A primeira edição do Projeto Meeting & Songs reuniu dois grandes nomes da MPB no palco do Teatro Positivo
Na sexta-feira (22), o Teatro Positivo recebeu a primeira edição do Meeting & Songs. Criado pela produtora Prime, o projeto tem a intenção de reunir dois artistas em um só show. Cada um deles toca o seu repertório e, caso desejem, podem fazer alguns números juntos. A estreia do Meeting & Songs ficou a cargo de Lenine e Maria Gadú.
Maria Gadú
O primeiro show da noite foi da cantora, compositora e instrumentista Maria Gadú. Ela iniciou a apresentação com “Suspiro”, faixa que também abre seu mais recente álbum, “Guelã”, lançado no início deste ano. No show, Gadú estava acompanhada de uma banda de peso: Federico Puppi (violoncelo), Lancaster Pinto (baixo), Doga (percussão) e Tomaz Lenz (bateria).
Juntos, eles criaram uma sonoridade muito interessante. Em alguns momentos, o trio imprime peso às canções e em outras passagens faz apenas uma “cama” para o canto de Maria Gadú. O resultado soa de uma forma bem original. Outro detalhe da apresentação é que, durante todo o show, o palco ficou quase em uma penumbra total. A iluminação utilizada foi, basicamente, em tons de roxo e azul.
Um outro olhar
O novo trabalho de Maria Gadú, “Guelã”, traz uma sonoridade mais rock ‘n’ roll ao seu repertório. A guitarra, tocada pela própria Gadú, ocupa um lugar de maior destaque. Usando efeitos de ambiência, como o delay, e uso de harmônicos, ela criou uma atmosfera bem interessante para suas canções, entre elas “Suspiro” e “Bela flor”. Em outras músicas, como “Obloco” e “Paracuti”, sua banda se destacava.
“Guelã” foi gravado e mixado por Rodrigo Vidal no estúdio Toca do Bandido, no Rio de Janeiro. A produção foi da própria Gadú, o que, certamente, conferiu um maior controle no formato final de suas músicas. A palavra “Guelã” significa “gaivota” em um dialeto crioulo.
Durante a apresentação em Curitiba, Gadú mostrou dois lados bem diferentes. O primeiro é a sua comunicação com o público, que é feita, ou foi nessa ocasião, de forma introspectiva, com poucas palavras. Já o envolvimento com a sua música e sua banda é total. Ela mostra claramente que vive cada nota e cada frase de suas canções.
“Semi-voz” encerrou a apresentação. Depois de se despedir, enquanto o palco era configurado para a próxima apresentação, Maria Gadú e Lenine fizeram uma jam session juntos. Os dois tocaram “A jangada voltou só” e “É doce morrer no mar”, de Dorival Caymmi, intercaladas por “Joga a chave” e “Iracema”, de Adoniran Barbosa. Apenas com voz e violão, foi interessante notar a cumplicidade e a emoção com que os dois apresentaram as quatro canções.
Lenine, música em sua essência
Lenine começou o show com “Castanho”, faixa que abre seu mais recente álbum, “Carbono”, lançado no ano passado. Apesar de ainda ter pouco tempo de vida, essa canção já pode, sem dúvida, entrar no hall de suas obras-primas. “O que eu sou, eu sou em par. Não cheguei sozinho”, diz uma das estrofes de “Castanho”.
A interpretação de uma letra cabe ao ouvinte, mais até do que ao seu criador. Mas, vendo a forma com que ela é executada ao vivo, o texto parece abordar a irmandade que existe entre Lenine e sua banda. E isso se justifica, na realidade, porque Bruno Giorgi, filho de Lenine (bandolim, guitarra, efeitos e vocais), JR Tostoi (guitarra e vocais), Guila (baixo, synth e vocais) e Pantico Rocha (bateria e vocais) o acompanham há mais de duas décadas.
Na sequência do show, o setlist teve “O impossível vem pra ficar” e “Na pressão”, faixa que batiza o quarto álbum de Lenine, lançado em 1999. Na metade da apresentação, após “Simples assim”, a banda saiu do palco, deixando Lenine “a sós” com o público. De forma educada, ele explicou que o repertório da turnê era baseado no álbum “Carbono” e que, dessa forma, a maioria dos sucessos ficariam de fora.
Após o interlúdio, Lenine pediu que os fãs escolhessem duas canções para serem tocadas naquele momento, somente com voz e violão. As eleitas foram “Paciência” e “Hoje eu quero sair só”. Parecendo fechar um ciclo, Lenine encerrou o show tocando novamente “Castanho”, que abriu a noite.
Artista, no mais puro significado da palavra
Lenine é uma das figuras mais atenciosas e cordiais da música brasileira. Antes do show ele bateu um papo com o Cwb Live e se mostrou articulado, inteligente e sempre dono de um olhar diferenciado sobre as questões que aborda. Ouvir os álbuns de Lenine, como o recente “Carbono” e o anterior, “Chão” (2011), é mergulhar em um universo muito bem construído. Neles, você percebe claramente o esmero e o trabalho que o artista tem no estúdio. Ali, ideias surgem e são acrescentadas ao formato cru das canções, muitas vezes transformando-as completamente.
O que o público normalmente não sabe é que estúdio e palco são duas realidades completamente antagônicas. “São dois processos bem díspares, até. A mecânica, o objetivo e o ambiente são diferentes. Portanto, todo o ritual é diferente. Um é na hora que você entra no estúdio para fazer um trabalho ou projeto, seja ele um álbum, DVD, enfim, uma gravação de um áudio. Isso se dá em um ambiente hospitalar, quase asséptico”, explica Lenine.
Este é o grande desafio do artista que está registrando a sua obra em um estúdio: conseguir transportar para a gravação a emoção daquelas notas ou daquela letra. “É um estúdio, um lugar tratado acusticamente. E, naquele espaço ali, junto com algumas pessoas, você tenta transformar aquilo em algum tipo de emoção. E aí, impregnar uma fita magnética com esse tipo de emoção. É uma loucura! A equação é completamente diferente do que acontece no show”, diz.
Já no palco, a realidade é mais direta, digamos assim. Principalmente para um artista que tem a empatia e o respeito que Lenine demonstra por seu público. “Ali é um momento em que a gente pode tocar a alma do outro de uma forma direta, sem ‘arrodeio’. Porque quando alguém ouve o meu trabalho, o meu disco, seja na rádio ou em casa, eu não estou lá vendo como isso passa para a pessoa. Isso só acontece aqui, na hora em que eu estou no palco”, analisa.
Realmente, Lenine parece se sentir em casa quando está no palco. No show em Curitiba, ele mostrou uma característica que marca os grandes artistas: não ter medo de mostrar suas novas composições, tocando-as como se fossem aquelas que se tornaram seus grandes sucessos. “O palco tem a ver com o agora, acontecendo neste exato momento! Isso é a minha igreja, é um outro ritual, outro processo. Até porque o núcleo que me ajuda aqui dessa maneira no palco, é o mesmo há muitos anos”, conta.
São essas pequenas facetas que separam o trabalho de estúdio da realidade do palco. “Quando eu faço um disco, eu quero trabalhar com quem nunca trabalhei. Eu quero usar o pretexto de gravar um disco como um instrumento de aproximação e de encontro. Eu quero trabalhar com quem eu nunca trabalhei, mas que eu admiro de alguma maneira”, diz.
Veja, abaixo, o nosso álbum de fotos das duas apresentações.
O alquimista
Durante a apresentação no Teatro Positivo, também ficou claro o respeito que Lenine demonstra ter por sua banda. “No show é a minha turma! Nós estamos há mais de 20 anos tocando juntos. Eles me ajudaram a formatar uma assinatura que as pessoas identificam como minha. E, no entanto, essa assinatura é coletiva. São dois processos completamente diferentes e eu uso filtros completamente diferentes para os objetivos diferentes que são o palco e o estúdio”, explica.
Porém, uma figura esteve presente em praticamente toda a carreira de Lenine, tanto no palco quanto no estúdio. O músico e produtor JR Tostoi é um dos grandes parceiros de Lenine na concepção de tudo o que se refere ao seu trabalho autoral. “Não por acaso ele é produtor dos meus discos, junto comigo, há muitos anos. Agora nós estamos dividindo isso. Somos eu, o JR e o Bruno que, apesar de ser o cara mais recente na gig, foi feito por mim, então já nasceu dentro disso (risos)”, conta.
Por tudo isso, Tostoi é um dos grandes alquimistas que permitem o mergulho de Lenine nas fontes de sua criatividade. “Quando eu fiz o ‘Na Pressão’ com o Tom Capone, uma das canções, ‘Relampiando’, foi pré-produzida e depois produzida pelo Vulgue, mas já era o JR. E, ali naquele momento, tocava um outro guitarrista. Era o Pedro Sá, naquela época, e ele ia fazer uma outra turnê. Então eu disse: ‘JR, vamos aí!’. Ele está junto comigo nesse processo todo de formatar esses ambientes sonoros de cada um dos meus discos”, finaliza Lenine.
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