Texto: Marcos Anubis
Revisão: Pri Oliveira
Fotos: Gal Oppido e Paulão Vasconcellos/Reprodução Facebook Os Mulheres Negras
“No lugar onde eu nasci, tão bonito lá, tão pequenino. As pessoas amam o mar, construíram um submarino. Fizeram um sub, fizeram um submarino amarelo”. Quem viveu os anos 1980/90 lembra dessas frases da canção “Sub”, uma versão brasileira para o clássico “Yellow submarine”, dos Beatles, feita pelo duo paulista Os Mulheres Negras.
Desta sexta-feira (12) até o próximo domingo (14), os curitibanos terão uma oportunidade rara para ver de perto o trabalho de André Abujamra (guitarra, vocal e programações) e Mauricio Pereira (vocal e instrumentos de sopro), autodenominados “a 3ª menor big band do mundo”. Serão quatro shows na Caixa Cultural, em Curitiba, a um preço bem acessível (R$ 10 e R$ 20).
Shows e situações inesquecíveis em Curitiba
Os fãs que acompanham a banda desde o seu início têm uma lembrança muito forte de um show fantástico que os Mulheres Negras fizeram no antigo Aeroanta, no início dos anos 1990. Na ocasião, André fez um “solo de bateria” em sua Gibson preta que deixou todos de boca aberta, porque era uma coisa completamente inusitada. Bateria em uma guitarra?
Outro momento marcante foi a apresentação da banda no festival Rock na Estação, realizado no Círculo Militar, que comemorava os dois anos da rádio Estação Primeira. Naquela ocasião, ainda se apresentaram as bandas Ira!, Defalla, Os Replicantes, Blindagem e Nenhum de Nós.
Ali, ao interpretar um dos clássicos do Rock’n’roll, o clássico “Summertime”, canção do americano George Gershwin que ficou marcada na voz de Janis Joplin, a dupla causou perplexidade em quem ainda não conhecia o seu trabalho. “Sempre rolaram muitos shows bacanas em Curitiba, mas uma lembrança que tenho foi de um show que rolou no Círculo Militar. O público não estava esperando ouvir ‘Summertime’ com bateria eletrônica de um tecladinho Casio SK1. O P.A. também não era muito bom e o clima ficou pesado para o nosso lado”, relembra André.
Mauricio também guarda as suas recordações da capital paranaense. “Curitiba é um lugar especial para os Mulheres e, também, para minha carreira solo. A gente sempre teve uma boa acolhida aí em vários projetos e casas. Fizemos grandes shows cheios no Paiol, outros com os nossos manos do Beijo AA Força, no lançamento do disco da Melina Mulazani, no especial para o Radiocaos e outros”, diz. “Na carreira solo, eu também tenho muita liga com Curitiba. Foram belos shows, projetos com o Radiocaos, o Maxixe Machine, o Fato, a Estrela Leminski e o Téo Ruiz e o Perhapiness. Fui lindamente gravado por artistas daí, como a Banda Mais Bonita, a Juliana Cortes, a Michelle Pucci. Também fiz um trabalho interessante na Oficina de Música de Curitiba (que bom que ela está de volta neste ano) com jovens e ótimos músicos daí”, complementa.
Relação com artistas curitibanos e a vivência de André na cidade
Em seu mais recente álbum, “De Cima do Mundo eu vi o Tempo” (2017), os curitibanos da Banda Mais Bonita da Cidade gravaram uma versão para a música “Trovoa”, composição de Mauricio Pereira.
Construída com ambiências de forma muito etérea, a música ganhou uma outra cara sem perder o brilho original. “Adorei a versão. Ficou quente e afetiva, bem na onda deles. Assisti ao show de lançamento em São Paulo e a Uyara tem uma empatia muito bonita com o público, leva a canção de um modo muito intenso. Fiquei mesmo muito contente por eles me gravarem e levarem essa canção para a estrada com eles. É mais um capítulo da minha ligação grande com o cenário de Curitiba e isso também me deixa contente”, elogia Mauricio.
Já André ficou ainda mais próximo da capital paranaense ao morar durante quatro anos em Curitiba. “Fiz muitos amigos, entre eles, Ary Giordani, Valderval Oliveira, Grace Barros, Melina Mulazani, João Egashira, Victor Sabbag e outros. Também fiz um projeto que envolvia música e teatro chamado ‘A Família Lovborg’, com artistas paranaenses, que foi uma experiência maravilhosa! Morei em vários lugares, mas eu gostei mais de morar no Batel. A qualidade de vida de Curitiba me agrada! Não curto dirigir carro”, diz.
Três décadas de um clássico do underground brasileiro
Além desse retorno aos palcos, o ano de 2018 também é especial para os Mulheres Negras porque marca os 30 anos do lançamento do álbum de estreia do grupo, o clássico “Música e Ciência” (1988). “30 anos? Vixe Maria!”, se espanta André. “É um disco que conta muito da nossa cabeça livre para fazer música, ali na época. Lembro de tocar saxofone em ‘Summertime’ com o captador em frente a um Marshall no talo do volume, de ver o André duelar com o Osvaldinho do Acordeon e o Almir Sater em ‘Milho’, de um coral de assobios em ‘Purquá Mecê’, que encerrava com uma batida de porta e um aspirador de pó”. Enfim, toda uma lida junto com o Peninha Schmidt, o nosso produtor, para traduzir em um disco o que era o nosso show num palco e para colocar na indústria a mesma liberdade criativa que a gente tinha no cenário underground”, conta Mauricio.
Música sem barreiras
O som dos Mulheres Negras sempre foi experimental, explorando todas as possibilidades sonoras possíveis. E isso aconteceu em uma época na qual não tínhamos metade da tecnologia atual. Atualmente, por causa da evolução impressionante dos pedais de efeito, dos amplificadores e de toda a parafernália instrumental, esse cenário se modificou e permite ainda mais descobertas. “Hoje, ficou mais fácil e não só porque tem mais tecnologia. Acho que, com o passar do tempo, muita coisa que a gente fazia se tornou mais natural. Acredito que, hoje, é mais comum quebrar a linearidade de uma canção, como a gente fazia. Vejo muitos artistas abordando a canção de uma maneira muito bonita, dando-se a liberdade de quebrar padrões e propor formatos”, analisa Mauricio.
Na verdade, há 30 anos, algumas bandas, entre elas, Os Mulheres Negras, o Defalla e o Picassos Falsos (cada uma com características próprias) já misturavam estilos musicais que costumavam transitar de forma separada.
Hoje isso é “comum” e, certamente, os Mulheres Negras possuem uma parcela desse pioneirismo, mesmo que não assumam isso. “Quer saber? Até acho que essas portas se abriram com a Bossa Nova, a Jovem Guarda e o Tropicalismo. Nós éramos uma banda antropofágica, que misturava tudo. Acho que o diferencial dos Mulheres é a alta velocidade com que a gente misturava a informação, somada a um trabalho cênico muito forte: nós éramos (e somos, quando estamos juntos) uma banda de clowns elétricos e megainformados”, analisa Mauricio. “Concordo com o Mauricio. Antropofagia e mistureba sempre foram presentes de alguma forma na música brasileira. Os Mulheres só seguiram essa tradição a sua maneira meio estranha de tocar”, complementa André.
A música digital e os novos rumos do entretenimento
Nos anos 1980/90, era essencial conseguir uma gravadora para que uma banda pudesse lançar os seus trabalhos. Hoje, a tecnologia permite que os artistas gravem e lancem músicas sem essa interferência.
Ao mesmo tempo, existe uma enorme quantidade de artistas e de música na internet e esse “mundo novo” ainda não foi bem assimilado por todas as bandas. “O lado bom é a liberdade que se tem para criar (embora a gente sempre tenha tido, mesmo na grande gravadora), produzir um trabalho com alta qualidade técnica e poder distribuir livremente. O lado ruim é que, com essa quantidade enorme de artistas e com a fragmentação imensa do mercado, ficou mais difícil chegar ao grande público − coisa que eu acho importante para um artista pop − e viabilizar economicamente os trabalhos”, reflete Mauricio.
Porém, mesmo com essas mudanças tecnológicas, Mauricio acredita que a indústria da música, de certa forma, permaneceu na mão dos mesmos. “O poder no showbizz continua concentrado. Se antes era nas gravadoras majors, nas rádios e tevês, hoje é nos sites de streaming, redes sociais e nos gigantes digitais de mídia. Enfim, a gente tem mais liberdade para trabalhar, mas é um mercado ainda muito concentrado, na minha opinião”, complementa. “Neste ‘mundo novo’, eu continuo bancando o meu trabalho e tentando fazer os shows da melhor maneira possível. Nunca foi fácil nem nos anos 1980/90 e nem será no futuro. O que importa é acreditar no que você está fazendo e no que está passando para as pessoas”, diz André.
Apesar de terem lançado só dois discos, “Música e Ciência” (1988) e “Música Serve pra Isso” (1990), André e Maurício nunca perderam o contato e a parceria musical. Esse tipo de sintonia é raro em um mundo musical que é cada vez mais individual. “Eu me sinto à vontade tocando com o André. Tem uma irmandade, é natural, não tem muita explicação. Fora isso, a gente começou junto, experimentou muitas coisas pela primeira vez um ao lado do outro e, principalmente, a gente viu um no outro um parceiro sem preconceito para poder viajar por todo tipo de onda musical”, diz Mauricio. “O Mauricio é meu soul brother. A nossa química é algo difícil de encontrar em um parceiro. Amo estar no palco ao lado dele”, complementa André.
Novo álbum?
No momento, André e Mauricio têm procurado se divertir e aproveitar os momentos juntos no palco. Porém, mesmo que não seja o foco nesse momento, a possibilidade de lançar um novo álbum é real. “O que a gente tem feito é reler o nosso trabalho com a vivência que temos hoje, e acho que isso tem sido ótimo. Sinto que depois de 30 anos de estrada, o show dos Mulheres tá ficando mais poderoso, é um processo que eu gosto muito, e que nunca acaba. Então, por conta disso, não me preocupo muito em lançar disco”, diz Mauricio.
Mesmo assim, os dois não criam uma expectativa tão imediata porque estão prestes a lançar seus novos CDs solo. “Nos últimos anos, as nossas carreiras solo ganharam força e isso tem absorvido a gente. Temos muitos projetos. Neste ano, tanto eu como o André vamos lançar discos novos, trabalhos intensos, e por um bom tempo é principalmente neles que a nossa energia está concentrada, conta Mauricio. “Tenho muita vontade de gravar um disco novo, pois estar dentro de um estúdio criando me dá muito prazer, mas tudo tem que ter o momento certo. Os Mulheres estão na estrada mostrando que se reinventar no palco é muito diferente do que ser um cover de si próprio”, finaliza André.
O primeiro dos quatro shows que os Mulheres Negras farão em Curitiba acontece nesta sexta-feira (12) na Caixa Cultural. Os ingressos custam R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia-entrada) e podem ser adquiridos na bilheteria do local (de terça a sábado, das 12h às 20h, e domingo, das 16h às 19h).
As entradas são limitadas, pois o local tem capacidade para 125 lugares (2 para cadeirantes). Os horários são os seguintes: sexta, às 20h, sábado; às 19h e 21h; e domingo, às 19h. A classificação etária é de 14 anos. A Caixa Cultural fica na Rua Conselheiro Laurindo, 280, no Centro.
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