Texto e fotos - Marcos Anubis
No crepúsculo deste domingo (1) no Museu Oscar Niemeyer (MON), Curitiba pode ter presenciado o fim de um dos seus mais importantes e criativos grupos. “De posse novamente dessas figuras, os alter egos que fazem o Beijo AA Força, pela última vez”. Ao subir no palco diante de um Auditório Poty Lazzarotto lotado, a frase emblemática do vocalista e guitarrista Rodrigão resumiu um fim de tarde ao mesmo tempo alegre, pela oportunidade que o público teve de ver a banda ao vivo, e melancólico pela possibilidade de nunca mais vir a ter essa chance.
O evento fez parte do lançamento do livro “Piada Louca”, escrito pelo poeta Sergio Viralobos, parceiro do quarteto em várias canções. “Dono Da Farra” abriu a apresentação. O setlist do show teve 23 músicas, sendo 20 autorais e três covers. Fazendo jus aos seus mais de 30 anos de estrada, Mola Jones (bateria), Renato Quege (baixo), Luiz Ferreira (guitarra e vocal) e Rodrigão (guitarra e vocal), tocaram com a segurança e simpatia de sempre. Antes do show, no camarim, Mola comentava que muitos amigos dessas três décadas de caminhada estavam na plateia. “Alguns já com seus filhos”, complementou Rodrigão, bem humorado.
A sequência do show trouxe músicas que marcaram a trajetória do quarteto, como “Má Fase”, “Malandrão” e “IKM (Indivíduos Da Kanhota Militante)”, com sua letra incisiva. “Duvide do revolucionário. Pelo fim das modas. Massacre-se quem quiser. Proteja-se quem puder”, diz o texto.
Admiração e respeito
A plateia presente no auditório parecia entender que o momento era especial. Hoje, a comercialização da música atingiu níveis absurdos, muito por culpa dos próprios fãs. A indústria quer e consegue vender artistas descartáveis, que surgem e somem com a mesma velocidade. Bandas que constroem uma carreira consistente, com qualidade, são cada vez mais raras.
O público do BAAF tem um perfil diferente. Ele foi forjado em uma era onde a informação sobre bandas e artistas era difícil de ser encontrada, o que obrigava essas pessoas a irem atrás de revistas, fanzines e sebos. Um veículo muito importante para essa geração foi a rádio FM Estação Primeira, que de 1986 a 1995 levou ao ar no prefixo 90.1, hoje da rádio CBN, um novo conceito de relação emissora/ouvinte. Nele, bandas como The Smiths, Sonic Youth e The Clash tinham a mesma importância que grupos brasileiros como Picassos Falsos, Hojerizah, Violeta de Outono e o Beijo AA Força.
Essa necessidade de garimpar informações fez com que essas pessoas desenvolvessem um senso crítico apurado, adquirindo discernimento para elogiar ou criticar a qualidade do que ouvem.
Som e poesia
Sergio Viralobos se juntou ao quarteto nas últimas três canções antes do bis. “Agora vocês vão ouvir o nosso maior clássico de todos os tempos, cantado pela última vez ao vivo”, disse ao apresentar “Homem De Ferro”, última música do setlist autoral do show e uma das pérolas atemporais do BAAF. “Morte lenta a quem enferruja. Abelhas dentro da armadura. Merece chumbo a cultura. Um homem se conhece pelo tamanho da ferradura”, diz a letra. Na volta para o bis o quarteto tocou “Turning Japanese” do Vapors, “Guns Of Brixton” do The Clash e “Brand New Cadillac”, versão da banda inglesa para a composição de Vince Taylor.
E assim, com mais uma banda importante se retirando, o cenário musical curitibano e brasileiro vai ficando cada vez mais “politicamente correto”. Os contestadores vão saindo de cena e a mesmice se instala. Grupos como o Beijo AA Força não são encontrados com facilidade. E isso não se deve somente à sua qualidade como músicos e como compositores. As fontes de onde saíram os elementos que construíram a identidade musical da banda, muito em função do conhecimento musical que cada integrante carrega, desaguam em um som original. Se em muitos segmentos da sociedade paranaense ainda existe uma luta para mostrar uma imagem, uma identidade, o Beijo AA Força é e continuará sendo a cara do rock curitibano. “Estúpida máquina falsária. Pode ser a dona da farra. Mas seja como for, um dia o pulso para”.
Confira três músicas do show: “Homem De Ferro”, “IKM (Indivíduos Da Kanhota Militante)” e “Penúltima”.
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