Texto: Marcos Anubis
Fotos e revisão: Pri Oliveira
No cenário musical, a esmagadora maioria das bandas procura fazer tudo de forma impecável ao vivo. Dessa forma, entre outros cuidados, cada solo é encaixado no lugar certo e o vocal é trabalhado para que esteja sempre no tom da música (mesmo que, para isso, seja preciso usar afinadores de voz eletrônicos). Dentro desse cenário, muitas vezes a espontaneidade do artista acaba sendo domada e, em bom português, uma boa dose de “loucura” sempre é muito bem-vinda e necessária.
Nessa quarta-feira (5), a banda norte-americana L7 se apresentou no Hermes Bar, em Curitiba, e mostrou que, 30 anos depois, ainda leva a simplicidade ao extremo. A abertura ficou a cargo dos grupos curitibanos ruído/mm e The Shorts.
Ruído/mm
O som instrumental do ruído/mm impressiona pelo clima que a banda consegue criar em cada uma das composições. Formado em 2003, o grupo é um dos mais criativos e diferentes da cena musical curitibana.
Ricardo Pill e Felipe Ayres (guitarras), Rafael Panke (baixo), Alexandre Liblik (teclado e sintetizador) e Giovani Farina (bateria) abriram o show com “Niilismo”, “Volca” e “Antílope”. O repertório do show no Hermes Bar foi composto em boa parte por canções do novo álbum do grupo, “A é Côncavo, B é Convexo”, que acaba de ser lançado.
A estética musical que o ruído/mm adota é repleta de referências, mas, essencialmente, as composições unem o wall of sound das bandas guitar, como o Ride, com a atmosfera etérea de grupos como o Loop. O resultado final é criativo e muito original, o que faz com que os curitibanos sejam uma referência no estilo no Brasil. No CD “A é Côncavo, B é Convexo”, o grupo ainda contou com a produção de Rodrigo Stradiotto, ex-Woyzeck, um dos músicos/produtores mais talentosos de Curitiba.
Transmutação
É muito interessante ver a forma com que os integrantes do ruído/mm constroem o show porque, para eles, o estúdio é uma grande fonte de transformação e inspiração. Afinal, é ali que as canções são criadas com várias camadas de instrumentos que se sobrepõem. Obviamente, trazer ao palco tudo que foi gravado no CD é um grande desafio. Porém, o grupo sabe superar essas barreiras muito bem, porque o clima envolvente das músicas não se perde ao vivo.
“Jacó”, “Cromaqui” e “Petit pavê” encerraram a apresentação. Confira a música “Sanfona”, gravada ao vivo no show no Hermes Bar, e veja também o álbum de fotos da apresentação.
The Shorts
O The Shorts é uma das grandes revelações da música curitibana nos últimos anos. Mesclando influências do rock inglês e norte-americano, como o Sonic Youth, o Ride, o Mazzy Star e o My Bloody Valentine, a banda já conseguiu construir um repertório muito criativo em apenas quatro anos de estrada.
Porém, após um início avassalador com o EP “Serendipity” (2015) e o álbum “Dawn” (2016), a banda acabou diminuindo o ritmo. “Eu resolvi me afastar porque passei por um período complicado nos últimos anos, então foi difícil conciliar as coisas. Agora, eu acho que tudo seguiu por um caminho mais leve e melhor do que nós estávamos trilhando antes”, diz a vocalista Natasha Durski.
Agora, o grupo está voltando a compor de uma forma mais consistente, já planejando o lançamento de um novo álbum. “A ideia é retomar o trabalho com coisas novas. Nós ficamos um bom tempo só tocando o repertório do nosso último disco e tivemos muitas transformações na banda. Várias coisas aconteceram. Nós trocamos de guitarrista e muitos fatos fizeram com que esse processo fosse mais longo do que a gente gostaria, mas a intenção é lançar algo novo em 2019”, explica a cantora.
Noise
Natasha Durski (vocal), Taís D’Albuquerque e Matheus Reinert (guitarras), Andreza Michel (baixo) e Babi Age (bateria) abriram o show com uma introdução que fará parte do novo trabalho da banda, “Trip trick”, “Vivid vision” e a sensacional “Devil’s song”. O setlist do show ainda teve,“Happy lies”, “Tempestade” e “Easy way out”, entre outras músicas.
O som do The Shorts funciona muito bem ao vivo. O grupo une a contundência do wall of sound a melodias bem construídas com as guitarras e o baixo. Além disso, é impressionante o peso que Babi consegue acrescentar nas composições. Nesse show em especial, a baterista parecia estar ainda mais empolgada por tocar ao lado da L7, que é assumidamente uma grande influência para o The Shorts.
Outro destaque ao vivo é o vocal de Natasha. A cantora é tranquilamente uma das vozes com mais personalidade no cenário musical brasileiro, pois consegue cantar de maneira delicada, mas, ao mesmo tempo, raivosa. No palco, Natasha também usa os efeitos de voz em cada música de formas diferentes, acrescentando ecos e ambiências que tornam o show do grupo ainda mais envolvente.
“Change of skin” encerrou a apresentação. É muito bom ver o The Shorts de volta aos palcos e perceber que o potencial que a banda sempre demonstrou ainda permanece intacto. Confira a música “Devil’s song”, gravada ao vivo no show no Hermes Bar, e veja também o álbum de fotos da apresentação.
L7
Donita Sparks e Suzi Gardner (vocais e guitarras), Jennifer Finch (baixo e vocal) e Demetra Plakas (bateria) continuam com a postura escrachada, junkie e punk que sempre demonstraram.
A banda abriu o show com “Deathwish” e “Andres”. Na sequência, o quarteto emendou dois clássicos: “Everglade” e “Monster”. O setlist da apresentação reuniu músicas que retratam bem a carreira da L7, como “Crackpot baby”, “I came back to bitch”, “Shove” e “Freak magnet”.
A L7 foi formada em 1985 na cidade de Los Angeles, nos Estados Unidos. Três anos depois, o grupo lançou o álbum de estreia, autointitulado, mas foi com terceiro trabalho de estúdio, “Bricks Are Heavy” (1992), que a banda conseguiu projeção internacional. A grande responsável foi a música “Pretend we’re dead”, que estourou nas rádios do mundo todo.
Girl power
Apesar de ser rotulada até hoje como uma “banda grunge”, a fórmula musical da L7 está bem próxima do Punk Rock, pois é direta e usa poucos acordes repletos de distorção. Junte a esses ingredientes um bom toque de atitude e o resultado será uma das bandas mais emblemáticas dos anos 1990, justamente por causa da personalidade que o quarteto sempre demonstrou.
A banda estava muito à vontade e parecia feliz pela recepção que vem recebendo no Brasil. Donita e Jennifer, principalmente, agradeceram o carinho dos fãs em várias ocasiões. Na miniturnê no Brasil, além de Curitiba, a L7 também se apresentou nas cidades de Porto Alegre, Belo Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro.
Depois de “Shitlist”, o grupo se retirou rapidamente do palco e voltou para encerrar o show com “American society”, cover do Eddie & The Subtitles, “Pretend we’re dead” e “Fast and frightening”, que foi dedicada por Donita a “todas as irmãs” que estavam no Hermes Bar.
Nos últimos anos, muitos produtores que traziam shows para Curitiba desistiram de encarar esse desafio. Afinal, a cidade é um cenário complicado porque nem sempre o público responde da maneira esperada e assim, muitas bandas e artistas que fazem miniturnês no Brasil acabam não passando pela capital paranaense.
Dessa forma, é preciso valorizar a atitude de produtoras como a Zeropila, responsável pela vinda da L7 a Curitiba, ainda mais pela atitude de abrir espaço para que bandas locais abram essas apresentações. São essas pessoas que ajudam a construir uma cena local consistente, pois ainda acreditam na cultura como agente transformador da sociedade.
Confira a música “Pretend we’re dead”, gravada ao vivo no show no Hermes Bar, e veja também o álbum de fotos da apresentação.
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