Texto: Marcos Anubis
Fotos: Pri Oliveira/Cwb Live
Em plena atividade, com vários lançamentos e novidades, a obra da banda de Brasília mostra que a coerência ainda é uma característica dos artistas contestadores
Todo fã de música brasileira, de qualquer estilo, sabe que a Plebe Rude é uma instituição do Rock nacional. Afinal, em 2021, a banda de Brasília está completando 40 anos de trajetória e coleciona alguns dos maiores clássicos do Punk tupiniquim, entre eles, “Até quando esperar” e “Proteção”.
Porém, além do tempo de vida, o grupo tem muito mais a celebrar. Há quatro décadas, Philippe Seabra (vocal e guitarra), André X (baixo e vocal), que são remanescentes da formação original da banda, muito bem acompanhados por Clemente Nascimento (guitarra e vocal) e Marcelo Capucci (bateria), seguem fiéis ao que se propuseram a fazer.
Essa coerência vai além da música porque, desde o início, em 1981, o grupo sempre teve o mesmo combustível: uma forte postura crítica em relação ao cenário político e social do Brasil.
Atualmente, em um momento no qual várias bandas e artistas brasileiros não sustentam mais os ideais que supostamente defendiam, essa coerência é um dos grandes orgulhos da Plebe. “Pagamos um preço alto por isso, mas é melhor ter essa postura coerente do que virar um babaca. Pensando bem, os artistas que mais exploram ‘política’ nas redes sociais são mais auto-promotores do que ativistas. É tudo tão insosso, assim como a música que produzem há trinta anos. Julguem pelo conjunto da obra e não pelo despertar latente do entretenimento disfarçado de ‘posicionamento’. Olhem bem, fora os sucessos facilitados de rádio, não tem muito ali”, afirma Philippe Seabra.
Nessas quatro décadas de estrada, a Plebe colecionou inúmeros momentos marcantes. Um deles representa bem a postura da banda, pois foi quando eles perceberam que as canções que estavam lançando faziam sentido para a realidade pessoal dos fãs. “O mais marcante pra mim, talvez, foi quando músicas como a ‘Proteção’ viraram hits. Foi um sinal de que a mensagem da Plebe estava ressoando e de que a abertura democrática veio para ficar”, diz.
Apesar das conexões que o grupo estabeleceu com praticamente todas as cidades do Brasil, a capital paranaense ainda é uma parte muito importante na história da Plebe. “Fizemos inúmeros shows em Curitiba. Até participamos da inauguração da Pedreira, ao lado dos Inocentes. Não podemos esquecer que o André, baixista e co-fundador da Plebe, é curitibano. É uma cidade muito especial para a gente!”, conta.
Ecos de 1968
Diferentemente de uma parte significativa dos artistas dos anos 1980, a Plebe continua produzindo material inédito. No dia 7 de julho, por exemplo, a banda lançou o single “68”. A data foi escolhida de propósito porque marca o dia da criação da Plebe Rude, em 1981.
Essa é a primeira música do álbum “Evolução Vol. 2”, que será lançado ainda em 2021, e a letra aborda um dos períodos mais marcantes na história da humanidade. “Eventos como a Primavera de Praga, o assassinato do Bobby Kennedy e do Martin Luther King, e a guerra do Vietnã certamente marcaram uma era. No fim do ano, em dezembro, o homem ainda circundou a lua pela primeira vez e se enxergou”, diz.
Realmente, naquele ano, vários fatos mudaram os rumos do mundo e causam impacto até hoje. “Ergam os punhos para os direitos civis. Do gramado em frente à Casa Branca às ruas de Paris. No Vietnã, a caça a Ho Ching Minh, e na América, o assassinato do Martin Luther King. 68 acabou entrando para a história”, diz a letra de “68”.
Porém, atualmente, as lições desse ano parecem ter sido esquecidas, ou pior, renegadas. “Hoje, com a polarização causada pelas redes sociais, parece que estamos em um beco sem saída. Ou você está comigo ou é meu inimigo. Parece até a filosofia Sith de Star Wars”, analisa.
P da vida
Em novembro de 2020, a Plebe pegou os fãs de surpresa com o lançamento de uma versão da música “P da vida”, sucesso da boy band brasileira Dominó, nos anos 1980.
A canção foi gravada com o ex-vocalista do grupo, Afonso Nigro. Só que, na verdade, essa “conexão às avessas” é antiga porque, em várias ocasiões, por uma suposta semelhança física, Philippe já foi confundido com Afonso. Obviamente, isso virou até uma piada interna na Plebe Rude.
O que ninguém esperava era que essa pseudo-ligação entre os dois artistas virasse uma parceria. “Há alguns anos, o Afonso passou por Brasília e um amigo em comum nos juntou. Aproveitei para gravar o vocal dele na ‘P da vida’, creio que mais para provar que não éramos a mesma pessoa (já me pararam uma vez e pediram autógrafo como se fosse ele)”, conta. “Gravamos a música no clima da banda Phoenix, mas não sabíamos exatamente o que fazer com aquilo e ficou arquivado durante alguns anos. Quando a pandemia começou, o Afonso me ligou e disse: ‘é hora’!”, conta.
Como todo o trabalho da Plebe, até mesmo essa regravação surgiu da necessidade de se posicionar contra o status quo da sociedade brasileira. “É engraçado, mas a minha geração perdeu completamente a capacidade de articular em canções tudo o que estamos passando no sentido sociopolítico. Completamente! Tivemos que buscar na década de 1980, e no Menudo brasileiro, a prova de que é possível juntar posicionamento e música. Falar alto em blog é uma coisa, agora, cantar e comprometer a sua carreira é outra. Por isso, quando eu vejo artistas da década de 1980/90 ‘blogando’ sobre política, eu morro de rir. Vai cantar a respeito, vai comprometer a carreira a respeito? Tem que vir de um lugar real. Ah, e talento ajuda. Artista se manifesta por meio da arte”, afirma.
Os próximos passos da evolução
As novidades da Plebe não param por aí, pois a banda já prepara o lançamento do álbum “Evolução Vol. 2”.
A continuação da primeira parte dessa saga (o CD “Evolução Vol. 1” que saiu em dezembro de 2019) será lançado ainda em 2021. “Infelizmente, o lançamento dessa obra toda, que reúne 28 músicas inéditas, foi interrompido pela pandemia. Em breve, nós soltaremos o segundo single e, imagino que daqui a dois meses, lançaremos o ‘Vol. 2’ inteiro”, conta.
As duas partes do álbum “Evolução” abordam a trajetória do ser humano e levam a uma profunda reflexão. Afinal, o lado ruim da sociedade nunca esteve tão em evidência.
Atualmente, com milhares de pessoas morrendo em todo o mundo por causa da Covid-19, as grandes potências ainda não demonstram interesse em mandar vacinas para a África, por exemplo. A atitude evidencia a ganância das pessoas, mesmo em meio a uma epidemia extremamente mortal que já dura um ano e meio.
Ao que parece, o “projeto ser humano” não deu certo e, de certa forma, o mais recente trabalho da Plebe Rude mostra ludicamente essa realidade. “O ‘Evolução’ narrava a trajetória do Homo Sapiens desde o despertar da consciência, há uns 200 mil a 150 mil anos. De lá pra cá, vimos inúmeros avanços, mas o instinto de sobrevivência que fez com que o homem evoluísse agora parece dar lugar a maldade mesmo. É tão triste ver o que o homem é capaz de fazer e não aprende. O final do musical tem um tom mais esperançoso, mas as coisas não melhoraram. Estamos passando por momentos difíceis como espécie. Tudo é autoimposto”, diz.
Além de todos esses lançamentos da Plebe, Philippe também está à frente do programa “Capital do Rock”, na Rádio Justiça. O projeto pode ser ouvido neste link.
O impacto da pandemia
Desde o início da pandemia, o equilíbrio psicológico das pessoas sofreu um grande abalo.
Para os artistas, esse impacto também foi pesado, afinal, de uma hora para outra, os shows foram cancelados e, consequentemente, as fontes de renda diminuíram drasticamente. “A cultura manteve a sanidade da humanidade durante todo esse período de isolamento. No meu caso, estive bastante ocupado. Tinha terminado minha autobiografia em fevereiro de 2019 e estávamos prestes a lançar o ‘Evolução Vol. 2’, sem contar a participação já fechada no Rebelion Festival, na Inglaterra. Porém, aproveitei para lançar a premiada trilha do filme ‘Faroeste Caboclo’ (que me rendeu o prêmio de melhor trilha sonora original no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, em 2014)”, diz.
Além disso, Philippe também trabalhou em outras frentes. “Eu terminei um musical, mas esse é totalmente solo. Toquei todos os instrumentos, mas não cantarei no disco. Os vocais ficaram a cargo de crianças de 12 anos de idade. É um paralelo a toda essa maluquice que estamos passando, mas pela visão de crianças. Ao contrário do ‘Evolução’, esse é um musical com texto e dramaturgia. A minha autobiografia ficou para o ano que vem”, complementa.
Mesmo com tantos trabalhos pessoais, Philippe acredita que o futuro do setor musical e de eventos, que parecia melhorar com o avanço da vacinação, ainda é incerto. “Agora, com a variante Delta, eu nem sei mais o que pensar. Vamos torcer para que as coisas voltem logo”, diz.
Resgate histórico
Philippe acaba de participar da criação do projeto “Rota Brasília Capital do Rock”, no qual foram mapeados 37 pontos históricos que são marcantes na história musical da terra natal da Plebe.
O decreto foi assinado no dia 6 de maio pelo governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, e teve a participação da Secretaria de Economia (SEEC), da faculdade União Pioneira de Integração Social (UPIS), e da Secretaria de Turismo (SETUR). A curadoria ficou a cargo do próprio Philippe.
Entre os pontos que fazem parte do roteiro estão a SQS 104 Sul (quadra na qual moravam os integrantes do trio Os Paralamas do Sucesso), o Cave no Guará (local do primeiro show da Legião Urbana em Brasília), e o espaço no qual foi realizado o evento Rock na Ciclovia, organizado pela Plebe Rude em 1982. Todos esses locais também podem ser visitados virtualmente por meio da plataforma Google Earth.
A importância desse projeto é muito grande, afinal, em um país sem memória, é essencial manter vivo o legado que a Plebe e tantas outras bandas de Brasília construíram nas últimas décadas. “O movimento do Rock de Brasília, e não só da década de 1980 (existiam bandas aqui já na década de 1960), estava há alguns anos querendo demarcar esses pontos históricos. Demorou, mas finalmente a SETUR abraçou o projeto e agora eles fazem parte da rota turística da cidade”, diz.
A química ideal
A formação atual da Plebe Rude está junta há uma década. Claramente, a importância de Clemente e Marcelo na consolidação dessa nova fase da Plebe é muito grande. “Oxalá eu soubesse que esse verbo era irregular! Demorou 25 anos, mas com a entrada do Clemente, finalmente conseguimos um clima de banda perfeito, baseado em trabalho, amizade, respeito e sincronia de pensamento. E há dez anos, a entrada do Capucci (apesar de ser flamenguista), só sedimentou esse nosso compromisso com os fãs e a nossa amizade”, diz.
Nunca fomos tão brasileiros?
Um dos grandes álbuns da Plebe é “Nunca Fomos Tão Brasileiros” (1987). O disco tem alguns dos maiores clássicos da banda, entre eles, “Censura”, “Bravo mundo novo”, e “A ida”.
Porém, a música mais emblemática é a faixa-título, que retrata uma realidade muito conhecida por todos nós. “Sou brasileiro, vocês dizem que sim, mas importações não deixam ser assim. Pra que tudo isso na região tupiniquim? Nasci aqui, mas não só eu, você está neste barco também”, diz a letra.
O mais impressionante é que, em 2021, a frase “nunca fomos tão brasileiros” parece ser ainda mais real. “A evolução nos mostra que esse momento completamente esdrúxulo pelo qual estamos passando vai passar, e rápido. Imagine que você é da Plebe e, de uma hora para outra, tudo que você cantou contra passa a virar programa de governo. Infelizmente, auxiliado pela polarização das redes sociais, algumas marcas ficarão na democracia, mas assim como nos Estados Unidos, ela sobreviverá”, finaliza Philippe.
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