público. Para os fãs, isso abre a possibilidade de um retorno da banda à capital paranaense nos próximos anos.
Confira os vídeos das músicas “Clint Eastwood” e “Feel good inc.”, gravadas ao vivo no show do Gorillaz na Pedreira Paulo Leminski, e veja o nosso álbum de fotos da apresentação.
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